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Capítulo 2 – Bambus nativos como recurso para cadeias produtivas: espécies, ecossistemas e usos

III. a Atividades de produção

As atividades produtivas das iniciativas são mantidas com a obtenção de colmos de bambus lenhosos de forma primária em áreas de vegetação nativa dos biomas da Mata Atlântica ou Amazônia. Elas se dão pela obtenção direta por extração (levantamento nacional: n=7 iniciativas, dentre 11 do setor produtivo) e manejo93 (n=5), aparecendo de forma secundária o cultivo e/ou plantio (n=3). O manejo integra técnicas e acompanhamento das touceiras de forma continuada, diferindo da extração com corte irregular e pontual em touceiras não monitoradas. Relatos de extração predatória, observada e potencial triangulou no Acre, uma vez que os extrativistas são pagos por produção pela dificuldade do acesso e das condições do trabalho acabam coletando colmos jovens, inclusive brotos – ponto que será retomado. Um número reduzido de iniciativas apresentou atividades comerciais de produção, com plantios e vendas externas em operação (n=4) (Tabelas 2, 3; Apêndice 8). O mesmo padrão foi observado no Acre, com acréscimo da extração e comercialização também de mudas de tabocas gigantes florestais (Guadua spp.94), sob demanda variada.

Apenas no Acre, Goiás, São Paulo e Paraná foram identificadas produções de bambus nativos por extração em maior escala, envolvendo o transporte dos colmos por financeiros do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), segundo entrevistas realizadas em 2016 e validação em 2018. O Acre possui uma área territorial de 164.123km2 e detém centros de diversidade ou endemismo e fitofisionomias raras ou exclusivas. A importância do ponto de vista evolutivo e da conservação das espécies só pode aumentar nessa região, na medida da condução das pesquisas botânicas (DALY & SILVEIRA, 2009).

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94 Apontada em 2016 como Guadua superba, quando ainda não contava com identificação especializada. A

descrição como Guadua latifolia foi divulgada posteriormente às entrevistas do levantamento nacional a partir dos estudos conduzidos na Universidade de Brasília (UnB).

caminhões, com apropriação em volumes maiores e continuados para a comercialização. Essa extração ocorre a partir do contato com empresários do setor privado com extrativistas e pequenos produtores, e no Acre envolveram também a comercialização de mudas e esteiras trançadas. O volume comercializado no Acre variou entre os entrevistados, posto que as produções não foram controladas, sendo registrado o início da venda para São Paulo de quatro mil varas (12 mil metros) e 20 mil mudas da taboca-gigante em 201195. Parte deste aproveitamento, em específico, foi divulgado em canal de mídia, que mencionou a remoção de 25% dos colmos de bambus nativos da floresta amazônica para a comercialização a três mil quilômetros do local de origem (e.g. MAIS FLORESTA, 2014). Colmos e mudas extraídos da RECM, do Projeto de Assentamento Bandeirantes em Porto Acre e outras áreas acessíveis, foram utilizados em plantios pilotos e/ou comerciais dentro e fora do Estado e também para o desenvolvimento de protocolos de propagação vegetativa por órgãos públicos e privados. Os representantes entrevistados no levantamento nacional e no Acre desconhecem vendas de bambus nativos para o exterior.

As iniciativas que realizam o manejo comumente relataram recursos limitados para atender projetos maiores, pois essa forma de produzir é dispendiosa e trabalhosa, especialmente no primeiro ano, dada a necessidade da limpeza inicial das touceiras96. O corte dos colmos é realizado com serras de mão e o transporte da área produtiva ocorre de forma manual. No Acre, cinco entrevistados relataram o arraste dos colmos de taboca-gigante da mata e ramais utilizando veículo motorizado (motos) ou tração animal. Apenas uma iniciativa com atuação internível relatou o uso de maquinário para a colheita.

