• Nenhum resultado encontrado

4.2 A H OMOFOBIA NOS C UIDADOS DE S AÚDE

4.2.1 A Homofobia nos Cuidados de Saúde – Alguns Factos Mundiais

na orientação sexual e na identidade de género, que se verificaram nos cuidados de saúde a nível mundial. Voltamos a fazer referência aos relatórios da AMNISTIA

INTERNACIONAL, para exemplificarmos que tais violações ocorreram e continuam a ocorrer quotidianamente no mundo inteiro431.

Ver também, numa perspectiva bioética, MONTOYA, Gabriel Jaime (2006), “Aproximación Bioética a las Terapias Reparativas – Tratamiento para el Cambio de la Orientación Homosexual”, in Acta Bioethica, vol. 12, n.º 2, pp. 199-210.

429 O diagnóstico de transexualismo (302.50) foi introduzido no DSM-III em 1980, para indivíduos com disforia de género que demonstravam ter interesse na conversão da sua anatomia sexual, e na transformação dos seus corpos e papéis sociais, durante pelo menos dois anos. Outras formas de disforia do género incluíam: a Perturbação da Identidade de Género da adolescência, a Perturbação da Identidade de Género Adulta Não Transexual ou a Perturbação da Identidade de Género Não Especificada. Em 1994, o comité do DSM-IV substituiu o diagnóstico de Transexualismo para Perturbação da Identidade de Género em adolescentes e adultos. Enquanto a definição médica de transexualismo que consta na ICD-10 é: “o desejo de viver e ser aceite como um membro do sexo oposto, geralmente acompanhado pelo desejo de tornar o corpo tão congruente quanto possível com o sexo que se deseja através de cirurgia e de tratamento hormonal.”. O ICD-10 tem cinco diagnósticos diferentes para a Perturbação da Identidade de Género: Transexualismo, Travestismo com Duplo Papel, Perturbação da Identidade de Género da Infância, Outras Perturbações da Identidade de Género e Perturbações da Identidade de Género Não Específica. Estas informações foram retiradas respectivamente do DSM-IV e da ICD-10.

430 É importante salientar que não há consenso nas tomadas de posição, por parte dos clínicos, e dos grupos e associações LGBT, relativamente ao sentido da patologização da transexualidade. Assim, o mesmo tipo de argumentação usado pelos grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, pode ser encontrado por parte dos que recusam que a transexualidade seja vista como uma doença.

431 Vid., na matéria, por exemplo, AMNISTIA INTERNACIONAL (1994), p. 23; AMNISTIA

INTERNACIONAL (2001), pp. 47-49, e ainda, AMNISTIA INTERNACIONAL (2004), p. 6.

A maioria dos casos prende-se com o tratamento “médico” forçado para mudar a orientação sexual das pessoas LGBT. Em alguns países, gays e lésbicas foram submetidos a tratamentos médicos compulsivos para mudança da sua orientação sexual.

Este tipo de abusos incluía descargas eléctricas e outras formas de “terapia de aversão”, ou ainda, o uso de medicamentos psicotrópicos. Em 1982, a AMNISTIA INTERNACIONAL

condenou os tratamentos “médicos” que se aplicavam a pessoas detidas, contra a sua vontade, com o fim de alterar a sua orientação sexual. A AMNISTIA INTERNACIONAL

recebeu informações de que existiam práticas deste tipo na antiga URSS e na China. A AMNISTIA INTERNACIONAL não pode corroborar essas informações na antiga URSS

devido à estrita censura da época soviética, e segundo activistas da antiga URSS, estes métodos já não se usam432.

Também foram denunciados casos de tortura e maus-tratos a gays, lésbicas, bissexuais e transgéneros, em várias instituições públicas, entre as quais destacamos as prisões e os hospitais. Actualmente, em algumas sociedades, a homossexualidade ainda é tratada como um transtorno médico ou psicológico, submetendo-se gays e lésbicas a experiências médicas, e a tratamento psiquiátrico forçado para “curá-la”.

Todavia a homossexualidade já não é crime na Rússia, que até há bem pouco tempo penalizava na lei ahomossexualidade masculina. Pelo contrário, o lesbianismo é considerado um transtorno mental que precisa de tratamento psiquiátrico. Segundo informações da AMNISTIA INTERNACIONAL, a polícia terá internado lésbicas em hospitais psiquiátricos, contra a vontade destas, somente por causa da sua orientação sexual, e também por vezes, a pedido de familiares ou amigos.

Para ilustrar este facto, vamos contar a história de uma cidadã russa. ALLA

PITCHERSKAIA, lésbica, denunciou que a polícia russa a havia acusado em várias ocasiões pelo delito de “vandalismo”, e a havia detido pelo facto da sua orientação sexual ser lésbica. Depois de estar detida, ameaçaram-na em interná-la numa instituição psiquiátrica se continuasse a trabalhar com uma organização de jovens lésbicas.

