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“Época triste é a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo.”

ALBERT EINSTEIN

De acordo com o sexólogo português JÚLIO MACHADO VAZ, a palavra sexualidade “é uma invenção do século XIX que constituiu-se sempre em ecrã privilegiado, onde se projectavam as inflexões culturais das sociedades.”403.

Também para GIDDENS a “sexualidade” foi descoberta, exposta e tornada acessível ao desenvolvimento de diferentes estilos de vida. Para este Autor a sexualidade “é algo que cada um de nós tem ou cultiva e deixou de ser uma condição natural adquirida.”404. Acrescenta ainda que “De alguma maneira, e de uma forma que tem de ser pesquisada, a sexualidade funciona como elemento maleável do self, um ponto de ligação essencial entre corpo, auto-identidade e normas sociais.”.

Ainda como salienta FOUCAULT, nas nossas sociedades passamos a acreditar que a sexualidade possui uma forte capacidade de desvendamento daquilo que somos.

Sobretudo a história da sexualidade abre caminho para o conhecimento das razões porque somos o que somos, para o conhecimento dos fenómenos e relações de poder

402 Vid., na matéria, WHO (1948), WHO Constitution, New York: Edição WHO,pp.1-3.

403Vid., na matéria, MACHADO VAZ, Júlio (2000), “A Sexualidade na Civilização Ocidental”, in A Sexualidade na Civilização Ocidental, Actas do VII Cursos Internacionais de Verão de Cascais, Cascais: Edição da Câmara Municipal de Cascais, vol. 1, pp. 9-10.

404 Vid., na matéria, GIDDENS, Anthony (1992), Transformações da Intimidade – Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades Modernas, 2.ª Edição, tradução de Rosa Maria Perez do original de 1992, Oeiras: Celta Editora, p. 11.

que se constituem nas sociedades, dos seus limites, das suas formas de intervenção, do modo como os sentimos405.

GIDDENS e FOUCAULT são alguns dos autores que demonstram como a nossa sociedade se foi construindo desde a modernidade, como uma sociedade de alta reflexividade. Dessa forma, as suas principais características são o “carácter aberto da auto-identidade e a natureza reflexiva do corpo.”406. Isto significa que para os grupos que estão a lutar para se libertar de classificações preconceituosas e de identidades cristalizadas, a questão “quem sou eu?” toma uma importância fulcral. Serve sobretudo para contestar os estereótipos dominantes, pois quem questiona sobre a sua identidade está a questionar sobre o seu lugar no mundo e sobre o lugar dos outros. Essa é uma indagação que interessa ao movimento LGBT,visto que serve para discutir a questão da identidade sexual.

Como vimos anteriormente, historicamente a sexualidade tem sido condicionada por padrões morais mais ou menos arbitrários, suportados quer por determinações de carácter religioso, quer por argumentos médicos. De facto, se a religião pode ser considerada um elemento influenciador na regulação da sexualidade humana, a medicina não esteve de forma alguma, ausente desse mesmo processo de legitimação ou de rejeição sexual, ainda que a sua influência seja mais recente do que a religiosa.

Na verdade, em especial com a emergência do vitorianismo britânico no século XIX, os destinos da sexualidade tomaram outro rumo, uma vez que, tal como assinalou FOUCAULT, a pesada repressão sexual acabou por colocar o sexo no centro de uma atenção pública e privada sem precedentes407. Essa súbita efervescência da sexualidade traduziu-se por uma classificação médica detalhada de todos os desvios conhecidos, entre os quais se contavam a histeria, a ninfomania, a homossexualidade, a prostituição e a masturbação. Com o surgimento da Sexologia, as diversas orientações, as preferências e os desvios sexuais, que entretanto, foram sendo conhecidos, eram atribuídos a tendências do foro íntimo, que poderiam ser ajustadas, se sujeitas a uma terapia médica adequada. Foi nessa altura, nomeadamente em 1869, que o termo

“homossexual” foi cunhado pelo húngaro KAROLY MARIA BENKERT408.

