• Nenhum resultado encontrado

Para além dos avanços que tiveram lugar a nível internacional, também no plano nacional se constrói a história dos direitos sexuais.

Em Portugal, a questão dos direitos sexuais tem um trajecto irregular e pautado pela “colagem” aos direitos reprodutivos. Não obstante esta eventual “apoderação” do sexual por parte do reprodutivo – facto frequentemente impulsionado pela ajuda institucional –, o papel desempenhado pela ASSOCIAÇÃO PARA O PLANEAMENTO DA

FAMÍLIA (APF) em Portugal, é fundamental quando se fala de sexualidade234.

No âmbito do designado “Plano para uma Política Global de Família”, espelhado na Resolução n.º 7/99 do Conselho de Ministros datada de 1999, era objectivo do Estado Português “promover o conhecimento público dos direitos sexuais e reprodutivos”, “publicar a Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos”, e ainda,

“promover a reflexão e discussão na sociedade, assim como a organização de debates sobre direitos sexuais e reprodutivos com base na referida Carta”235.

Uma versão portuguesa da Carta acabou por ser publicada em 1999, pela Secção das Organizações Não Governamentais do Conselho Consultivo da COMISSÃO PARA A

IGUALDADE E DIREITOS DAS MULHERES. Traduzida pela APF, esta carta é uma versão reduzida da “Carta de Direitos Sexuais e Reprodutivos” aprovada no Conselho Central e na Assembleia Geral da INTERNACIONAL PLANNED PARENTHOOD FEDERATION (IPPF) em

234 A ASSOCIAÇÃO PARA O PLANEAMENTO DA FAMÍLIA (APF) é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), fundada em 1967, que tem como objectivos fundamentais a Promoção da Saúde, Educação e Direitos nas áreas da Sexualidade e Planeamento Familiar. A APF é federada na INTERNACIONAL PLANNED PARENTHOOD

FEDERATION (IPPF), a maior agência internacional de Planeamento Familiar de âmbito não governamental, e a segunda maior agência de voluntariado a nível mundial. A APF promove cursos e acções de formação em variados temas e apoia escolas, organismos de saúde e juventude e os profissionais destas áreas de intervenção, para o desenvolvimento de actividades e projectos educativos em temas ligados à sexualidade e ao planeamento familiar. Este apoio pode ser dado quer no fornecimento de materiais educativos, quer em orientação técnica e documental, quer ainda na colaboração em actividades concretas dirigidas a jovens ou adultos.

A APF desenvolve a sua actividade através de 7 Delegações Regionais – Açores, Alentejo, Algarve, Centro, Lisboa, Madeira e Norte –, bem como através dos seus serviços centrais. As equipas de trabalho da APF são constituídas por pessoas (voluntárias ou profissionais) de variadas áreas de formação (Saúde, Educação, e Ciências Humanas). Por iniciativa do Ex- Presidente da República, Dr. JORGE SAMPAIO, a APF foi agraciada com a condecoração de Ordem de Mérito por serviços prestados ao país, em cerimónia realizada no Centro Cultural de Belém, no dia 5 de Outubro de 1998. Vid., na matéria, http://www.apf.pt/apf.htm.

235 Vid, na matéria, Resolução n.º 7/99 do Conselho de Ministros, que aprova o “Plano para uma Política Global da Família”, publicada no Diário da República, nº 33, Série I, Parte B, de 09/02/1999, disponível em http://www.familiaesociedade.org/violenciadomestica/

legislacao/resolucao7-99.htm.

1995, tendo como objectivo fundamental a promoção dos direitos e liberdades sexuais e reprodutivos em todos os sistemas políticos, económicos e culturais236.

A Carta é composta por doze direitos, a saber: o direito à vida; o direito à liberdade e segurança da pessoa; o direito à igualdade e o direito a estar livre de todas as formas de discriminação; o direito à privacidade, o direito à liberdade de pensamento; o direito à informação e educação; o direito de escolher casar ou não, e de constituir e planear família; o direito de decidir ter ou não filhos e quando os ter, o direito aos cuidados e à protecção da saúde; o direito a aceder aos benefícios do progresso científico; o direito à liberdade dereunião e participação política; e o direito a não ser submetido nem a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante.

