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Conhecimentos biológicos sobre a categoria de recurso em estudo: bambus da flora nativa

2002; KLINK & MACHADO, 2005; ILLUKPITIYA & YANAGIDA, 2010; SCARIOT et al., 2014).

III. Conhecimentos biológicos sobre a categoria de recurso em estudo: bambus da flora nativa

O termo “bambu”44

(bamboo) possui origem indo-malaia (“Bambu ou Bambue”) e foi difundido na Europa a partir dos registros nas colônias holandesas no século XVII (OHRNBERGER, 1998). Atualmente, o termo faz referência a um conjunto complexo e heterogêneo de espécies vegetais, amplamente distribuídas no mundo, com porte lenhoso e herbáceo, que compartilham aspectos morfológicos, anatômicos, macromoleculares e ecológicos (JUDZIEWICZ et al., 1999; FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2006) que, por

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“Bambu é palavra de origem malaia, mas seu étimo é considerado impreciso. Admite-se que se tenha originado do neo-árico, língua falada na Índia, Paquistão, Irã, Bengladesh e alguns outros países vizinhos. No português arcaico, escrevia-se mambu (séc. XV), mas já no século XVI aparecem mumbum e bambu. (...) No português do Brasil, geralmente não se usa o termo bambu para nomear as espécies nativas. Para estas, usa-se uma nomenclatura especial. Ou seja, uma série de nomes é empregada, todos de origem indígena, em geral do tupi-guarani.” (FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2006, 2007).

ancestralidade comum, compõem uma subfamília monofilética (GPWG, 2011; KELCHNER & BPG, 2013). As espécies compreendidas como bambus agrupam-se na subfamília Bambusoideae e, que junto com outras 11 subfamílias formam a Família Poaceae (SORENG et al., 2015). Bambusoideae é subdividida em três tribos: Arundinarieae, Bambuseae e Olyreae. Apenas os bambus lenhosos (Tribo Bambuseae) e herbáceos (Olyreae) ocorrem no Brasil e demais países sul-americanos (JUDZIEWICZ et al., 1999; FILGUEIRAS et al. 2016; FILGUEIRAS & VIANA, 2017).

Os bambus nativos45 do Brasil compõem cerca de 20% de toda a diversidade de bambus do mundo e apresentam grande endemismo, em comparação ao Velho Mundo. O país possui a maior riqueza de espécies e gêneros de bambus das Américas ao qual um grande patrimônio cultural local e tradicional humano se associa (FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2007) (FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2004; JUDZIEWICZ et al., 1999; FILGUEIRAS et al. 2016). Foram descritos 35 gêneros e 258 espécies nativas de bambus (18 gêneros e 165 espécies lenhosas; 17 gêneros e 93 espécies herbáceas), sendo 63% delas endêmicas do Brasil (17 gêneros e 165 espécies) (FILGUEIRAS & VIANA, 2017). Da consulta realizada à Flora do Brasil 2020 em 2016, 64,3% das espécies ocorrem na Mata Atlântica, 34,9% na Amazônia, 12,8% no Cerrado, 4,3% na Caatinga e 2,3% no Pantanal (dados de Filgueiras et al., 2016). Apesar da ocorrência relatada de bambus nativos no Pampa (e.g. JUDZIEWICZ et al., 1999; SCHMIDT & LONGHI-WAGNER, 2009; BIGANZOLI & ZULOAGA, 2015; GUADAGNIN, 2015; POZNER, 2019) ainda não foram registrados na Flora do Brasil 2020 (2019)46, demonstrando abrangência potencial do grupo ainda maior no país, com a possibilidade do aumento do número de espécies e da área de ocorrência, envolvendo oficialmente todos os seis biomas nacionais, a partir do avanço dos estudos taxonômicos e formalização dos depósitos botânicos.