405 Vid., na matéria, FOUCAULT, Michel (1994), História da Sexualidade I – A Vontade de Saber, traduzido do original francês de 1976, Lisboa: Relógio d´Água, pp. 79-119.

406 Vid., na matéria, GIDDENS, Anthony (1992), p. 41.

407 Vid., na matéria, FOUCAULT, Michel (1994), pp. 21-39.

408 Autor de um panfleto em 1869, onde pela primeira vez se refere o termo homossexual, e o conceito de homossexualismo. KAROLY MARIA KERTBENY que era advogado,

Entre os trabalhos hoje mais notórios, está o livro escrito em 1894 pelo austríaco KRAFFT-EBING, exemplo da nova perspectiva médica que buscava estudar as condições psicológicas e patológicas da vida erótica. Partia da premissa de que o desejo sexual era em si perigoso para a civilização, sempre beirando a patologia e a doença, uma força que se não fora controlada, ameaçaria a ordem social, sobre a qual a superioridade da cultura europeia se tinha estabelecido. Como a maior parte dos seus contemporâneos, a homossexualidade era para ele uma condição congénita. Mesmo assim, ele não deixava de considerar que existiam factores sociais ou circunstâncias específicas que poderiam conduzir as pessoas às “práticas desviantes”, mencionando especificamente que as mulheres poderiam ter motivos sociais para desejar a companhia dos homens409.

Mas foi o alemão KARL HEINRICH ULRICHS,autor de 12 livros de sexualidade escritos entre 1864 e 1879, cujo objectivo era provar a “naturalidade” das relações sexuais entre homens, a primeira pessoa a desenvolver uma teoria “científica” acerca da etiologia da homossexualidade, baseada na história, mitologia e fisiologia humana. Este Autor pensava que essa naturalidade se baseava numa inversão sexual “natural”: a existência de pessoas com corpos masculinos mas possuidores de um desejo sexual

“feminino”. A concepção dele era a mesma que caracteriza a grande parte do trabalho dos sexólogos da época: como para eles, a sexualidade não poderia ser pensada senão a partir do dimorfismo sexual (e a partir da polaridade de género), a homossexualidade tornava-se uma espécie de discordância entre subjectividade e corporalidade sexuais410.

A partir do século XIX, a homossexualidade foi inicialmente estudada dentro da medicina, em particular na psiquiatria, como um distúrbio patológico da personalidade, embora os médicos não soubessem quais as suas causas, ou se esta poderia ser “curada”.

No final do século XIX algumas personalidades importantes começaram a examinar a homossexualidade com os instrumentos disponíveis na altura: estudos de caso e protocolos clínicos com pacientes submetidos a psicanálise. Um dos prmeiros a conjecturar acerca da natureza da homossexualidade foi HAVELOCK ELLIS. Em 1897, ELLIS publicou a obra “Inversão Sexual”. “Inversão” foi um termo mais tarde adoptado publicou esse texto sob pseudónimo (DR.BENKERT), em que argumentava a anulação das leis anti-homossexuais da Prússia. O pseudónimo criou a convicção errada da origem médica do termo, equívoco só esclarecido nos anos 1980. Vid., na matéria, PITTA, Eduardo (2003), p. 19.

409 Vid., na matéria, BRISTOW, J. (1997), Sexuality, London: Routledge, pp. 32-33, e ainda, KRAFFT-EBING,R.VON (1894),Psychopathia Sexualis, Mit Besonderer Berücksichtigung der Conträren Sexualempfindung - Eine klinisch-forensische Studie, 9th Edition, Stuttgart:

Ferdinand Enke.

410 Vid., na matéria, BRISTOW, J. (1997), p. 24.

por SIGMUND FREUD para se referir aos homossexuais masculinos e femininos. Neste livro ELLIS reagiu às duras leis contra a homossexualidade na Grã-Bretanha, que encarava os direitos dos homossexuais masculinos como uma contravenção punível com dois anos de trabalhos forçados, e a sodomia um crime punível com prisão perpétua411.