Impõe-se uma chamada de atenção para o terceiro direito da referida Carta, referente ao direito à igualdade e ao direito a estar livre de todas as formas de discriminação, onde podemos ler que “Ninguém deve ser discriminado, no âmbito da sua vida sexual e reprodutiva, no acesso aos cuidados e/ou serviços. Todas as pessoas têm direito à igualdade no acesso à educação e informação de forma a preservar a sua saúde e bem-estar, incluído o acesso à informação, aconselhamento e serviços relativos à sua saúde e direitos sexuais e reprodutivos. Nenhuma pessoa deve ser discriminada no seu acesso à informação, cuidados de saúde, ou serviços relacionados com as suas necessidades de saúde e direitos sexuais e reprodutivos ao longo da sua vida, por razões de idade, orientação sexual, deficiência física ou mental.”.

Outro aspecto inseparável, quando se fala de direitos sexuais, prende-se com o debate sempre aceso em torno da Educação Sexual. A Educação Sexual é provavelmente o tema político e socialmente mais debatido na esfera dos direitos sexuais. A este propósito, as reivindicações do movimento LGBT português, desde cedo assumiram, como se verá a seguir, a bandeira da educação sexual em torno da regulamentação da Lei n.º 3/84 de 24 de Março, sobre “Educação Sexual e Planeamento Familiar”237.

236 Vid, na matéria, INTERNATIONAL PLANNED PARENTHOOD FEDERATION (1996), IPPF

Charter on Sexual and Reproduction Rights, Londres: International Planned Parenthood Federation, disponível em http://www.ippf.org /NR/rdonlyres/6C9013D5-5AD7-442A-A435-4C219E689F07/0/ charter.pdf.

237 Cf. com a Lei n.º 3/84 de 24 de Março de 1984, sobre “Educação Sexual e Planeamento Familiar”, publicada no Diário da República, I série-A, n.º 71, pp. 981-983, disponível na web em http://www.apf.pt/leis/lei01.htm. Para aprofundamento da temática da Educação Sexual no nosso país, e numa perspectiva histórica, aconselha-se a leitura de VILAR, Duarte (2002), “Contributos para a História da Educação Sexual em Portugal”, in Os Afectos e a

Mas somente em 1995, onze anos após a aprovação da lei, foi decidida a realização de um projecto experimental em cinco escolas do país, designado por

“Educação Sexual e dos Afectos”. Contudo dois anos depois da implementação do projecto-piloto em 1997, um inquérito realizado pela DIRECÇÃO GERAL DE SAÚDE a 108 professores dos ensinos básico e secundário que ministravam a referida disciplina -

“Educação Sexual e dos Afectos”-, dava conta das dificuldades na abordagem a diversas questões relacionadas com a sexualidade no contexto escolar. Assim, 44% dos inquiridos sentiam-se embaraçados ao falar de masturbação, seguidos de perto pelos 32% que não gostavam de abordar a homossexualidade nas aulas238.

Conscientes de que o plano da sexualidade é fundamental para uma cidadania plena, e de que o papel da educação é fundamental nesta questão para uma nova cidadania, a Educação Sexual também é “bandeira” das associações LGBT

portuguesas239.

Sexualidade no Pré-escolar, (Marques, António Manuel; Vilar, Duarte e Fonseca, Fátima, Coord.), Lisboa: Texto Editora, pp. 15-23.

