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O direito a determinar livremente a própria orientação sexual e identidade de género, bem como o direito a expressá-las sem temor, são direitos humanos no mais pleno sentido da palavra. Não obstante, em todas as partes do mundo existem governos

109 Vid., na matéria, CORNATON, Michel (1979), Grupos e Sociedade, Lisboa: Editorial Vega, pp. 39-44, e ainda, MOITA (2003), p. 96.

110 Vid., na matéria, PONCES DE CARVALHO, Miguel (2002), “Minoria, Exclusão Social e Educação Intercultural”, in Revista Finisterra – Revista de Reflexão e Crítica, n.º 42, p. 28.

111 Vid., na matéria, EDUARDO LOURENÇO (2002), “Entre o Real e o Virtual”, in Finisterra – Revista de Reflexão e Crítica”, n.º 42, p. 11.

112 Vid., na matéria, EDUARDO LOURENÇO (2002), pp. 11-12.

que apesar do seu compromisso de proteger os direitos humanos de todas as pessoas sem discriminação alguma, continuam privando as pessoas LGBT do seu direito fundamental à vida, à segurança e à igualdade perante a lei.

Segundo FOUCAULT existem registos policiais e jurídicos que evidenciam que a homossexualidade, no decurso do século XVIII, passou a constituir um problema social113. Mas historicamente, nas sociedades ocidentais, os travestis foram os primeiros, a partir do século XVII, a serem objecto de perseguição e intolerância114. Contudo, desde há alguns anos, a persecução legal por orientação sexual ou identidade de género tem vindo a retroceder.

Actualmente, nenhum país europeu penaliza as relações homossexuais consentidas entre adultos. Também nos países onde se fala espanhol, a homossexualidade deixou de ser considerada crime, depois das mudanças a nível legislativo no Chile, em Porto Rico, no Equador e mais recentemente na Nicarágua115.

113 Vid., na matéria, FOUCAULT, Michel (1994), História da Sexualidade I – A Vontade de Saber, traduzido do original francês de 1976 por Pedro Tamen, Lisboa: Relógio d´Água, pp.

21-39.

114 Vid., na matéria, PACHECO, José (1998), O Tempo e o Sexo, Lisboa: Livros Horizonte, p. 172.

115 Na pesquisa das várias constituições nacionais, para além da portuguesa, encontramos previsão explícita de proibição de discriminação em razão da orientação sexual na Constituição da África do Sul, do Equador e das Ilhas Fiji. Assim, na Constituição da África do Sul, no Capítulo 2 (“Bill of Rights”), na Secção 9 (“Equality”), no n. º 3 podemos ler que “The state may not unfairly discriminate directly or indirectly against anyone on one or more grounds, including race, gender, sex, pregnancy, marital status, ethnic or social origin, colour, sexual orientation, age, disability, religion, conscience, belief, culture, language and birth.”.

Em relação à Constituição do Equador, no Título III (“De los Derechos, Garantias y Deberes”), no Capítulo 2 (“De los Derechos Civiles”), no art.º 23.º, no ponto 3 (“La igualdad ante la ley”) constatamos que ”Todas las personas serán consideradas iguales y gozarán de los mismos derechos, libertades y oportunidades, sin discriminación en razón de nacimiento, edad, sexo, etnia, color, origen social, idioma; religión, filiación política, posición económica, orientación sexual; estado de salud, discapacidad, o diferencia de cualquier otra índole.”. Enquanto na Constituição das Ilhas Fiji, no Capítulo I (“The State”), no art.º 38 (“Equality”), no ponto 2, na alínea a), constatamos que “A person must not be unfairly discriminated against, directly or indirectly, on the ground of his or her: actual or supposed personal characteristics of circumstances, including race, ethnic origin, colour, place of origin, gender, sexual orientation, birth, primary language, economic status, age or disability.“. Um dado relevante prende-se com o facto de a partir de 1996, pós-apartheid, a Constituição da África do Sul ser a primeira do mundo a expressar a proibição da discriminação em razão da orientação sexual. A mesma expressão seria incluída nas novas Constituições do Equador, das Ilhas Fiji e de Portugal.