Ainda em 1897 na Alemanha, foi constituída a primeira organização a favor da liberalização homossexual, denominada “Comité Científico e Humanitário”, esta foi fundada por MAGNUS HIRSCHFELD, médico judeu que dedicou grande parte da sua vida ao estudo da sexualidade humana. Entre a publicação da primeira edição do livro de ELLIS (1897) e a última (1915), outro estudo sobre a homossexualidade, realizado com seriedade, foi publicado em 1914 por HIRSCHFELD. Nesse estudo, ele explorou as causas, natureza e estilos de vida dos homossexuais na Alemanha.

Já em 1919, HIRSCHFELD fundou o primeiro “Instituto de Sexologia” e contribuiu para a criação da “World League for Sexual Reform”. Em 1932, viajou por todo o mundo numa tentativa de legitimar a nova ciência da “sexologia”, que resultou em grande parte, da integridade e diversidade da sua pesquisa. Mas em 1933 o trabalho de HIRSCHFELD foi destruído pelos nazis. Debaixo do regime nazi, os homossexuais foram enviados e marcados com um triângulo cor-de-rosa invertido, para campos de concentração, onde foram submetidos a cruéis experiências científicas e humilhações412.

Também a perspectiva de FREUD,no final do século XIX e início do século XX, representou um grande avanço em relação à sexologia da época vitoriana, já que abandonou o esquema da “inversão sexual” e mudou o enfoque da biologia para a cultura. Ele mesmo identificou, como “uma das óbvias injustiças da vida social”, o facto de a cultura exigir de todos um mesmo e único tipo de comportamento sexual.

Embora se possam identificar atitudes contraditórias de FREUD em relação à homossexualidade, a sua teoria ofereceu uma grande contribuição para o pensamento crítico, na medida em que afirmava que a heterossexualidade, tanto como a homossexualidade, requeria explicação, e que não poderia ser entendida simplesmente como o resultado “natural” dos imperativos de reprodução humana. Colocou a

411 Vid., na matéria, ELLIS, Havelock e SYMONDS, J. Addington, (1897), Sexual Inversion, London: Wilson & Macmillan, disponível emhttp://www.gutenberg.org/etext/13611.

412Vid., na matéria, HAEBERLE, Ervin J. (2005), “History of Sexology”, in Magnus Hirschfeld Archive for Sexology, disponível na web em http://www2.hu-berlin.de/sexology/

Entrance_Page/History_of_Sexology/history_of_sexology.htm. Para mais informações, consultar o site da MAGNUS HIRSCHFELD SOCIETY - Centre for Research on the History of Sexual Science - em http://www.hirschfeld.in-berlin.de/index.html.

bissexualidade “no centro do seu aparelho explicativo”, sugerindo que todo o ser humano é, num nível inconsciente, pré-disposto à bissexualidade, quer dizer, um “livre jogo” das possibilidades eróticas, que fora alvo das pressões e tabus culturais, não estaria atrelado à escolha de um parceiro ou objecto de género específico. Assim, a heterossexualidade aprendia-se, através de uma travessia edípica muitas vezes penosa413.

Também em Portugal, no início do século XX, EGAS MONIZ se debruçou sobre a questão da homossexualidade, que considerava anormal, associada à desonra e ao desprezo, e poderia resultar de uma miscelânea de factores hereditários, educacionais e sociais. EGAS MONIZ tinha as suas dúvidas quanto à possibilidade da homossexualidade ser uma doença, e por isso, ser alvo de tratamento médico. Em 1901 publica o seu livro

“A vida sexual”. O segundo volume intitulado “Patologia” tinha um capítulo sobre homossexualidade, em que eram citadas as teorias de alguns dos criadores da homossexualidade, como KRAFFT-EBBING, defendendo-se uma visão “científica” da homossexualidade, enquanto doença e perversão, que irá perdurar ao longo do século XX. O livro de EGAS MONIZ que foi sucessivamente reeditado, permaneceu como um livro de referência e de grande influência em Portugal, quer no meio médico, quer no meio jurídico414.