238 Vid., na matéria, PEREIRA, Mónica (1997), “Vamos Falar de Sexo?”, in Revista Visão de 08/05/1997, p. 76.

239 A educação sexual é de facto uma das mais antigas preocupações da comunidade LGBT portuguesa, como nos dá conta o primeiro “Manifesto do Movimento de Acção Homossexual Revolucionária” de 1974, onde no seu ponto seis se pedia “às autoridades do povo português (…) a imposição de uma Educação Sexual que não discrimine as práticas homossexuais, em todas as escolas.”. Vid., na matéria, Manifesto: “Liberdade para as Minorias Sexuais”, in Diário de Lisboa, de 13 de Maio de 1974, disponível na web em http://www.opusgay.org/Tecnik/13-Maio-1974.pdf. Já na década de 90, o Manifesto de Fundação do GTH-PSR apresentava exigências similares: “Queremos uma escola que saiba educar sexualmente, que faça a distinção entre atracção e reprodução, entre sexo e cópula, entre afectividade e contratos legais. Queremos uma educação que eduque realmente, desenvolvendo o indivíduo pela resposta às suas potencialidades e não pela repressão dessas mesmas potencialidades. Queremos uma escola que questione as normas, em vez de as impor.”.

Vid., na matéria, GRUPO DE TRABALHO HOMOSSEXUAL (1991), Manifesto de Fundação do Grupo de Trabalho Homossexual do Partido Socialista Revolucionário, Lisboa: GTH/PSR. Mais recentemente, em 2002, no Manifesto “Reconhecer a Diversidade, Promover a Igualdade”, as associações LGBT portuguesas apelaram à aplicação efectiva da Lei n.º 120/99 de 11 de Agosto, que reforça as garantias ao direito à saúde reprodutiva, consagrando medidas específicas no âmbito da educação sexual. Uma chamada de atenção para o excelente trabalho de uma das associações LGBT no âmbito da Educação Sexual: a REDE EX AEQUO. A REDE EX AEQUO é uma associação nacional de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, entre os 16 e os 30 anos, fundada em Abril de 2003, com o intuito de trabalhar em prol da juventude LGBT em Portugal. A REDE EX AEQUO tem disponível uma equipa para organizar ou estar presente em debates sobre a temática da orientação sexual e/ou identidade de género. Esta equipa já correspondeu a uma série de convites de escolas, e o seu trabalho foi integrado no Projecto Educação LGBT iniciado em Janeiro de 2005, e desde aí, foi produzindo material sobre a juventude LGBT para professores e alunos. O “Projecto Educação LGBT” pode ser consultado na web em http://www.ex-aequo.web.pt/projectoeducacao.html. Este projecto, apoiado financeiramente pela Fundação Europeia da Juventude do Conselho da Europa no âmbito do

A este propósito e citando a Associação ILGA-PORTUGAL: “Para que os jovens sejam cidadãos responsáveis e informados é vital que os conteúdos do Decreto-Lei n.º 259/2000, de 17 de Outubro, que estabelece as condições de promoção da Educação Sexual nas Escolas, sejam aplicados. Porém também é imprescindível que o tema da Orientação Sexual seja abordado e que a lei estipule este requisito, tal como acontece em França e nos Países Baixos, não só para combater a homofobia, mas também esclarecer os jovens, especialmente os de orientação sexual diferente da heterossexual ou com dúvidas, por meio de informação correcta e científica.”.

Neste contexto, a educação sexual em meio escolar pode ser um contributo para a formação pessoal e social dos indivíduos, e para a promoção da saúde sexual e reprodutiva240. O problema de discriminação e perseguição dentro das escolas, e da discriminação contra pessoas LGBT em geral, resulta com frequência numa incidência Programa “Human Rights Education”, terminou em Setembro do mesmo ano e visava uma intervenção educacional, através da disseminação de informação sobre os temas da homossexualidade, bissexualidade e transgenderismo, entre professores e alunos do 7.º ao 12.º ano, formadores de professores estagiários, e alunos do Ensino Superior. Para aprofundar este assunto, ver alguma bibiliografia produzida pela própria REDE EX AEQUO, tal como MATIAS, Daniel e SILVA, Rita Paulos da (2005), Perguntas e Respostas sobre Orientação Sexual e Identidade de Género, Projecto Educação LGBT, Lisboa: Edição da REDE EX AEQUO, pp. 1-7;