É importante destacar que as condições de infraestrutura e logística para a produção primária e escoamento da matéria prima são extremamente precárias no Acre devido a extensão e instabilidade dos solos de tabatinga e a forte influência sazonal, do “inverno amazônico” na estação chuvosa. A apropriação de diversos produtos da biodiversidade se torna complexa e morosa conforme o grau da dificuldade de acesso, o que prejudica sobremaneira: a organização e o estabelecimento de sistemas produtivos, seja a partir da vegetação nativa ou de áreas de plantio; o transporte terrestre, sobretudo para cargas

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Que contou com firma de contrato entre produtor-extrativista intermediado pela Associação de Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes em Brasiléia e Epitaciolândia (AMOPREBE) para a venda à empresa paulista, com anuência do gestor do ICMBio na época.

96Segundo entrevistados, a “limpeza inicial das touceiras” requer intenso trabalho manual, ficando mais fácil

gradualmente, a cada manejo dos colmos. Algumas iniciativas produtivas mencionaram que a extração e o manejo envolvendo esta limpeza são requisitados por proprietários em troca dos colmos coletados.

maiores, sendo inviável a entrada de caminhões em muitas localidades; e até mesmo para a organização básica dos moradores-produtores a fim de realizar atividades produtivas da forma coletiva necessária para o ganho de escala ainda que para uma cadeia produtiva local.

O cultivo de bambus nativos ocorre em poucas iniciativas (n=8, dentre as 45 iniciativas entrevistadas no levantamento nacional e no Acre, considerando áreas piloto) e são geralmente estabelecidos pelo plantio de mudas obtidas por propagação vegetativa simples de colmos ou rizomas de uma touceira matriz. Apenas no Acre foi identificada a extração de mudas jovens, germinadas de sementes para transplantios. Uma das iniciativas com plantio consolidado utiliza área privada própria, e de parceiros e associados, em sistemas de plantio comercial de sete espécies de bambus nativos e exóticos, e também em sistemas agroflorestais (SAFs) envolvendo duas nativas (Guadua chacoensis de Mata Atlântica e Guadua latifolia ou G. superba da Amazônia). A realização de testes de manejo e cultivo de forma independente foi mencionada, envolvendo a extração de propágulos em floresta primária, “de muitas matrizes” para a avaliação do manejo e da resistência de transplante em outros ambientes (Nacional: n=2; AC: n=4). O cultivo em plantios comerciais em áreas de dois até 50 hectares foram mencionados em SP, PR e AC, em diferentes fases de implementação. Chamando atenção à necessidade de rigor técnico e uso adequado dos conceitos, um entrevistado relatou que utiliza três espécies de bambus, maior parte exótica, em “SAF [em que] mistura pouco: de 100 [mudas exóticas] põe cinco [de nativas], para não ser monocultura”, reforçando ainda que tais modelos produtivos conferirão base ao “maior agronegócio do mundo (...) [defendido como] infalível para ganhar dinheiro”97. O cultivo e o plantio de bambus nativos são de interesse manifesto inclusive em iniciativas em operação na produção de espécies exóticas98.

Foram identificadas 25 iniciativas produtivas do levantamento nacional amplo que mantêm ações de cultivo e coleção ex situ nos estados do AC, SP, PR e RS. Dessas, apenas três atuam no mercado, realizando beneficiamento e vendas de mudas; outras mantêm coleções botânicas para atender à pesquisa ou se encontram em fases de concepção para a produção de mudas (n=9, dentre as 222 iniciativas confirmadas do levantamento nacional).

97 Monoculturas de bambu, de facto, apontadas como “agroflorestas” ou “florestas” foram observadas em canais

de mídia e eventos da área.

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Uma iniciativa com atuação intersetorial com plantio comercial de Dendrocalamus sp. pretende produzir mudas de espécies nativas por serem adequadas para atender às demandas de reflorestamento de áreas de proteção permanente (APPs) para controle de erosão e recuperação em geral. O representante de outra iniciativa que implantou extensos plantios de Guadua angustifolia, em 2015, lamentou que, se tivessem conhecimento e mudas disponíveis, poderiam ter utilizado espécies nativas – o que estaria mais alinhado com a proposta da organização para a sustentabilidade: “Com nativo, com o que é nosso, seria melhor ainda!”, como relatado.