Já em pleno século XX, as investigações conduzidas por ALFRED KINSEY na década de 30 – das quais resultou a publicação dos conhecidos “Sexual Behavior in the Human Male” em 1948, e “Sexual Behavior in the Human Female” em 1953; os estudos de MASTER e JOHNSON – aos quais se reconhece a maior contribuição da Sexologia em prol da sexualidade da Mulher – e as teorias desenvolvidas por FREUD – que, ao relacionar factores psicológicos, psicossociais e sociais, afastam pela primeira vez o monopólio explicativo que a natureza detivera até então, para aproximar o sexo do social – constituem marcos incontornáveis na relação entre medicina e sexualidade.

413 Vid., na matéria, FREUD, Sigmund (1905), Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, tradução a partir da edição francesa de 1962, Lisboa: Livros do Brasil, pp. 25-45.

414 Vid., na matéria, EGAS MONIZ (1901), AVida Sexual – Patologia, vol. 2, Coimbra:

Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. O primeiro volume “Fisiologia” da obra

“A Vida Sexual” resultou da Tese de Doutoramento apresentada em 1901. Em 1902, EGAS

MONIZ realiza provas de concurso para lente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, com o trabalho A Vida Sexual - Patologia. Estes dois trabalhos vieram mais tarde a ser reunidos na sua obra A Vida Sexual (Fisiologia e Patologia), editada pela primeira vez em 1913, e que se tornou uma obra polémica e muito procurada, com 19 edições até 1933. Com o governo de SALAZAR (1889-1970), a sua aquisição só podia ser feita mediante receita médica.

Para mais informações consultar a página web http://museuegasmoniz.cm-estarreja.pt/.

Pela sua importância inequívoca vamos dar algum relevo ao estudo conduzido por ALFRED KINSEY e a sua equipa. Tratou-se de um estudo sócio-cultural de grande alcance, elaborado nos Estados Unidos em 1948, que esteve na origem da revolução sexual que se estendeu a todo o mundo, em diferentes etapas, movimentadas e controversas. Um estado de choque e de estupefacção geral, no mínimo, é o que pode afirmar-se, terem sido as consequências das revelações do “Relatório Kinsey”.

KINSEY e os seus colaboradores foram condenados pela opinião pública, pelas organizações religiosas e pelo próprio Congresso, que denunciou os trabalhos como imorais. Mas a verdade é que o relatório foi o primeiro detonador da revolução sexual, se se entender esta como a mudança radical na atitude individual e colectiva perante o sexo; objectivado primeiro na generalização da pílula anticoncepcional (a libertação das mulheres), segundo, na entrada na vida sexual em idades progressivamente mais baixas, e terceiro, na assumpção plena pelos homossexuais da sua diferença.

Com os seus dados, KINSEY pretendeu provar que o comportamento sexual real da esmagadora maioria dos americanos entrava em claro conflito com o que era, na época, considerada a “norma” sexual dos americanos a nível legal, moral e médico.

Neste estudo, a relação sexual conjugal – a única forma de comportamento sexual socialmente aceite – apenas representava metade do número de orgasmos que a esmagadora maioria dos homens tinha obtido ao longo das suas vidas. Mostrou que 90% dos homens se tinham masturbado, 85% tinham tido relações sexuais pré-conjugais, 30 a 40% relações extrapré-conjugais, 59% tinham tido práticas orais, 70%

frequentavam prostitutas, 37% tinham tido, pelo menos, um contacto homossexual, e que 17% dos rapazes a viver em zonas rurais, tinham tido contactos sexuais com animais.

Para KINSEY estes dados demonstravam as variações inerentes ao comportamento sexual humano. No entanto, os dados mais controversos, diziam respeito ao comportamento homossexual. KINSEY recusou a existência de um padrão que definisse um homossexual. Nunca utilizou esta palavra como um substantivo.

Referiu-se sempre a actos homossexuais e demonstrou que estes actos eram muito frequentes e variáveis415.