Assim, Portugal é neste momento, o único país da Europa cuja constituição proíbe explicitamente a discriminação em razão da orientação sexual. Também uma emenda foi operada na Constituição Suíça, que acrescentou no Título 2 (“Basic, Civil and Social Rights”), no Capítulo 1 (“Basic Rights”), no artigo 8 (“Equality”), na alínea 2, a proibição de discriminação baseada na “forma de vida”, uma expressão que inclui a vida sexual: “Nobody may be discriminated against, namely for his or her origin, race, sex, age, language, social

Mesmo assim, em alguns países do mundo a homossexualidade castiga-se com a pena de morte, e em muitos outros é considerada ilegal. Vejamos alguns exemplos referidos pela AMNISTIA INTERNACIONAL116:

- nas Honduras continuam-se a assassinar pessoas transgénero perante a passividade das instituições;

- na Colômbia os grupos armados impõem “normas de convivência” que conduzem a tortura e ao assassinato das minorias sexuais;

- na Índia os homossexuais homens podem ser condenados a prisão perpétua;

- no Nepal a polícia castiga e detem as pessoas transgénero e os seus activistas;

- na Arábia Saudita e Irão continuam-se a executar os homossexuais;

- em Cuba e no Egipto a homossexualidade é legal, contudo continuam a persistir as perseguições;

- em países como a Mauritânia e o Sudão a homossexualidade é castigada com a pena capital;

position, way of life, religious, philosophical, or political convictions, or because of a corporal or mental disability.”. Sobre a efectividade do dispositivo constitucional sul-africano em face da jurisprudência, ver DE VOS, Pierre (1988), “Une Nation Aux Coulers de L´Árc-en-ciel?

Égalité et Préferences: La Constitution de L´Áfrique du Sud“, in Homosexualités et Droit: De la Tolérance Sociale à la Reconnaissance Juridique, (Borrillo, Daniel, Org.), Paris: Universitaires de France, pp. 268-192. Sobre a Constituição do Equador, ver LEÓN, Magdalena (1999), Derechos Sexuales y Reproductivos: Avances Consticionales y Perspectivas em Ecuador, Quito:

Fundácion Equatoriana de Acción y Educación para la Promoción de la Salud. As constituições da República da África do Sul (1996), da República do Equador (1998), das Ilhas Fiji (1997) e da Suiça (1999), podem ser consultadas na web em http://confinder.richmond.edu/. No que respeita à Nicarágua, em 1 de Fevereiro de 2008, a Assembleia da Nicarágua passou a excluir a homossexualidade da lista de crimes previstos para punição. O art. 204.º do antigo Código Penal nicaraguense previa que os homossexuais fossem penalizados com penas que variavam de 3 meses a 1 ano de detenção. Foi revogada a proibição no antigo art. 204.º, assim que foi publicado o novo código penal, Lei n.º 641, na edição n.º 232 do Diário Oficial de 3 de Dezembro de 2007. Vid., na matéria, PORTUGALGAY (2007), “Nicarágua: No Novo Código Penal a Homossexualidade Deixa de Ser Crime”, disponível na web em http://portugalgay.pt/news/index.asp?uid=151107A.

116 Vid., na matéria, AMNISTIA INTERNACIONAL (2004b), “El Mundo No Es de Color Rosa”, in Love, Sex and Homophobia, (Baird, Vanessa, Ed.), Londres: Edição da Amnistia Internacional. Ver ainda, AMNISTIA INTERNACIONAL (2006), Sexual Minorities and The Law: A World Survey, Toronto: Edição da Amnistia Internacional. Para se ter uma visão sobre a homofobia e a discriminação em razão da orientação sexual a nível dos 27 Estados-membros da União Europeia, aconselha-se a leitura de DE SCHUTTER, Olivier (2008), Homophobia and Discrimination on Grounds of Sexual Orientation in the EU Member States; Part 1 – Legal Analysis, Viena: Edição da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA), disponível na web em http://fra.europa.eu/fra/material/pub/comparativestudy/FRA_hdgso_part1_en.pdf.

- no Zimbabué, o Presidente ROBERT MUGABE ordenou a prisão de todos os homossexuais, declarando que eram “piores que os porcos e os cães”.