Quanto ao estado de conservação, das 69 espécies de Poaceae listadas nacionalmente como espécies da flora ameaçadas de extinção, 19 são Bambusoideae lenhosas e herbáceas, i.e. cerca de 27% das gramíneas ameaçadas são bambus nativos (BRASIL, 2014). Atualmente, 23 foram formalmente listadas como ameaçadas de extinção (FILGUEIRAS & VIANA, 2017), havendo ainda outras classificadas como raras e

45 Conceito de nativo apresentado na introdução e listado junto a outras designações no Apêndice 1.

46 Flora do Brasil 2020 (2019) utiliza para o Domínio Fitogeográfico Pampa a definição de Boldrini (2009) como

“vegetação campestre predominantemente herbácea ou subarbustiva e geralmente contínua [que] ocupa 2.1% do território brasileiro, exclusivamente no Rio Grande do Sul, mas com extensões para a Argentina, Uruguai e leste do Paraguai”.

vulneráveis (FILGUEIRAS et al., 2013, 2016; CNCFLORA, 2014; MARTINELLI et al., 2014; SÃO PAULO, 2016). Nesse cenário, o estudo e a conservação dos bambus nativos têm sido apontados como necessários e urgentes no Brasil (BRYSTRIAKOVA, 2004; FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2006; SHIRASUNA et al., 2013; BARBOSA et al., 2015; FILGUEIRAS & VIANA, 2017). A mudança do uso da terra, com subtração da vegetação autóctone, é considerada a principal causa da redução de bambus nativos em diversas regiões como as Filipinas (KUSTERS et al., 2001), África do Sul, Madagascar e países na América Central e do Sul (BYSTRIAKOVA et al., 2004), incluindo o Brasil (DÓREA, 2011; FILGUEIRAS & VIANA, 2017).

Como componentes da biodiversidade nacional, distribuídos nas variadas fisionomias dos biomas e em todos os estados (FILGUEIRAS et al., 2016), os bambus nativos, especialmente os lenhosos, são aproveitados para finalidades sociais, culturais e econômicas, conforme as diferentes características das comunidades humanas locais e tradicionais (e.g. RIBEIRO, 1988; JUDZIEWICZ et al., 1999; ISA, 2006a, b, 2011; FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2007; ONIMBOÉ ODJAPÓ, 2010; RIBEIRO, 2010; AMARAL, 2015; MIRANDA & BIANCHIN, 2015; CENTRO DE REFERÊNCIA INDÍGENA, 2016; COSTA, 2018). De fato, dentre as categorias que compõem os Serviços Ecossistêmicos (SEs) (conforme MEA, 2005), os serviços de provisão a partir do uso direto das espécies se destacam na literatura, em especial pelo uso dos colmos lenhosos. Segue-se a estes, os serviços culturais, ligados de forma direta ou indireta ao uso, a partir da importância linguística, mítica, religiosa e da integração à biodiversidade local e original associada às espécies de bambus nativos. A compreensão sobre os serviços de regulação e dos serviços de suporte ainda é emergente e específica da literatura acadêmica, sobretudo da Ecologia Vegetal, e ainda se concentra em poucas espécies lenhosas e ecossistemas neotropicais - como será tratado a seguir e ao longo da tese. Os estudos já realizados, ainda que dispersos e indireto sobre os bambus nativos, foram capazes de traçar a importância do grupo para a biodiversidade, por sua própria diversidade genética e pelas relações estabelecidas com outras espécies, principalmente com a fauna nativa. Também, revela-se a importância dessas plantas para a fixação de gás carbônico e nitrogênio, ciclagem de nutrientes, produção primária e formação de solos. Os SEs estabelecidos pelos bambus nativos demonstram-se complexos, demandando estudos científicos em múltiplas escalas e níveis para o reconhecimento contexto-específico dos benefícios, riscos e prejuízos. Da literatura levantada e aprofundada adiante, depreende-se que os SEs relacionados ao grupo botânico variam conforme as

espécies, a localidade, a comunidade biológica, as funções ecológicas estabelecidas, a existência e a intensidade de fatores bióticos e abiótico, com grande interferência antrópica.

Funções ecológicas dos bambus nativos em debate

Nos ecossistemas brasileiros, os bambus nativos desempenham múltiplas funções ecológicas que proveem serviços reguladores e de suporte, abrindo um campo para investigações com abordagens histórico-temporais em séries longas avaliando os fatores e as dinâmicas e contexto-específicos. Apesar das lacunas, espécies de bambus nativos do Brasils ocupam diferentes habitat e contribuem à manutenção dos ciclos biogeoquímicos de carbono e nitrogênio (e.g. BUDKE et al., 2010; VIEIRA et al., 2011; GOMEZ, 2012; PADGURSCHI et al., 2011, 2018; MOGNON et al., 2017), ao estabelecimento de relações benéficas nos ecossistemas de origem (GAGNON et al., 2007; MARCHESINI et al., 2009; BUDKE et al., 2010; SANTOS et al., 2012a) e para a fauna nativa (BELLOTTO et al., 2009; FAGUNDES et al., 2010; OLMOS, 1990; BYSTRIAKOVA et al., 2004; SANTOS et al., 2012b; SILVA et al., 2012; TOLEDO et al., 2014; TRIERVEILER-PEREIRA et al., 2016). Os bambus nativos proveem abrigo e recursos fundamentais às espécies altamente especializadas, parte das quais ameaçadas, como da avifauna (KRATTER, 1997, 1998; WWF, 2010; COCKLE & ARETA, 2013; GUILHERME & SANTOS, 2009; LEITE et al., 2013; GUILHERME, 2016).