415 Vid., na matéria, ALLEN GOMES, Francisco (2004), pp. 102-103. Ver ainda, KINSEY, A. C. et al. (1948), The Sexual Behavior in the Human Male, Philadelphia: W. B. Saunders, e KINSEY, A. C. et al. (1953), The Sexual Behavior in the Human Female, Philadelphia: W. B.

Saunders. Para mais informações consultar página web http://www.indiana.edu/~kinsey/.

Assim, podemos dizer que com o desenvolvimento da ciência médica e da Sexologia em particular, a ciência ocupou de forma progressiva e segura, o lugar da religião no que se refere à determinação da normalidade e do desvio, com a correspondente substituição do velho “pecado”, pela então emergente “patologia”416.

Deste modo, nas palavras de FOUCAULT: “talvez a intervenção da igreja na sexualidade conjugal e sua recusa das fraudes à procriação tenham perdido, de há duzentos anos para cá, muita da sua insistência. Mas a medicina, essa entrou em força nos prazeres do casal: inventou toda uma patologia orgânica, classificou cuidadosamente todas as formas de prazeres anexos, chamou a si a sua gestão.”417.

Assim, no virar do século XX, na Europa e na América do Norte, o modelo biomédico foi usado para definir normalidade e desvios da norma, particularmente à volta de questões relacionadas com a sexualidade. Sabemos que a medicina e a ciência ocidental foram formadas na história da IGREJA CATÓLICA, e assim foram herdados e transportados para a medicina, conceitos moralmente aberrantes relativos a doenças corporais418. O comportamento e a atracção por pessoas do mesmo sexo, foi definido como uma doença e mesmo como o resultado de uma anomalia genética. Ser gay ou lésbica era considerado perigoso e contagioso, e muitas lésbicas e gays eram confinados em asilos psiquiátricos ou criminais.

Atravessando os séculos XIX e XX, deu-se o estabelecimento da teorização médica sobre a causa e exacta natureza da homossexualidade. Lésbicas e gays foram estudados e “tratados” por médicos, que visavam identificar a sua homossexualidade e

“curá-la”. Vários estudos, ditos “científicos”, foram baseados na altura em novelas populares, jornais, e através de entrevistas a presos, e a trabalhadores da “indústria do sexo”.

Também os médicos desenvolveram listas de características físicas para serem usadas, para detectar o lesbianismo (por exemplo: ombros largos, grande altura e músculos desenvolvidos), comportamentos que poderiam ser considerados não convencionais ou inapropriados ao género (envolvimento em trabalhos minuciosos, desportos, movimentos sociais e dedicação à profissão), eram também considerados

416 Vid., na matéria, SEGAL, L. (1997), “Sexualities”, in Identity and Difference – Culture, Media and Identities (Woodward, K., Org.), London: Sage Publications, pp. 183-238.

417 Vid., na matéria, FOUCAULT, M. (1994), pp. 44-45.

418 Vid., na matéria, STEVENS, Patrícia E. e HALL, Joanne M. (1991), “A Critical Historical Analysis of the Medical Construction of Lesbianism”, in International Journal of Health Services, vol. 21, n.º 2, pp. 291-307.

como parte dos critérios de diagnóstico de lesbianismo419. Estas definições sobre o lesbianismo, chamadas de “científicas” trabalharam conjuntamente com os estereótipos sociais, prejudicando e “demonizando” as mulheres lésbicas.

Este legado histórico influenciou as políticas e as práticas nos cuidados de saúde, e continua a dominar nas experiências das lésbicas e dos gays nos serviços de saúde. De facto, nas investigações baseadas nas experiências das mulheres lésbicas com profissionais de saúde, identificaram-se problemas que só as mulheres lésbicas enfrentam420. A questão mais fundamental reporta-se ao “coming out”, ou a revelação de uma identidade homossexual. No entanto, se for assumida honestamente, com respeito e confidencialidade, temos as bases para uma relação de confiança entre utente e profissional de saúde. Mas isto nem sempre é assim no caso das mulheres lésbicas e homens homossexuais, para quem a revelação da sua identidade homossexual poderá ter consequências negativas421.