Muitas outras violações dos direitos humanos baseadas na orientação sexual e identidade de género, são certamente frequentes no quotidiano de muitas pessoas LGBT

por este mundo fora, mas muitas não chegam a ser declaradas às identidades competentes que promovem a aplicação dos direitos humanos. Alguns desses casos chegaram até nós através do trabalho da Amnistia Internacional (Ai)117, trabalho esse que culmina nos seus relatórios anuais e nas suas edições bibliográficas118.

Também outras violações estão descritas na “Resolução Brasileira em Direitos Humanos e Orientação Sexual”119 de 2003, que será abordada posteriormente neste trabalho, e ainda, no recente Relatório de 2007 - “Homofobia do Estado”- da INTERNATIONAL LESBIAN ANDGAY ASSOCIATION (ILGA)120.

117 A AMNISTIA INTERNACIONAL (AI) é hoje a mais conceituada organização de defesa dos direitos humanos, e está representada em mais de 150 países e tem milhões de membros em todo o mundo. A AI nasceu em Maio de 1961. A sua criação teve origem numa notícia publicada no jornal inglês “The Observer”, em que era referida a prisão de dois estudantes portugueses por terem gritado “Viva a Liberdade!”, num restaurante da Cidade de Lisboa. Os dois jovens foram presos pelo regime de OLIVEIRA SALAZAR e, de seguida, condenados a sete anos de cárcere. O advogado britânico PETER BENENSON (1921-2005), laureado mais tarde em 1977 com o Prémio Nobel da Paz, lançou então um apelo no sentido de se organizar uma ajuda prática às pessoas presas devido às suas convicções políticas ou religiosas, ou em virtude de preconceitos raciais ou linguísticos. Um mês após a publicação do apelo, BENENSON já havia recebido mais de mil ofertas de ajuda para coligir informações sobre casos, divulgá-las e entrar em contacto com governos. Dez meses passados, representantes de cinco países estabeleciam as bases de um movimento internacional. O primeiro presidente do Comité Executivo Internacional da organização (1963 a 1974) foi SEAN MACBRIDE, laureado com o Prémio Nobel da Paz em 1974. Vid., na matéria, HORTELÃO, Rui (2005), “Obituário – Peter Benenson”, in Informação Amnistia Internacional, n.º 20/21, III série, p. 5. Mais informações disponíveis na web em http://www.amnistia-internacional.pt/sobre_ai/sobreai.php. É de salientar que desde 1991 a AI tem um núcleo de trabalho para os direitos LGBT. Uma das ferramentas básicas desse trabalho é a Rede Internacional de Acções Urgentes das Minorias Sexuais. Os objectivos da AI são: lutar contra as violações dos direitos humanos das pessoas pertencentes a alguma minoria sexual em qualquer parte do mundo; educar para conseguir a não-discriminação por motivos de orientação sexual na sociedade; defender os defensores dos direitos das minorias sexuais das perseguições que sofrem em qualquer país e, combater o discurso homofóbico na sociedade.

Para mais informações ver as páginas da web: http://www.ai-lgbt.org/informaciongeneral.htm e http://www.es.amnesty.org/temas/minorias-sexuales/pagina/nuestro-trabajo/.

118 Vid., na matéria, por exemplo, AMNISTIA INTERNACIONAL (1994); AMNISTIA

INTERNACIONAL (2001); AMNISTIA INTERNACIONAL (2004a); AMNISTIA INTERNACIONAL

(2004b); AMNISTIA INTERNACIONAL (2005), e ainda, AMNISTIA INTERNACIONAL (2006).

119 Vid., na matéria, RESOLUÇÃO BRASILEIRA EM DIREITOS HUMANOS E ORIENTAÇÃO

SEXUAL (2003), disponível na web em http://www.arc-international.net/briefp.pdf., pp. 5-8.

120 Vid., na matéria, OTTOSSON, Daniel (2007), Homofobia do Estado – Uma Pesquisa Mundial sobre Legislações que Proíbem Relações Consensuais Entre Adultos do Mesmo Sexo, Bruxelas: Edição da ILGA-EUROPA.

Fica aqui apenas um dos muitos exemplos reprováveis de tamanhas violações dos direitos humanos, e que consta de um dos muitos relatórios da AI sobre o assunto:

“No Irão, o envolvimento numa relação lésbica pode custar a vida a uma mulher.