Por outro lado, em determinados SSEs, algumas espécies de bambus exercem pressões negativas sobre a comunidade vegetal e afetam a manutenção das funções ecológicas, potencialmente reduzindo a biodiversidade geral comparativamente a referências espaço-temporais ainda que observadas pontualmente (Apêndices 2 e 3). O crescimento e a ocupação dominante de populações nativas, principalmente de lenhosas dos gêneros Guadua, Merostachys, Chusquea47 e Actinocladum, têm sido investigados nas duas últimas décadas em fisionomias da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, em áreas com grau variado de alteração e/ou exposição a fatores de impacto, como fogo, radiação (bordas, clareiras), ações antrópicas passadas ou presentes (ex. corte e remoção de árvores, ocupação humana). A dominância, em determinadas fitofisionomias, é fato que demanda integração de profissionais para a reflexão da necessidade do manejo dos bambus e as melhores estratégias e técnicas para controle e potencial melhoria dos ecossistemas naturais, inclusive em áreas protegidas, potencializando a

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Gênero de bambus tropicais Chusquea Kunth, que contém o maior número das espécies dos bambus nativos do Brasil (JUDZIEWICZ et al. 1999; FLORA DO BRASIL 2020, 2016a).

conservação (considerando SILVEIRA, 1999, 2006; LIMA et al., 2007, 2012a, b; ROTHER et al. 2013; ALMEIDA, 2016; JOSE et al., 2016; PIVELLO et al., 2018).

O intenso crescimento e a plasticidade das espécies dominantes em determinadas fisionomias podem ser estrategicamente utilizadas para recuperação de áreas degradadas. Com o aproveitamento dos recursos manejados em sistemas, obtém-se retorno econômico para cobrir os custos, totais ou parciais, associados ao controle dos bambus, combinando, portanto, planos de uso de manejo necessário, potencialmente possibilitando modos de vida e/ou fontes alternativas sustentáveis de renda às comunidades locais (D’OLIVEIRA et al., 2013; ROCKWELL & KAINER, 2015). Vale destacar contudo que este uso estratégico requer responsabilidade, evitando-se a introdução48 de espécies invasoras49 e a criação de novos passivos ambientais (CANAVAN et al., 2015, 2016, 2018). O plantio de espécies de origem asiática mundialmente reconhecidas como invasoras tem causado grande impacto à biodiversidade inclusive em unidades de conservação e outras áreas de relevância ecológica no Brasil50 (e.g. SILVA et al., 2011; ZENNI & ZILLER, 2011; SAMPAIO & SCHMIDT, 2013; IABIN, 2017). Por outro lado, a exploração de espécies desconhecidas de bambus florestais pode prejudicar a diversidade genética necessária para a conservação das populações das espécies nativas, como apontado por Silva (2019). A necessária ampliação das áreas para a conservação da diversidade genética, reconhecida para espécies de Guadua nativas (SILVA, 2019), a partir de sistemas para o manejo sustentável em áreas recuperadas podem reduzir as pressões sobre os remanescentes – o que reforça a necessidade de investigação para o planejamento integrado das ações de forma intersetorial.

A complexidade dos mecanismos ecofisiológicos e as respostas das espécies em cada contexto socioecológico precisam ser endereçadas de forma interdisciplinar e integrativa considerando as principais dimensões (escalas) e a interação entre seus níveis, tratando-se de

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Introdução: inserção“de indivíduos de uma espécie em uma área em que a espécie não ocorre naturalmente. Pode ser relativa a espécies nativas (brasileiras e alóctones) ou exóticas (de outro país). Pode ocorrer de maneira natural ou de modo antrópico” (IAP, 2018).