SILVA, Rita Paulos da (Coord.) (2005), Educar para a Diversidade – Um Guia para Professores sobre Orientação Sexual e Identidade de Género, Projecto Educação LGBT, Lisboa: Edição da REDE EX AEQUO; e ainda, SILVA, Rita Paulos da e VIEGAS, Rui (Coord.) (2005), Sermos Nós Próprios – Brochura Informativa da Rede Ex Aequo para Jovens Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneros ou Com Dúvidas, Lisboa: Edição REDE EX AEQUO. É também de referir que a REDE EX-AEQUO enviou em Setembro de 2006 à Ministra da Educação, o Relatório Anual do seu Observatório de Educação LGBT, dia em que a referida associação participou no Fórum da Educação para a Cidadania para o qual foi convidada, iniciativa do próprio Ministério da Educação e da Presidência de Conselho de Ministros. O Relatório de 2006 apresenta os resultados de 20 formulários a reportar casos de homofobia e de transfobia, recebidos entre Fevereiro e Setembro de 2006, de jovens dos 16 aos 28 anos, na sua maioria alunos, mas também de professores e funcionários. O referido relatório pode ser encontrado na web em http://www.ex-aequo.web.pt/arquivo/ observatorio/OE2006.pdf. É de salientar que os resultados deste relatório são coerentes com os apresentados no relatório “A Exclusão Social da Juventude LGBT na Europa” da IGLYO/ILGA-EUROPA, apresentado a 13 de Setembro de 2006 ao Parlamento Europeu, estudo para o qual a REDE EX-AEQUO, assim como muitos dos seus membros e associados contribuíram. Vid., na matéria, TAKÁCS, Judit (2006), Social Exclusion of Young Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender People in Europe, Bruxelas: Edição da Ilga-Europe/IGLYO. Existe também um projecto a nível europeu sobre esta matéria: o “GLEE

PROJECT – Gay, Lesbian, Bissexual, Transgender Educational Equity”. O Projecto GLEE

consiste numa rede interactiva de formação de professores, desenvolvimento curricular e consequente trabalho de pesquisa no combate à homofobia e heterossexismo. O projecto é financiado pela Comissão Europeia, como parte do Programa Sócrates Comenius para a educação escolar. Para mais informações ver a página http://glee.oulu.fi/glee_portuguees.html.

240 Vid., na matéria, MARQUES, A. M. e PRAZERES, V. (2000), Educação Sexual em Meio Escolar – Linhas Orientadoras, Lisboa: Ministério da Educação e Ministério da Saúde, p.

15.

significativamente maior de depressões, ideação e tentativas de suicídio, e insucesso escolar nestes jovens, em consequência directa da discriminação por si vivida.

A escola deve ser o espaço primordial de aprendizagem para a cidadania, para o respeito pelos direitos humanos e para uma educação inclusiva e não discriminatória. É necessário uma boa aplicação da Lei da Educação Sexual e, que a escola seja inclusiva, contemplando obrigatoriamente a referência a questões de orientação sexual e identidade de género, e realize uma abordagem positiva à existência de jovens cuja orientação sexual é minoritária.

Outra questão a ter em consideração quando falamos de direitos sexuais e reprodutivos em Portugal, inclina-se para o recente debate em torno da lei sobre Procriação Medicamente Assistida (PMA), promulgada pelo Presidente da República Dr.

CAVACO SILVA, e que veio acabar com um vazio legal de 20 anos. É de referir que até há relativamente pouco tempo, relativamente à procriação medicamente assistida, a lei era omissa241.

A este propósito, SANTOS refere que cada processo é manifestamente influenciado pelo parecer técnico do CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA (CNECV), para o qual as reivindicações dos casais homossexuais não são aceitáveis. Disso mesmo nos dá conta o parecer elaborado por este órgão em 1993, aquando do projecto-lei sobre reprodução medicamente assistida242.