Qualquer mulher quatro vezes condenada por mosaheqeh (lesbianismo) enfrenta a pena de morte. O lesbianismo pode ser provado pelo testemunho de quatro homens honrados que o possam ter visto. Uma punição menor é 100 chicotadas a cada parte.

Em 1990, foi registado um caso em que duas mulheres foram apedrejadas até à morte porque eram lésbicas. Segundo o relatado foram condenadas por espalhar a corrupção, coisas proibidas e adultério para cada lado. Em 1993, o antigo representante do Irão nas Nações Unidas, Rajaie Khorasani, confirmou que a homossexualidade podia ser punida com a pena de morte. Na qualidade de representante do Irão na assembleia consultiva num simpósio inter-parlamentar em Budapeste, Rajaie Khorasani, descreveu as punições de shaggeh para homossexualidade sob jurisprudência de Shi´a: como abrir ao meio em duas metades ao comprimento, empurrar de um penhasco ou apedrejamento até à morte.”121.

121 Vid., na matéria, AMNISTIA INTERNACIONAL (1995), Mulheres e Direitos Humanos, Lisboa: Edição da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, p. 134. Ainda a respeito da violação dos direitos humanos das pessoas LGBT no Irão, recorde-se as afirmações do Presidente do Irão, MAHMOUD AHMADINEJAD, que afirmou em Setembro de 2007, que não existia homossexualidade no país que preside. Durante uma conferência na Universidade de Columbia em Nova Iorque, perguntaram-lhe sobre os direitos dos homossexuais no Irão: “No nosso país não há homossexuais”, afirmou AHMADINEJAD. Incomodado com o tema, o presidente iraniano preferiu falar sobre os direitos das mulheres. Perante a insistência da pessoa que o questionava, hesitou alguns segundos e negou a existência deste tipo de orientação sexual no Irão. Recorde-se que no Irão a homossexualidade é crime punível com pena de prisão. O tema foi muito debatido recentemente quando uma lésbica iraniana, PEGAH EMAMBAKHSH, que corria o risco de ser deportada pelo Reino Unido, temia ser apedrejada ao voltar para o seu país.

EMAMBAKHSH refugiou-se no Reino Unido em 2005, depois de a sua parceira ter sido detida, torturada e apedrejada no Irão. Vid, na matéria, COELHO, Alexandra Prado (2007), “Irão - A Misteriosa Ausência de Gays”, in Jornal Público de 30/09/2007, disponível na web em http://www.ilga-portugal.oninet.pt/noticias/20070930.htm. Relembremos também o caso de MEHDI KAZEMI, um cidadão iraniano homossexual de 19 anos, que requereu asilo junto das autoridades do Reino Unido, o qual foi inicialmente recusado. Este cidadão iraniano só viu concedido o seu pedido de asilo após uma Resolução do Parlamento Europeu de 13 de Março de 2008, que no seu ponto 4 declarava que o Parlamento Europeu “Insta os Estados-Membros em causa a encontrar uma solução comum para garantir que será concedido asilo ou protecção a Mehdi Kazemi no território da UE e que este não será repatriado para o Irão onde seria executado, garantindo assim o respeito integral do artigo 3.º da CEDH por todas as autoridades europeias e nomeadamente, neste caso, pelo Reino Unido; …”. Vid, na matéria, PARLAMENTO

EUROPEU (2008), Resolução do Parlamento Europeu Sobre o Caso de Mehdi Kaemi, disponível na web em http://www.europarl.europa.eu/. Recorde-se ainda um outro acontecimento homofóbico que abalou a comunidade internacional em 1998, quando o jovem MATTHEW

SHEPARD, da Universidade do Wyoming, foi torturado de forma bárbara por dois rapazes de 20 anos, acabando por morrer, o que provocou um imenso clamor na sociedade norte-americana, e

A inclusão do direito à não discriminação em razão da orientação sexual na agenda internacional de direitos humanos tem cerca de duas décadas. Todavia, só em 1992, o primeiro representante de uma minoria sexual discursou num fórum sobre direitos humanos da ONU, mais concretamente na 44.ª sessão da SUBCOMISSÃO DE

PREVENÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO E PROTECÇÃO DAS MINORIAS. É de salientar que a atitude da ONU relativamente a este assunto foi sempre a de evitar a retórica dos direitos das minorias, optando por uma atitude mais abrangente onde defendia a promoção, a protecção e garantia dos direitos de todas as pessoas, isto é, priveligiando uma aplicação universal dos direitos humanos centrada no indivíduo e não num determinado grupo122. Tal atitude de recusa dos direitos humanos LGBT foi refelectida no parecer negativo relativo à reavaliação do estatuto consultivo da ILGA no Conselho Económico e Social da ONU em 23 de Janeiro de 2002123.

Não obstante esse retrocesso, a comunidade internacional tem vindo a considerar a população LGBT enquanto entidade colectiva sujeita a formas de discriminação e violência, adoptando um conjunto de instrumentos legais com vista a garantir e reforçar a concretização efectiva dos direitos humanos.

Assim, vamos prontamente enunciar algumas tentativas de reconhecimento dos direitos LGBT por parte das instituições europeias, nomeadamente o CONSELHO DA

veio dar razão a um slogan dos tempos dos primórdios do movimento homossexual: “Não temos vergonha, temos medo.”. Vid., na matéria, LIPKIN, Arthur (1999), Understanding Homosexuality, Changing Schools, Boulder: Westview Press, pp. 5 e ss. Ver também as seguintes páginas da web: www.matthewsplace.com e www.matthewshepard.org (Matthew Shepard Foundation). A propósito deste acontecimento, foi levado à cena no Teatro Municipal Maria Matos em Lisboa, em Abril de 2006, uma peça de teatro sobre este caso que chocou a América em 1998. DIOGO INFANTE encenou a peça documental “Laramie” escrita por MOISÉS

KAUFMAN, e que veio posteriormente a ser uma das vencedoras dos Prémios Arco-íris promovidos pela ILGA-PORTUGAL, em Novembro de 2006.

122 Para uma excelente crítica sobre o reconhecimento da orientação sexual no âmbito da ONU, ver BEAVERS, Suki (2004), Sexual Orientation and the United Nations: Human Rights Over Homophobia, Nova Iorque: Edição da ONU.

123 Vid., na matéria, VIJAPUR, Abdulrahim P. (1999), “Minorities and Human Rights: A Comparative Perspective of International and Domestic Law”, in Minority Identities and The Nation-State (Sheft, D. L. e Mahajan, G., Org.), Nova Deli: Oxford University Press, p. 242. O estatuto consultivo havia sido reconhecido à ILGA em 1993, permitindo-lhe assistir a reuniões e conferências enquanto entidade observadora, bem como elaborar e apresentar documentos aos organismos de direitos humanos da ONU. Este estatuto foi-lhe no entanto retirado em 1994, pelo facto de algumas ONG´s filiadas na ILGA, demonstrarem alguma brandura relativamente ao abuso sexual de menores. Não obstante as ONG´s visadas terem sido prontamente expulsas da ILGA – caso da NORTH AMERICAN MAN-BOY LOVE ASSOCIATION -, o estatuto consultivo não lhe voltou a ser atribuído, desta feita por via dos votos contra de oito países – China, Etiópia, Líbano, Paquistão, Rússia, Senegal, Sudão e Tunísia -, reputados pelas violações de direitos humanos no seu próprio território.

EUROPA, a UNIÃO EUROPEIA, e a ORGANIZAÇÃO PARA A SEGURANÇA E COOPERAÇÃO NA

EUROPA.

A nível do CONSELHO DA EUROPA salientamos o pioneirismo da sua Assembleia Parlamentar, pelo facto de no ano de 1981 ter considerado os direitos LGBT como direitos humanos, através da Recomendação 924 (1981), condenando toda a discriminação legal e social contra a população homossexual124.

Neste documento pede-se a todos os Estados-membros que revoguem a legislação nacional que criminaliza a homossexualidade; igualizem as idades de consentimento para heterossexuais e não-heterossexuais, destruam as chamadas “listas cor-de-rosa” (registos de cidadãos LGBT); promovam a igualdade de tratamento no emprego; extingam o tratamento médico compulsivo; e garantam direitos de custódia e visita aos pais e mães homossexuais.