49 Espécie exótica invasora: espécie que se encontra fora de sua área de distribuição natural e que ameaça

ecossistemas, habitats, espécies (CDB, 2009) (ver Apêndice 1). Essas espécies, por suas vantagens competitivas e favorecidas pela ausência de predadores e pela degradação dos ambientes naturais, ameaçam a permanência das espécies nativas, notadamente em ambientes frágeis e degradados sendo consideradas a segunda causa mundial e nacional de perda de biodiversidade, depois da conversão dos ambientes naturais, e a primeira causa mundial de extinção de biodiversidade em ilhas e áreas protegidas (CDB, 2009, 2010b; MMA, 2011). A grande maioria das espécies é introduzida de forma voluntária, para uso direto, e escapa ao cultivo ou é abandonada na natureza por falta de mercado. Apesar dos esforços internacionais para o controle e erradicação de espécies exóticas invasoras, a quantidade de invasões só aumenta no globo sem projeção visível do ponto de saturação (SEEBENS et al., 2017).

recursos biológicos em ecossistemas naturais dinâmicos (BERKES, 2002; YOUNG, 2002a). As informações produzidas sobre a ecologia de bambus nativos brasileiros encontram-se dispersas, fragmentadas nas diferentes áreas científicas e carecem de investigações em séries temporais longas considerando múltiplas variáveis e o histórico de uso nas áreas vegetadas. Estudos genéticos e fenológicos da biologia vegetal, biogeográficos, etnolinguísticos e paleontológicos inclusive podem ser integrados para favorecer compreensões das dinâmicas relacionadas aos bambus nativos (com base em DÓREA, 2011; RODRIGUEZ et al., 2010; GUERREIRO, 2014; PADGURSCHI, 2014; RAMPANELLI, 2016; WATLING et al., 2017; PADGURSCHI et al. 2018). A partir de abordagens integradoras, modelos dinâmicos da distribuição e interação das populações podem ser reconhecidos de forma a ponderar visões antagônicas como se houvesse “o bem” e “o mal dos bambus” - esse último, frequentemente observado nas publicações de ecologia vegetal, que em muitos casos não especificam nem mesmo a espécie-problema.

As definições que convencionalmente categorizam as espécies na literatura e nas políticas públicas, e utilizadas nesta pesquisa, foram sintetizadas no Apêndice 1. É importante esclarecer que os bambus dominantes podem ser nativos e exóticos, mas até o momento algumas espécies exóticas, lenhosas de origem asiática, já foram oficialmente reconhecidas e listadas como invasoras (ver Apêndice 2) para frear que sejam difundidas. Como previamente apresentado, a invasão biológica51 é considerada a segunda, dentre as cinco maiores ameaças à biodiversidade planetária, e por isso ações estratégias intergovernamentais estão sendo executadas desde os anos 199052 (CDB, 2010). Também, nem todas as espécies exóticas introduzidas se tornam invasoras, mas é fundamental atentar àquelas já identificadas com invasibilidade, e ou com potencial de se tornarem invasoras.

Alguns bambus exóticos têm trazido sérios problemas com a invasão de áreas rurais e naturais e por isso têm sido listados para a tomada de medidas preventivas e de controle e combate à disseminação em nível estadual, nacional e internacional. O Apêndice 2 detalha as informações sobre as espécies de bambus invasores reconhecidas em listagens

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Invasão Biológica: “consiste na aquisição de vantagem competitiva por uma espécie, seguida do desaparecimento de obstáculos naturais à sua proliferação, o que permite sua proliferação e rápida expansão de área de ocupação conquistando novas áreas nos ecossistemas que coloniza, onde se torna uma população dominante” (VALÉRY et al., 2008); A introdução e adaptação de espécies de outros ecossistemas e aumento não controlado do número de seus indivíduos, atingindo densidades muito elevadas, causa danos às espécies locais, afetando negativamente os ecossistemas (IAP, 2018).