Podíamos ler no capítulo 3, intitulado “Conclusões gerais”, alínea a), ponto iii) desse Relatório-parecer que “O princípio da não instrumentalização da pessoa humana aplicado à utilização das técnicas de RMA leva-nos, assim, a concluir que essas técnicas devem aplicar-se exclusivamente a casais heterossexuais com garantias de estabilidade (legalmente constituídos ou não) e de condições adequadas para o completo e harmónico desenvolvimento do nascituro, ficando excluídas as situações em que ele viesse a ter só mãe ou só pai, quer por inseminação post mortem, quer por procriação

241 Recuemos um pouco no tempo para contextualizarmos esta questão. Embora o Parlamento tenha aprovado a 17 de Junho de 1999, um decreto que limitava o acesso a tais técnicas, apenas a casais heterossexuais e casados, tal acabou por não ser promulgado pelo Presidente da República de então, DR. JORGE SAMPAIO, que invocou como razão primordial para o mesmo, a constatação que fez da insuficiência de debate público sobre esta matéria durante o processo legislativo. Vid., na matéria, AGÊNCIA LUSA (2006a), Ex-Presidente Jorge Sampaio Vetou Lei da Procriação Assistida Há Sete Anos, disponível na web em http://www.rtp.pt/index.php?article=249050&visual=16.

242 Vid., na matéria, SANTOS, Ana Cristina (2004), p. 163.

de uma mulher isolada (sem ligação, nem de direito nem de facto, a um homem) ou de um homem isolado (por recurso a mãe de substituição)”243.

Novamente em 2004, o CNECV reafirmou a sua posição nesta matéria. Assim, na leitura do Relatório sobre PMA afirmava-se no ponto 3.5.2., integrado no capítulo 3.5 intitulado “As condições de acesso às técnicas de procriação medicamente assistida”, que “Também tendo em conta os melhores interesses da criança que venha, eventualmente, a nascer, tanto a legislação francesa, quanto a italiana exigem que os potenciais beneficiários das técnicas de procriação assistida constituam um casal heterossexual, que haja contraído casamento ou que viva em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos. É assim, proibido o acesso às técnicas laboratoriais de procriação por parte de um indivíduo que não integre, com outro, um casal, por casais homossexuais, ou por pessoas que não tenham entre si uma relação estável.

Visa-se evitar que o nascituro seja privado, logo à nascença, dos benefícios de que dispõem as crianças concebidas num meio familiar, comummente aceite como preferível para a sua socialização e educação.”244.

Também a ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE BIOÉTICA (APB) pronunciou-se sobre esta matéria, através do seu Relatório-parecer N.º P/03/APB/05. Nesse relatório questionava-se se as mulheres lésbicas também teriam direito a recorrer às técnicas de PMA: “No âmbito de um alegado direito a procriar e sabendo-se ser a generalidade das mulheres que recorre à inseminação com dador homossexuais, não constituirá a sua exclusão do grupo dos beneficiários destas técnicas uma discriminação injusta e como tal proibida pelo art. 13.º, n.º 2 da CRP? O acesso a estas técnicas por mulheres que não têm uma relação heterossexual estável é aliás permitido por várias leis europeias.”. Mais adiante nova referência, desta vez em relação aos possíveis beneficiários das técnicas de PMA: “é seguramente um dos aspectos mais controversos do debate em torno da Procriação Medicamente Assistida e que carece, no parecer da APB, de uma reflexão social mais aprofundada.”245.

243 Vid., na matéria, CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA

(1993), Relatório-parecer N.º 3/CNECV/1993 sobre Procriação Medicamente Assistida, in Documentação do CNECV, vol. 1, 1991-1993, Presidência do Conselho de Ministros, Lisboa:

Edição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, p. 85.

244 Vid., na matéria, CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA

(2004), Relatório sobre Procriação Medicamente Assistida, Relatores: Agostinho de Almeida Santos, Michel Renaud, Rita Amaral Cabral, in Documentação 9, Lisboa: Edição da Presidência do Conselho de Ministros, p. 128.