Mesmo no levantamento das coleções botânicas institucionalizadas no Brasil, informações sobre a conservação ex situ de bambus nativos não se encontravam disponíveis nos sítios eletrônicos (ex. Jardim Botânico do RJ; IBT-SP; Instituto Cultural Inhotim). São raras as iniciativas entrevistadas, incluindo as de PD&I, que mantêm espécies nativas em coleções (n=4, de 22 iniciativas do levantamento nacional; n=2 acreanas), sendo que apenas duas identificaram as espécies, como desejável à ação para a conservação99. A falta de iniciativas voltadas à conservação de bambus ameaçados reforça a importância das ações do IBT-SP e de membros da Rede Bambu Goiás que, ainda que descontinuadamente, pesquisam a conservação in situ e ex situ de espécies da Mata Atlântica e Cerrado.

Poucas iniciativas, exclusivas do setor de PD&I, atuam com bambus herbáceos (Olyreae), não sendo identificado o cultivo e a coleção por nenhuma das iniciativas produtivas entrevistadas100.

Dados sobre produtividade não foram compartilhados pelos entrevistados em razão de ausência de monitoramento, informações técnicas secundárias ou fases iniciais de implementação, ou são de detenção dos órgãos de PD&I, como visto principalmente no Acre. As informações técnicas de produção foram mencionadas como disponíveis apenas para espécies exóticas101. A necessidade do detalhamento da produtividade simulando, em especial, diferentes técnicas produtivas, foi muito enfatizada pelos entrevistados. No setor produtivo houve menções sobre a inclusão e plantio de bambus notadamente para a proteção de beira de rios, topos de morros e áreas de declive para conter erosão, porém sem reflexões críticas, tratando “bambus” sem discriminar espécies, origens e relações ecológicas que

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Contudo, um destes entrevistados, representante de iniciativa produtiva e da área biológica, reconheceu a necessidade de investir na identificação das espécies, no entanto, apontou que buscaria para essa tarefa um profissional do ramo que não é taxonomista - reforçando as problemáticas para a CDI.

100 O único relato do setor produtivo foi sobre doação de muda para coleção científica do Instituto Agronômico

de Campinas (IAC/SP), já que não há interesse comercial.

101 Apenas uma das iniciativas de PD&I compartilhou dados sobre a alta produtividade dos bambus tropicais do

gênero Guadua, aos quais atribuiu maior espessura das paredes dos colmos, como referência geral na falta de estudos sobre as espécies brasileiras. Um entrevistado do setor produtivo, inclusive, relatou que apenas o grupo industrial que atua no nordeste tem dados de produção e funcionamento formal sobre bambus no país. O período da incipiente transição do aproveitamento dos bambus a uma condição mais formal justifica, ao menos em parte, a contradição incidente sobre a falta de compromissos firmados com comunidades detentoras do recurso e informações sobre a produtividade quando se relatam relações de mercado, inclusive de forma avançada já abastecendo mercados e fornecendo mudas para plantios comerciais externos. O Acre já é considerado um caso nacional de aproveitamento econômico de bambus nativos por contar com estação de tratamento instalada e valor reconhecido pelo governo e agências internacionais, onde uma carreta carregada a partir de dois hectares de bambu renderam 36 mil reais a um agente de mercado em 2015. O aproveitamento econômico de grande proporção foi relatado também no Vale do Ribeira/SP, onde quatro carretas de bambus nativos (possivelmente Chusquea), retirados de oito hectares, levam ao faturamento de 120 mil reais por ano.

desempenhem. Não foram notadas maiores preocupações ou existência de procedimentos de monitoramento pelo uso de espécies invasoras ou potencialmente dominantes.

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