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4.2 A H OMOFOBIA NOS C UIDADOS DE S AÚDE

4.2.2 A Homofobia nos Cuidados de Saúde – Alguns Factos Portugueses

algumas associações médicas e psiquiátricas nacionais tomaram medidas, se bem com alguma lentidão, para adequar os seus princípios aos da OMS.

4.2.2 A Homofobia nos Cuidados de Saúde – Alguns Factos Portugueses

DE PSICOLOGIA APLICADA (ISPA), por iniciativa do CLUBE SAFO438. Também durante as referidas jornadas, a médica ANA CAMPOS recordou que para as lésbicas “é grande a propensão para desenvolverem cancro da mama e do ovário devido à abstinência da maternidade”. E acrescentou que “Até, como prevenção, é aconselhável que, quer as lésbicas quer outras mulheres sem actividade sexual, tomem a pílula durante 6 a 12 meses.”.

Outro facto importante, mencionado durante as referidas jornadas, prendeu-se com o suicídio de adolescentes LGBT, e com a transmissão de DST´s. Como salientou LIMA: “Outro grupo a considerar é também as adolescentes. Entre estas o risco de suicídio é acrescido na ausência de acompanhamento familiar e médico.”. Acrescentou ainda que “Apesar dos estudos já realizados, disto pouco se fala, assim como das doenças sexualmente transmissíveis entre lésbicas. Ninguém esconde que nos jogos amorosos, são frequentes as trocas de secreções vaginais, pelo que devem ser medicamente aconselhadas a tomar as devidas precauções.”439.

lésbicos; as organizações lésbicas devem ser parceiras sociais na discussão das políticas e da legislação; deve iniciar-se urgentemente o diálogo entre o Governo e as organizações de defesa dos direitos LGBT sobre a inclusão na legislação portuguesa dos direitos reconhecidos na directiva europeia sobre a igualdade de tratamento no emprego; o Ministério da Saúde deve desenvolver acções de formação dirigidas aos profissionais de saúde sobre questões específicas de saúde lésbica; deve ser garantida por parte das entidades estatais uma efectiva divulgação em todos os organismos públicos da existência dos direitos garantidos a uma união de facto homossexual, se necessário através de acções de formação; deve reconhecer-se que o conceito de família não deve permanecer redutor, devendo antes ser inclusivo, reflectindo assim as diferentes formas de famílias existentes na sociedade portuguesa. A Lei de Bases da Família não pode hierarquizar os portugueses em famílias de primeira e de segunda; o Estado deve promover a efectiva aplicação da lei sobre educação sexual nas escolas que reconhece a necessidade de acções que combatam a discriminação com base na orientação sexual. Os conteúdos dos currículos e dos manuais escolares devem fazer referência à efectiva diversidade de orientações sexuais existentes na nossa sociedade; o Governo deve garantir o incremento de medidas inclusivas na protecção à terceira idade, propiciadoras de práticas não discriminatórias nas instituições de prestação de serviços à terceira idade”. Vid., na matéria, CLUBE SAFO (2002), Linhas Orientadoras, disponível na web em http://www.clubesafo.com/.

438 A Associação CLUBE SAFO teve a sua origem na cidade de Aveiro, em Janeiro de 1996, fruto do empenhamento de um pequeno grupo de lésbicas sensíveis à necessidade da criação de um espaço de diálogo e partilha. A Associação tem por objectivo o apoio e a defesa dos direitos das mulheres lésbicas, constituindo-se como um espaço de intervenção social, cultural e política, promovendo uma imagem positiva da identidade lésbica, nomeadamente no domínio da saúde e da educação (cf. com o artigo 3.º dos Estatutos da Associação). A 15 de Fevereiro de 2002, no Segundo Cartório Notarial de Santarém, realizou-se a escritura pública de constituição como associação. Neste momento é a única associação portuguesa vocacionada especificamente para a organização de actividades sobre a temática lésbica, sejam elas dirigidas às lésbicas ou a toda a sociedade. Para informações mais circunstanciadas, ver site da referida associação em http://www.clubesafo.com/about.htm.

439 Vid., na matéria, LIMA, Licínio (2002), “Polémica - Homofobia Reina na Saúde”, in Diário de Notícias de 7 Julho 2002, disponível na web em http://www.clubesafo.com/

Ainda é de frisar que entre os profissionais de saúde portugueses, destacando-se principalmente médicos psiquiatras e psicólogos, podemos encontrar leituras diferentes da homossexualidade. Assim, temos aqueles que configuram a homossexualidade como

“uma anomalia” ou uma “falha”, quer “de identificação” quer “narcísica”, classificando-a, ainda, nalguns casos, como “parafilia”, “desvio sexual” ou

“disfunção”440.

Por outro lado, encontramos igualmente, entre os profissionais portugueses, posições que defendem uma simetria de valoração entre as várias orientações sexuais, considerando que o papel do profissional é o de permitir que o utente se aceite como homossexual, e saiba lidar com isso, reconhecendo que lésbicas, gays e bissexuais vão ter sempre que estar sujeitos a uma maioria homófoba, que lhes estrutura determinado tipo de respostas, reacções, conflitos, depressões, entre outras consequências.