Também uma chamada de atenção para a Resolução 756 (1981) sobre discriminação contra as pessoas homossexuais, onde a Assembleia Parlamentar do CONSELHO DA EUROPA recomenda à ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) que retire a homossexualidade da sua Classificação Internacional de Doenças (CID), o que finalmente veio a acontecer no início dos anos 90125.

Passados doze anos, em 1993, assiste-se a novo compromisso do CONSELHO DA

EUROPA face aos direitos humanos LGBT, através da Declaração n.º 227, onde a Assembleia determinou que se considerasse a existência de legislação ou prática nacional anti-homossexual, no processo de candidatura ao estatuto de membro do CONSELHO DA EUROPA por parte de novos países. É de frisar que actualmente a abolição de legislação proibitiva da homossexualidade é pré-condição de adesão.

Também a 26 de Janeiro de 2000, esta Assembleia votou uma recomendação para que a orientação sexual fosse adicionada aos critérios de proibição de discriminação presentes num novo instrumento jurídico, que visava fortalecer as cláusulas de anti-discriminação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: o

124 Vid., na matéria, CONSELHO DA EUROPA (1981), Recommendation 924 (1981) - “On Discrimination against Homosexuals”. Texto adoptado durante a 10.ª sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa a 1 de Outubro de 1981, disponível na web em http://assembly.coe.int/main.asp?Link=/documents/adoptedtext/ta81/erec924.htm.

125 O Conselho da Europa havia já pressionado a OMS em Outubro de 1981, no sentido de suprimir a homossexualidade da CID. Essa pressão expressou-se através de uma votação, realizada em Estrasburgo (de resto muito significativa – num total de 88 votantes, observaram-se 61 votos a favor, 22 contra e 5 abstenções). Sobre este assunto, ver MULLOL, Antoni (1985), Homosexualidad Hoy, Aceptada o Todavía Condenada?, Barcelona: Editorial Herder.

Protocolo 12126. Ainda no mesmo ano de 2000, a Assembleia discutiu duas recomendações históricas para o movimento LGBT, designadamente sobre “A situação de gays e lésbicas e seus parceiros a respeito do asilo e imigração nos Estados-membros do Conselho da Europa”127, e sobre “A situação de lésbicas e gays nos Estados-membros do Conselho da Europa”128.

Uma chamada de atenção para a Recomendação 1635 (2003) da Assembleia Parlamentar do CONSELHO DA EUROPA, que recomenda a não discriminação de lésbicas e gays no desporto129. Já anteriormente a Assembleia Parlamentar tinha-se declarado contra a discriminação no desporto, através da Resolução n.º 1092 (1996), mais especificamente contra a discriminação das mulheres no desporto e mais particularmente nos Jogos Olímpicos.

Para além do Comité de Ministros e da Assembleia Parlamentar, a terceira instituição do Conselho da Europa é o TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS, sediado em Estrasburgo. A acção do Tribunal tem sido marcada pelo empenho na defesa dos direitos LGBT enquanto direitos humanos, sendo palco de casos que opõem cidadãos litigiantes aos seus próprios países130. Recorde-se, por exemplo, o caso Mouta versus Portugal em 1998, que desenvolveremos mais adiante neste trabalho. Também a 9 de Janeiro de 2003, este Tribunal determinou que nos Estados-membros do Conselho da Europa, não deverão existir diferentes idades de consentimento para relações

126 Vid., na matéria, CONSELHO DA EUROPA (2000a), Parecer n.º 216 (2000), de 26 de Janeiro de 2000, disponível em http://assembly.coe.int//Main.asp?link=http://assembly.coe.int/

Documents/AdoptedText/ta00/eopi216.htm.

127 Vid., na matéria, CONSELHO DA EUROPA (2000b), Recomendação 1470 (2000) - “A Situação de Gays e Lésbicas e Seus Parceiros a Respeito do Asilo e Imigração nos Estados-membros do Conselho da Europa”, adoptada em 30 de Junho de 2000, durante a 24.ª Assembleia Parlamentar, disponível na web em http://assembly.coe.int/

Documents/AdoptedText/ta00/EREC1470 .htm. Sobre esta última matéria, ver ainda BELL, Mark (2005a), Protecting LGBT People Seeking Asylum: Guidelines on the Refugees Status Directive, Bruxelas: Edição da ILGA-Europa.