Nos Estados Unidos da América um estudo junto de professores de enfermagem verificou que 25% dos participantes viam o lesbianismo como “imoral” e “errado”, e 52% acreditavam que as lésbicas deviam receber tratamento para serem “devolvidas” à heterossexualidade422. Estas atitudes não são deixadas do lado de fora, das instituições de saúde, afectando a qualidade dos cuidados que as mulheres lésbicas recebem.

Assim, a discriminação tem um sério impacto nos vários aspectos da interacção nos cuidados de saúde, desde o momento em que uma mulher decide aceder aos cuidados de saúde, até ao diagnóstico e tratamento pelo profissional de saúde. Um estudo recente da American Association of Physicians for Human Rights, concluiu que 67% dos profissionais de saúde sabendo antecipadamente que a orientação sexual dos doentes era gay, lésbica ou bissexual, recusaram cuidados de saúde ao utente, ou então estes receberam cuidados de qualidade inferior por causa da sua orientação sexual423.

419 Vid., na matéria, STEVENS, Patrícia E. e HALL, Joanne M. (1991), pp. 291-307.

420 Vid., na matéria, DENENBERG, Risa (1995), pp. 81-91; ROSSER, Sue (1992), pp. 183-203, e ainda, STEVENS, Patricia E. (1995), “Lesbians´ Health-related Experiences of Care and Noncare”, in Western Journal of Nursing Research, vol. 16, n.º 6, pp. 636-659.

421 Vid., na matéria, TAYLOR, Bridget (1999), “Coming Out As a Life Transition:

Homosexual Identity Formation and Its Implications for Health Care Practice”, in Journal of Advanced Nursing, vol. 30, n.º 2, pp. 520-525.

422 Vid., na matéria, RANKOW, Elizabeth J. (1995), “Lesbian Issues For the Primary Care Provider”, in Journal of Family Practice, vol. 40, n.º 5, pp. 486-493.

423 Vid., na matéria, RANKOW, Elizabeth (1995), pp. 486-493. Ver ainda, RÖNDAHL, G.

I.; INNALA, S. e CARLSSON, M. (2004a), “Nursing Staff and Nursing Students´s Emotions Towards Homosexual Patients and Their Wish to Refrain From Nursing, If the Option Existed, in Scandinavian Journal of Caring Sciences, vol. 18, n.º 1, pp. 19-26.

A presunção de que todas as mulheres se relacionam com homens, governa as políticas e as práticas dos cuidados de saúde, e entregam as mulheres lésbicas à invisibilidade. Esta invisibilidade afecta directamente a sua saúde e os cuidados que recebem. Para assegurar um adequado cuidado de saúde é necessário promover uma relação empática, para as lésbicas fazerem a revelação da sua identidade sexual ou das suas práticas sexuais. Mas após esta revelação poderá haver desgosto, medo, hostilidade, incompreensão, ou uma reacção semelhante a um desencorajamento por o ter revelado.

O medo de receber um tratamento homofóbico, significa que algumas lésbicas e alguns homossexuais passam por serem heterossexuais nos estabelecimentos de saúde, recebendo incompleta e incorrecta informação, esforçando-se para “camuflarem” a sua identidade homossexual. Este enigma cuidadosamente construído, muitas vezes resulta em diagnósticos errados e tratamento inapropriados, como também em desconforto e ansiedade para o utente LGBT. No esforço para escapar à negociação da sua identidade, muitas utentes LGBT simplesmente vivem evitando os cuidados de saúde.

Todavia as concepções sobre a homossexualidade têm vindo a alterar-se substancialmente nas últimas décadas, com a emergência de um discurso científico não estigmatizante, e uma considerável difusão de publicações que assumem uma perspectiva legitimadora da homossexualidade, como forma de expressão amorosa. Mas ainda não foi erradicada a homofobia, o heterossexismo, e o estigma, muito menos nos cuidados de saúde, como comprovam os exemplos que citaremos no próximo capítulo.