52 Para compreender os esforços em macronível para o controle de espécies invasoras, pode-se acompanhar os

materiais das metas específicas da CDB (em: https://www.cbd.int/invasive/) e o histórico das ações, os acordos e convênios e as regulamentações desdobradas, no site do MMA (link em MMA, 2016b).

oficiais a partir do acúmulo dos registros sobre os riscos à biodiversidade em diversos países. Tratando-se das nativas, de acordo com as fontes consultadas, nenhuma espécie, ou mesmo gênero, dos bambus lenhosos neotropicais (como Guadua, Merostachys, Chusquea) foram listados como invasores ou com potencial invasor em ambientes fora de suas áreas de distribuição natural. Na compilação realizada por Canavan et al. (2016), a única espécie neotropical listada com dúvida sobre o potencial invasor foi a herbácea Olyra latifolia. Por ora, os gêneros e espécies neotropicais e nativas brasileiras foram compreendidos como dominantes apenas em nível local e regional (e.g. SILVEIRA, 2005; GALVÃO et al. 2012; LACERDA et al., 2012; ROTHER et al. 2016; PIVELLO et al., 2018), sem que se tenha sido registrado o comprometimento de algum ecossistema em áreas geográficas fora das suas áreas naturais de vida. O comportamento dominante averiguado pode ainda ser compreendido em processos dinâmicos da ecologia vegetal, como concluem Filgueiras & Viana (2017), a partir da compilação dos conhecimentos de pesquisa: “sob certas condições ecológicas, os bambus nativos formam populações densas, dominantes ou subdominantes, conhecidas como sinúsias, que persistem enquanto dura o intervalo entre duas florações gregárias consecutivas”. Assim, reforçam a importância em se considerar ciclos fenológicos mais longos, tratando-se de bambus e das comunidades e paisagens naturais.

As dinâmicas de ocorrência e expansão das populações de bambus nos ecossistemas são influenciadas por múltiplos fatores bióticos e abióticos (conforme referências do Apêndice 3), sendo que as próprias peculiaridades morfológicas e dos ciclos de vida de cada espécie pesam significativamente. A maioria das espécies de bambus tem ciclos que variam de três a 120 anos, finalizando-se com um único evento reprodutivo sexuado, com floração em massa, produção de sementes, com ou sem senescência final (MCCLURE, 1973; KEELEY & BOND, 1999; BUDKE et al., 2010). Guerreiro (2014) identificou ciclos de florescência de cerca de 30 anos para a maioria das espécies lenhosas do sul da América Latina dos gênero investigados Chusquea, Guadua, Merostachys, identificando concentrações ligadas a intervalos múltiplos de 15-16 anos. O estágio do desenvolvimento fenológico, a distribuição prévia da população e preferências por habitat específicos são fatores explicativos importantes para a ocorrência e abundância de espécies nativas associadas e dependentes do ecossistema florestal (PADGURSCHI, 2014).

Os efeitos da dominância e abertura de dossel provocados pelas espécies semelparas são debatidos na literatura, com enfoques frequentemente antagonismos sobre os impactos sobre os demais componentes da vegetação nativa, sejam eles positivos (e.g.

GRISCOM & ASHTON, 2003; MARCHESINI et al., 2009), negativos (e.g. OLMOS, 1990; OLIVEIRA-FILHO et al., 1994; SILVEIRO et al., 2010; LACERDA & KELLERMANN, 2014) ou mistos (LIMA, 2007). Inclusive, o tratamento dos bambus como praga-dominantes advém, de forma geral, do fato de que rizomas, colmos e ramos de espécies dominantes ocupam espaços de vida e reduzem a incidência luminosa, impactando na composição florística e a estrutura da vegetação53

. Há espécies, contudo, que restauram após senescência em um processo lento e tais variações interespecíficas ainda não são bem compreendidas, envolvendo inclusive algumas mais estudadas, como as taquaras M. skvortzovii e M. multiramea, pois que suas dinâmicas e distribuições populacionais variam também conforme as condições edáficas, espaciais (FRANCO, 2008; SILVA, 2015) e os ecossistemas (VEIGA, 2008). Ainda, são raros os trabalhos voltados para o estudo da diversidade genética e a influência das áreas de ocorrência para a manutenção dos bambus nativos e da biodiversidade associada, sendo fundamental para a consideração como verificado por Silva (2019). Dessa maneira, reforça-se a necessidade de maior aprofundamento sobre as dinâmicas ecológicas contexto-específico que compreenda padrões de crescimento, a expansão, as constrições para a conservação da diversidade genética, dado que a dominância não é um padrão e uma condição homogênea na mesma e entre as espécies.