Estas últimas posições podem ser enquadradas numa perspectiva de intervenção, ainda pouco divulgada entre nós, nas palavras dos psicólogos citados anteriormente, o modelo afirmativo gay, que vamos passar a expor, dada a sua relevância terapêutica441. Este modelo consiste não num modelo teórico, mas num conjunto de princípios que deverão orientar a prática terapêutica com utentes LGB, particularmente com aqueles que apresentam dificuldades relativas à sua homossexualidade.

Em vez de diagnosticar, de tentar determinar os factores causais e de tentar a mudança da orientação sexual, o objectivo do profissional que partilha esta perspectiva é ajudar os utentes a aceitarem a sua orientação sexual. Segundo o modelo afirmativo gay, a homossexualidade e a bissexualidade são interpretadas como estruturações da Actividades/jornadas/dn2.html. Para aprofundar a temática específica do suicídio relacionado com a orientação sexual, aconselha-se a leitura de, por exemplo, MCANDREW, S. e WARNE, T.

(2004), “Ignoring the Evidence Dictating the Practice: Sexual Orientation, Suicidality and the Dichotomy of the Mental Health Nurse”, in Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, vol. 11, n.º 4, pp. 428-434.

440 Vid., na matéria, MOITA (2001), p. 207.

441 Vid., na matéria, DAVIES e NEAL (1997), onde os Autores fazem equivaler a expressão modelo afirmativo gay a modelo afirmativo da pessoa. O modelo de terapia afirmativa gay foi desenvolvido fundamentalmente nos EUA. DAVIES e NEAL afirmam, na publicação do seu livro Pink Therapy em 1997, cuja primeira edição é de 1996, tratar-se do primeiro livro europeu, sobre estas questões que revela alguma preocupação em fazer alguma adaptação ao contexto britânico. Vid., na matéria, DAVIES, D. e NEAL, C. (1997), p. 37. Em Portugal, o artigo de MENEZES e COSTA (1992), “Amor Entre Iguais: A Psicoterapia da Diferença”, inclui simultaneamente a apresentação e análise deste modelo, e a apresentação de casos clínicos. Vid., na matéria, MENEZES, Isabel e COSTA, MariaEmília (1992), pp. 79-84.

Refira-se contudo, que no estudo produzido por MOITA (2001) não foi encontrado este discurso, na análise dos grupos de discussão dos profissionais envolvidos no estudo. Para aprofundar este assunto, ver ainda, PEREIRA, Henrique (2004), pp. 261-267.

sexualidade humana de valor igual à heterossexualidade. O mal-estar e o sofrimento de muitos homossexuais é explicado como sendo o resultado da vitimização social a que estes estão sujeitos, resultante do preconceito e da discriminação, constituindo as pessoas homossexuais um grupo minoritário oprimido.

Uma das noções-chave do modelo em análise é a do desenvolvimento duma identidade homossexual ou coming out442, segundo a qual, devido ao modelo heterossexual dominante, o sujeito homossexual passa habitualmente por um período de luto da sua heterossexualidade socialmente esperada, e por várias fases, até chegar à aceitação de si443.

442 “Identidade homossexual” e “coming out” são aqui apresentados como equivalentes.

PLUMMER (1996) citado por MOITA (2001, nota 12) chama a atenção para vários significados com que é utilizada a expressão coming out apresentando três: o de SIMON e GAGNON que, em 1967, utilizavam a expressão para se referirem ao ponto, no tempo em que se dava um auto-reconhecimento como homossexual, e a primeira maior exploração da comunidade homossexual; o de DANK que, em 1971, assumia o significado que considerava ser o utilizado pelos próprios homossexuais (o do processo através do qual cada um se assumia como homossexual, independentemente de esta identificação ocorrer ou não num contexto homossexual); e o significado utilizado pelos membros da FRENTE DE LIBERTAÇÃO GAY, para quem coming out significa vir a público, revelando-se homossexual num mundo heterossexual.

443 A natureza complexa da gestação da “identidade homossexual” fica bem evidenciada na análise empreendida em 1979 por VIVIENNE C. CASS, que ainda hoje constitui uma referência essencial neste domínio. De acordo com essa análise, o sujeito desenvolve e articula a sua homossexualidade em seis fases distintas: despertar da identidade, comparação da identidade, tolerância da identidade, aceitação da identidade, orgulho da identidade e síntese da identidade. Como a própria VIVIENNE CASS adverte, trata-se de uma aproximação generalizadora ao processo de identificação dos homossexuais, que não contempla casos isolados, mas ainda assim frequentes, em que os jovens homossexuais, nas primeiras fases daquele processo, julgam ser bissexuais ou se apresentam como tal, para efeitos de serem aceites socialmente. Por outro lado, a teoria de CASS não significa, naturalmente, que todos os homossexuais percorram necessariamente todas estas etapas, e muito menos, que tenham de as percorrer para alcançarem a fase final da “síntese da identidade”. Trata-se obviamente de uma abordagem esquemática, com fins operativos, como o são as divisões entre pré-puberdade e puberdade ou, noutro contexto, as etapas de que fala KUBLER-ROSS na evolução dos doentes terminais, ou ainda, os estádios de desenvolvimento moral referidos por LAWRENCE KOHLBERG

que foram objecto da crítica feminista de CAROL GILLIGAN. Vid., na matéria, CASS, Vivienne C.