Também a pressionaram para que dissesse nomes de amigos gays e lésbicas, ao mesmo tempo que a golpeavam. Quando ALLA visitou a sua noiva, que estava internada numa

432 Vid., na matéria, AMNISTIA INTERNACIONAL (2001), pp. 47-49. Na China, onde a homossexualidade foi durante muitos anos assunto totalmente tabu, assistiu-se nos últimos anos a uma maior abertura às questões relativas à orientação sexual. Uma expressão desta mudança é a decisão da ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA CHINESA, que anunciou que a Terceira Divisão da Classificação Chinesa de Transtornos Mentais eliminaria a homossexualidade da sua lista de transtornos mentais, o que realmente acabou por acontecer em Abril de 2001.

instituição psiquiátrica, contra a sua vontade, diagnosticaram ALLA como possível lésbica, e disseram-lhe que teria de recorrer ao hospital da sua área para assistir a sessões de tratamento ambulatório. ALLA recusou tais sessões, e por esse facto recebeu várias chamadas de comparecência por escrito, nas quais a ameaçavam com internamento compulsivo433.

ALLA PITCHERSKAIA está hoje nos EUA, onde solicitou asilo. A Junta de Recursos de Imigração deste país inicialmente recusou o seu pedido, alegando entre outras causas, que o motivo do internamento compulsivo era no sentido de “tratar ou curar”, e não de castigar, pelo que não havia “perseguição”. Todavia, um tribunal federal anulou a decisão da Junta, declarando que o “castigo” não é um aspecto preceptivo nem suficiente da “perseguição”, e que “a perseguição somente exige que o autor cause sofrimento ou dano à vítima”. As leis dos direitos humanos não podem iludir-se formulando em termos benévolos – como “curar” ou “tratar” as vítimas – os actos que torturam mental ou fisicamente434.

Questionar a caracterização oficial da homossexualidade como doença é um passo essencial para por fim aos maus-tratos a homossexuais. Em 1992, a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), organismo da ONU, eliminou a orientação homossexual da sua Classificação Internacional de Doenças (CID 10). Após este facto,

433 Vid., na matéria, AMNISTIA INTERNACIONAL (2001), pp. 47-49.

434 Também na Ucrânia, a polícia recorreu recentemente a ameaças de tratamento psiquiátrico como forma de punição. A organização de direitos gaysNASH MIR denunciou que em Outubro de 2000, a polícia realizou uma rusga num bar em Kiev, frequentado por gays, obrigando os presentes a permanecerem com a cara contra a parede durante quatro horas, e os ameaçou a virem a ser submetidos a exames psiquiátricos, antes de os deixar irem embora.

Também nos anos setenta e oitenta, os membros da FORÇA DE DEFESA SUL-AFRICANA (SADF)

“suspeitos” de serem gays ou lésbicas eram obrigados a submeter-se a uma “terapia de conversão”, e a outras formas de “tratamento” sem o seu consentimento informado. Vulnerando os seus direitos humanos, assim como princípios consolidados de saúde pública, “eram submetidos a torturas físicas e psicológicas, a experiências e flagrantes maus-tratos em geral, incluindo a terapia de aversão e a castração química.”. As pessoas responsáveis por estas práticas, tanto eram militares como profissionais de saúde. A terapia de aversão para homens às vezes incluía a aplicação de corrente eléctrica, por meio de eléctrodos, enquanto se mostravam fotografias de homens nus. A corrente eléctrica era interrompida quando essas fotografias eram substituídas por outras, onde figuravam mulheres nuas. Aqui fica também o relato de uma terapeuta, que pode servir de ilustração do uso deste tipo de terapia aversiva em Portugal: “Nos anos 80, no meu serviço (…) vi uma coisa aversiva para tentar recondicionar ou descondicionar (…) o caso de uma freira, que era lésbica e se tinha uma coisa que a punha louca eram as mamas! (…) e então o tratamento para fazer o descondicionamento (…) mostravam-lhe uns cartões – ela detestava fezes – a saírem fezes pelos mamilos (…) fazia parte de uma técnica, obviamente, muito corrente, não tinha estímulos eléctricos, mas tinha outro tipo de estímulos (…) de fantasia”. Vid., na matéria, AMNISTIA INTERNACIONAL (2001), p. 49, e ainda, MOITA (2001), p. 124.

algumas associações médicas e psiquiátricas nacionais tomaram medidas, se bem com alguma lentidão, para adequar os seus princípios aos da OMS.

4.2.2 A Homofobia nos Cuidados de Saúde – Alguns Factos Portugueses