128 Vid., na matéria, CONSELHO DA EUROPA (2000c), Recomendação 1474 (2000) - “A Situação de Lésbicas e Gays nos Estados-membros do Conselho da Europa”, adoptada em 26 de Setembro de 2000, durante a 27.ª Assembleia Parlamentar, disponível na web em http://assembly.coe.int/Documents/AdoptedText/ta00/EREC1474.htm.

129 Vid., na matéria, CONSELHO DA EUROPA (2003), Recommendation 1635 (2003) -

“Lesbians and Gays in Sport”, adoptada em 25 de Novembro de 2003, disponível na web em http://assembly.coe.int/documents/adoptedtext/ta03/erec1635.htm.

130 Sobre a jurisprudência do TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM em matéria de homossexualidade, ver por exemplo, SPIRY, Emmanuel (1996), “Homosexualité et Droit International des Droits de l'Homme: Vers Une Nouvelle Donne en Europe“, in Revue Trimestrielle des Droits de l´Homme, ano 7, n.º 25, Bruxelles: Nemesis, pp. 45-66. Ver ainda, SANTOS (2005a), pp. 66-70; e SANDERS, Douglas (2005), Human Rights and Sexual Orientation in International Law.

heterossexuais e homossexuais. Embora resultante de três queixas apresentadas contra o art.º 209.º do Código Penal austríaco, esta decisão oficial abriu um precedente jurídico para os restantes Estados pertencentes ao Conselho da Europa ao abrigo do art.º 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Recorde-se também, a nível dos direitos dos transexuais que, a Recomendação 1117 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 29 de Setembro de 1989, sugere aos Estados-membros a necessidade de reconhecerem aos transexuais o direito de “mudar de sexo”131.

Também as instituições da UNIÃO EUROPEIA (o Conselho de Ministros, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Tribunal de Justiça) desenvolveram trabalho na área dos direitos LGBT. O primeiro instrumento legal obrigatório da Comissão referindo-se à orientação sexual foi a Regulação 781/98, uma Emenda ao Regulamento do Pessoal da Comissão que inseriu um novo artigo (o 1.º A), determinando que todos os funcionários devem receber igual tratamento independentemente da sua orientação sexual132.

Uma outra instituição interna da UNIÃO EUROPEIA que se reveste de especial importância para os direitos humanos LGBT é o PARLAMENTO EUROPEU. Este tem apoiado consistentemente os direitos LGBT, desde a “Recomendação Squarcialupi”133 de

131 Vid., na matéria, CONSELHO DA EUROPA (1989), Recomendação 1117 (1989) -

“Condition of transsexuals”, adoptada em 29 de Setembro de 1989, disponível na web em http://assembly.coe.int/Documents/AdoptedText/ TA89/erec1117.htm. Visto a transexualidade ainda constituir um incompreendido drama humano, aconselha-se a leitura para a elucidação do tema, dos seguintes artigos que focam dois aspectos que se entrelaçam – o jurídico e o bioético:

MARTINS, Rode Amélia (2000), Transexualismo: Aspectos Jurídicos e Bioéticos, Florianópolis:

Edição da Jurisprudência Catarinense, ano 26, n.º 89, pp. 33-41, e ainda, BORDAS, Francis C.;

RAYMUNDO, Márcia M. e GOLDIM, José R. (2000), “Aspectos Bioéticos e Jurídicos do Transexualismo”, in Revista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, vol. 20, n.º 2, pp. 169-173.

132 Vid., na matéria, COMISSÃO EUROPEIA (1998), Regulamento n.º 781/98 do Conselho de 7 de Abril de 1998, que “Altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades”, in Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 15 de Abril de 1998, L 113/1-5, disponível em http://www.europarl.europa.eu/.

No ponto 1 do artigo 1.º A, podemos ler que “Os funcionários têm direito, na aplicação do Estatuto, à igualdade de tratamento sem referência, directa ou indirecta, à raça, às convicções políticas, filosóficas ou religiosas, ao sexo ou orientação sexual, sem prejuízo das disposições estatuárias pertinentes que exigem um determinado estado civil.”.