(1979), “Homosexual Identity Formation: A Theorical Perspective”, in Journal of Homosexuality, vol. 4, n.º 3, pp. 129-235. A par da proposta de CASS poderemos encontrar outras abordagens, como a de ELI COLEMAN, que considera as seguintes fases: pré-coming out, coming out, exploration, first relationships, integration. Vid., na matéria, PEREIRA (2001), pp.

17-19. Outra abordagem é feita por RICHARD TROIDEN, que considera as seguintes fases:

sensitization, identity confusion, identity assumption e commitment. Enquanto MCCARN e FASSINGER (1996) pressupõem as seguintes fases: sensibilização ou consciência, exploração, aprofundamento e compromisso, e internalização ou síntese. Vid., na matéria, CARNEIRO, Nuno e MENEZES, Isabel (2004), pp. 117-138. Ainda outra abordagem vai para WOODMAN e LENNA, que consideram as seguintes fases: negação, confusão da identidade, negociação, depressão ou integração saudável da orientação sexual. Vid., na matéria, PEREIRA (2001), pp. 12-13. Por último, a referência a um modelo de identidade homossexual, que parte da concepção de identidade sexual, de SHIVELY e DECECCO, que propõem que o constructo deve compreender

É ainda de referir que os princípios fundamentais da perspectiva afirmativa encontram-se enraizados em conceitos desenvolvidos pela psicologia social, nomeadamente no que diz respeito aos estudos sobre o preconceito, e no entendimento social das diferenças, o que conduziu ao desenvolvimento de outras noções centrais a este modelo, e já referidas anteriormente, como as de homofobia e de heterossexismo. O sofrimento e a presumível psicopatologia observada pelos clínicos em homens e mulheres homossexuais e bissexuais, passaram a ser conceptualizados não como resultado da homossexualidade per se, mas como sintoma de internalização da homofobia social.

Mas um levantamento de discursos de psiquiatras e psicólogos sobre a homossexualidade no contexto clínico português, demonstrou ser ainda possível encontrar uma visão preconceituosa da homossexualidade. Assim,entre outros aspectos, a homossexualidade foi encarada como “uma anomalia”, “uma parafilia”, ou no mesmo sentido, um “desvio sexual”, “uma disfunção”, ou “um processo de comportamento anormal (…) tal como a impotência”. Numa perspectiva psicanalítica, foi também considerada uma “falha (…) no desenvolvimento”444.

Para além desta visão da homossexualidade como uma doença mental, foram encontradas outras leituras preconceituosas da homossexualidade entre os terapeutas portugueses. Por exemplo, em debates públicos sobre direitos cívicos dos homossexuais, os terapeutas quando questionados sobre esses direitos, expressavam uma visão negativa relativamente a questões como a parentalidade, o casamento ou a adopção445.

quatro componentes distintos: o sexo biológico, a identidade de género, os papéis sexuais sociais e a orientação sexual. Vid., na matéria, SHIVELY, M. G. e DECECCO, J. P. (1977),

“Components of Sexual Identity”, in Journal of Homosexuality, vol. 3, n.º 1, pp. 41-48. Este modelo foi desenvolvido entre nós, num artigo de PEREIRA, Henrique e LEAL, Isabel (2005), “A Identidade (Homo)sexual e os Seus Determinantes: Implicações para a Saúde”, in Revista Análise Psicológica, vol 3, n.º 23, pp. 315-322. Este artigo tem como objectivo fornecer um enquadramento explicativo do modo como os indivíduos, que se identificam como homossexuais, constroem a sua identidade, e como a construção de uma identidade positiva tem implicações para a saúde. Para aprofundar esta matéria, ver por exemplo, ELIASON, M. J. e SCHOPE, Robert (2007), “Shifting Sands or Solid Foundation? Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Identity Formation”, in The Health of Sexual Minorities – Public Health Perspectives on Lesbian, Gay, Bissexual and Transgender Populations (Meyer, Ilan H. e Northridge, Mary E., Eds.), New York: Springer, pp. 3-26.

444 Vid., na matéria, MOITA (2006), pp. 59-61.

445 É também possível encontrar outros tipos de configurações igualmente preconceituosas da homossexualidade. É o caso, relativamente comum entre terapeutas, de leituras da homossexualidade como um “fenómeno de moda”, uma espécie de “desporto radical”, uma “tendência para ultrapassar limites e obter emoções e sensações fortes”. É

Entre os terapeutas portugueses, a par de uma leitura homofóbica da homossexualidade, registam-se também perspectivas afirmativas da homossexualidade, sublinhando ora a identidade, ora o comportamento. Uma representação plástica do comportamento sexual em geral pode também ser encontrada. Nesta última perspectiva, qualquer comportamento sexual é visto como um comportamento opcional e possível, que “qualquer pessoa, em qualquer circunstância pode, se lhe der jeito ou se quiser, ter”446.