245 Cf. com os pontos 6.º e 7.º, relativos aos Beneficiários da PMA, do Relatório/Parecer N.º P/03/APB/05, da ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE BIOÉTICA, sobre Procriação Medicamente

De facto, esse direito é extensivo a outras cidadãs europeias, pois são muitos os países europeus em que a PMA está disponível para casais de lésbicas, incluindo a Dinamarca, a Holanda, a Finlândia, a Suécia, a Rússia, o Reino Unido, a Irlanda e a Espanha246.

Outra manifestação de reivindicação do direito de acesso à PMA por parte das mulheres lésbicas portuguesas, está patente num recente comunicado da Associação ILGA-PORTUGAL: “Estimando-se que haja meio milhão de mulheres lésbicas em Portugal, muitas das quais vivem em relações estáveis, é chocante que nenhum dos actuais projectos considere o desejo de reprodução de muitas destas mulheres, desejo este tão legítimo como o de qualquer mulher heterossexual.”247.

Assistida, disponível em NUNES, Rui e MELO, Helena (2005), “Relatório/Parecer N.º P/03/APB/05 sobre Procriação Medicamente Assistida”, in Desafios à Sexualidade Humana, (Nunes, Rui e Rego, Guilhermina, Coord. , 2006), Coimbra: Gráfica de Coimbra, p. 170.

246 Vid., na matéria, por exemplo, o art. 6.º da Lei espanhola n.º 35/1988 de 22 de Novembro, sobre Técnicas de Reprodução Assistida. Sobre esta matéria, ver também BREWAEYS, Anne (2000), “Lesbian Couples in DI Practice”, in The Regulation of Assisted Reproductive Technology (Gunning, Jennifer and Szoke, Helen, Ed.), Aldershot: Ashgate, pp.

141-150.

247 Vid., na matéria, ILGA-PORTUGAL (2006a), “Lésbicas Querem Igualdade no Acesso à Procriação Medicamente Assistida”, Comunicado de Imprensa de 31/01/2006, disponível na web em http://ilga-portugal.oninet.pt/noticias/20060131.htm. A matéria sobre PMA já havia sido abordada anteriormente por várias associações LGBT, como por exemplo, durante a Marcha Nacional do Orgulho Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero realizada no ano de 2004. A esse propósito, CÉU NEVES salientou que “As lésbicas, gays e bissexuais não permitirão a adopção de uma lei de Procriação Medicamente Assistida que os exclua, isto porque defendem que têm direito a ter filhos, ao casamento e uniões de facto e a não serem discriminados. No dia 26 de Junho de 2004 marcharam por estas reivindicações e sob o lema: Pela diversidade, contra a discriminação, também somos Europa.”. Vid., na matéria, NEVES, Céu (2004), “Lésbicas Querem Reprodução Assistida”, in Diário de Notícias de 18/06/2004, disponível na web em http://portugalpride.org/press/doc2004_07.asp. Mais recentemente, aquando da Marcha Nacional do Orgulho Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero no ano de 2006, constatou-se novamente a reivindicação sobre o direito de acesso à PMA por parte das mulheres lésbicas portuguesas. Assim, uma das exigências do Manifesto LGBT versava que “A adopção e a procriação medicamente assistida não deviam estar vedadas a casais homossexuais. Além da discriminação, é uma irresponsabilidade do Estado perante as crianças que estão à espera de ser adoptadas.”. Vid., na matéria, MORAIS SANTOS, Sónia (2006), “Lésbicas Contornam a Lei e Inseminam-se em Casa”, in Diário de Notícias, de 25 de Junho de 2006, p. 4. Sobre esta matéria, ver também as afirmações de FABÍOLA CARDOSO da Associação Lésbica – CLUBE

SAFO, onde podemos observar que até ao momento em Portugal, o acesso a técnicas de PMA é complicado para uma mulher que não esteja num casal heterossexual: “Teoricamente não é impossível fazer-se uma inseminação artificial porque a lei não o proíbe, mas o Código Deontológico da Ordem dos Médicos ameaça com processos disciplinares, se estes o fizerem.