Conhecimentos biológicos e agrotecnológicos para o desenvolvimento socioeconômico local Os bambus são compreendidos como provedores de PFNM pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 1999, 2007) e órgãos governamentais nacionais (MMA, 2016a; SFB, 2016). Mundialmente, os múltiplos usos potenciais e consolidados dos bambus, especialmente os lenhosos (Tribo Bambuseae), têm elevado esse grupo de plantas a posição de destaque na formação de sistemas econômicos sustentáveis por ser fonte renovável de materiais e energia (e.g. BYSTRIAKOVA et al., 2004; FAO, 2007; DIVER, 2010; INBAR, 2012; WBC IX, 2012; WRI, 2014; REBELO & BUCKINGHAM, 2015; WBC X, 2015). Os bambus também fitorremediam poluentes e sequestram gás carbônico, podendo ser usado para mitigação da queima de combustíveis fósseis (e.g. FOREST NEWS-CIFOR, 2012; INBAR, 2012; WBC IX, 2012; WRI, 2014; WBC X, 2015)

53As barreiras físicas pela morfologia demonstram ser mais determinantes para a dominância de bambus nativos

do que potenciais efeitos alelopáticos. Os estudos sobre a alelopatia em espécies nativas de bambus demonstraram fracas evidências, mesmo insignificantes, desse mecanismo (e.g. FERNANDES et al., 2007; SANQUETTA et al., 2013).

pela alta capacidade metabólica de fixação fotossintética do grupo botânico, crescimento e acúmulo de biomassa (e.g. MONTTI et al., 2014; SILVEIRA, 2005, 2006).

O mercado baseado em bambus possui potencial diante da necessidade de busca por alternativas à exploração de espécies madeireiras e da intensa difusão sobre conhecimento agrotecnológico, com características nobres para aplicações de ponta. Os benefícios associados ao aproveitamento direto dos bambus enquanto recurso têm sido reconhecidos mundialmente por atores de diferentes segmentos produtivos, do extrativista e pequeno produtor rural à indústria avançada para aplicações agrotecnológicas, domésticas (utilitárias e mobiliárias), na construção civil, na indústria farmacêutica, cosmética, do papel e celulose, bioenergia e biomateriais entre outros (KUSTERS et al., 2001; BYSTRIAKOVA et al., 2004; FAO, 2007; DIVER, 2010; SARMA et al. 2010; SATYA et al., 2010; INBAR, 2012; WBC IX, 2012; ROCKWELL et al., 2014; WBC X, 2015). No Brasil, as discussões formais sobre seu potencial produtivo foram divulgadas oficialmente em 2005 (PNF, 2005) e depois com o estabelecimento da Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e Cultivo do Bambu (PNMCB) pela Lei Federal n°12.484 em 2011 (BRASIL, 2011). Desde 2008, políticas e incentivos ao desenvolvimento do manejo e cultivo sustentável do bambu conferiram oportunidades às pesquisas e implementações visando a uma nova cadeia produtiva e os benefícios produtivo-econômicos dela derivados (e.g. BRASIL, 2011; CNPq, 2008, 2013a, b; MCTI, 2016, 2017). Pela atenção aos potenciais das formações nativas e vistas à sustentabilidade, a PNMCB pode direcionar e fomentar perspectivas diretamente voltadas à CDI.

Os bambus desempenham um papel cultural de importância para o desenvolvimento social, contribuindo para atender a necessidades econômicas, ecológicas e espirituais de muitas comunidades (JUDZIEWICZ et al., 1999). Também no Brasil, os bambus nativos possuem relações materiais e culturais a partir do uso em artesanatos, utilitários e mobiliários domésticos, construção e tecnologias sociais na agricultura e até na medicina por comunidades locais e tradicionais (e.g. ISA, 2005 apud ISA 2006; BONATTI, 2005; SCHMIDT, 2006; TOURNEAU & FIORINI, 2006; ONIMBOÉ ODJAPÓ, 2010; GAUDITANO, 2011; FRANÇA, 2011; POTY, 2011; G1 SUL DE MINAS, 2012; G1 SERGIPE, 2015; CENTRO DE REFERÊNCIA INDÍGENA, 2016). Essas comunidades possuem características e especificidades - responsáveis pela formação da grande sociodiversidade nacional - e a dependência dos bambus enquanto recurso demonstra

importância socioeconômica material e imaterial relativa e variável entre elas, aspecto aberto para ser aprofundado em futuras contribuições de pesquisa.

O conhecimento sobre os bambus nativos remanescem, sobretudo nos membros comunitários mais velhos (BONATTI, 2005; SCHMIDT, 2006; MAIA, 2011), e aparecem com relativa frequência como recurso direto em aplicações utilitárias em listagens

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