As técnicas de RMA são encaradas como um tratamento para resolver a infertilidade do casal, casal heterossexual. – Trata-se de um direito reprodutivo da mulher. Enquanto a legislação espanhola é muito clara e considera como um direito da mulher, sem pareja masculina o acesso à inseminação artificial”. Vid., na matéria, CARDOSO, Fabíola (2004), “Inseminação

Mas finalmente a lei sobre PMA veio acabar com um vazio legal de 20 anos. De facto, é a primeira vez que se legisla desde que nasceu o primeiro bebé-proveta em Portugal, uma vez que o Decreto-Lei de 1986 não chegou a ser regulamentado248.

A lei sobre PMA foi aprovada em 25 de Maio de 2006, pelo PS, PCP e BE, mais oito votos favoráveis (e 21 abstenções) do PSD e a oposição do CDS/PP. É de frisar que a lei abrange apenas casais de sexo diferente, maiores de 18 anos, e contempla técnicas, como a doação de espermatozóides, ovócitos e embriões de dadores anónimos. As pessoas sós não terão acesso a estas técnicas, algo que mereceu o protesto do BE e do PS, por considerarem esta negação discriminatória249.

Depois das críticas do CDS e da distância incómoda revelada pelo PSD, surgiram as críticas por parte da IGREJA CATÓLICA. O porta-voz da CEP recomendou aos cristãos que não cumpram todos os aspectos da lei sobre a PMA, já promulgada pelo Presidente da República. Com esta orientação, a hierarquia episcopal distancia-se da posição assumida por CAVACO SILVA. “Cada órgão de soberania exerce a sua acção e os cristãos terão de se adaptar à realidade legislativa sem se socorrer daquilo que vai contra a realidade humana”, afirmou o porta-voz da CEP,D.CARLOS AZEVEDO250.

Mas foi a 16 de Novembro de 2006, que a CEP publicou um documento destinado a “dar orientações aos cristãos do ponto de vista ético e moral”. Este documento, segundo o referido bispo, permitirá que os católicos “não recorram a todas as liberdades que a lei permite”, designadamente as que “vão contra a liberdade Artificial Caseira – ou Como Ser Lésbica e Engravidar”, in Zona Livre – Boletim Lésbico, n.º 41, pp. 5-6, Lisboa: Edição do Clube Safo.

248 Vid, na matéria, Lei da Assembleia da República que Regula a Utilização de Técnicas de Procriação Medicamente Assistida, Lei n.º 32/2006 de 26 de Julho, p. 5245.

Publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 143, pp. 5245-5250. Podemos constatar no ponto 1, do art.º 6.º (“Beneficiários”) da referida lei que “Só as pessoas casadas que não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de facto ou as que, sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos podem recorrer a técnicas de PMA.”. Ainda, no ponto 2 do referido artigo podemos ler que “As técnicas só podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica.”.

249 Vid., na matéria, CÂNCIO, Fernanda (2006b), “Lei de Procriação Assistida Aprovada Excluiu as Mulheres Sós e Infertéis”, in Diário de Notícias de 24 de Maio, disponível na web em http://dn.sapo.pt/2006/05/24/sociedade/lei_procriação_assistida_aprovada_ex.html. Sobre esta matéria, ver também, “Lei da PMA Aprovada Com Recomendações”, in Jornal Semanário, de 14 de Julho de 2006, disponível na web em http://www.semanario.pt/print.php?ID=2921, e ainda, SÁ LOPES, Ana e FRANCISCO, Susete (2006), “Cavaco Não Quis Fiscalizar a Constitucionalidade”, in Diário de Notícias de 5 de Julho, disponível na web em http://dn.sapo.pt/2006/07/05/nacional/cavaco_quis_fiscalizar_a_constitucio.html.

250 Vid, na matéria, CORREIA, Pedro (2006), “Igreja Defende Boicote à Lei que Cavaco Promulgou”, in Diário de Notícias de 13 de Julho, disponível na web em http://dn.sapo.pt/2006/07/13/nacional/igreja_defende_boicote_a_que_cavaco.html.