133 Em 1984 discutiu-se no Parlamento Europeu a “Recomendação Squarcialupi”, elaborada pela deputada italiana VERA SQUARCIALUPI, constituindo de facto a primeira declaração de intenções do Parlamento Europeu em matéria de direitos LGBT, ainda que não gorasse quaisquer reacções por parte do corpo de comissários. Vid, na matéria, PARLAMENTO

EUROPEU (1984), Report for the Commitee on Social Affairs and Employment on Sexual Discrimination at the Workplace, Documento n.º 1-1358/84, de 13 de Fevereiro de 1984.

1984, que solicitava a cessação da discriminação em razão da orientação sexual no âmbito do trabalho, até às várias recomendações e resoluções (não impositivas) na década de 90, entre as quais destacamos a “Resolução Roth”, que é uma “Resolução sobre Igualdade de Direitos para Homossexuais e Lésbicas na Comunidade Europeia (A3-0028/94)” de 1994, que detalhou a variedade de discriminações contra lésbicas e gays na União Europeia134.

O PARLAMENTO EUROPEU também adoptou a “Recomendação sobre a Abolição de Todas as Formas de Discriminação por Orientação Sexual (A4-0468/98)”135. É também de referir o relatório e resolução adoptados pelo Parlamento Europeu em 16 de Março de 2000 (A5-0050/2000), relativos aos direitos humanos na União Europeia, onde se afirmava “ser necessário conseguir rapidamente progressos quanto ao reconhecimento mútuo na União Europeia das diversas formas legais de Uniões de Facto e de matrimónios legais entre pesssoas do mesmo sexo.”136.

O Parlamento Europeu também aprovou a 4 de Setembro de 2003 em sessão plenária, uma resolução sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia (A5 – 281/2003), em que dedica um capítulo à discriminação LGBT. Nesse documento, o Parlamento solicita, uma vez mais, aos Estados-Membros a abolição de qualquer forma de discriminação – legal ou de facto – de que ainda são vítimas os homossexuais,

134 Redigido em 1993 pela deputada CLAUDIA ROTH do PARTIDO VERDE ALEMÃO, o designado “Relatório Roth” foi um documento pioneiro sobre direitos LGBT elaborado no âmbito das instituições europeias, incluindo o reconhecimento de parceiros do mesmo sexo.

Vid., na matéria, PARLAMENTO EUROPEU (1994), Resolução sobre Igualdade de Direitos para Homossexuais e Lésbicas na Comunidade Europeia, Resolução A3-0028/94 de 8 de Fevereiro de 1994, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 28 de Fevereiro de 1994, N.º C 61/40-43, disponível na web em http://www.stonewall.org.uk/docs/1994_EU_parliament_

resolution.pdf. Esta resolução foi repetida pelo Parlamento Europeu em mais três ocasiões, nos seus relatórios anuais e resoluções no âmbito da observância dos direitos humanos na União Europeia, respectivamente em 1994 (Documento A4-0223/96), 1995 0112/97), e 1996 (A4-0034/98). Embora o seu poder seja limitado, o Parlamento Europeu pode exercer significante influência política sobre o Conselho e sobre a Comissão, como sucedeu em 1999, quando solicitou a ambos que “levantassem a questão da discriminação contra homossexuais durante as negociações para a associação de novos membros, quando necessário”.

135 Em relação ao crescimento da União Europeia, o Parlamento Europeu adoptou em 1998, uma resolução (A4-0468/98) afirmando que ele “não consentirá a associação de nenhum país que por meio da sua legislação política viole os direitos humanos de lésbicas e homens gays.”. Vid., na matéria, PARLAMENTO EUROPEU (1998), Relatório Anual sobre o Respeito dos Direitos do Homem na União Europeia, Documento A4-0468/98, Relatora: Anne-Marie Schaffner, Estrasburgo: Edição da Comissão das Liberdades Públicas e Assuntos Internos, disponível na web em http://www.europarl.europa.eu.

136 Vid., na matéria, PARLAMENTO EUROPEU (2000), Relatório Anual sobre o Respeito pelos Direitos Humanos na União Europeia (1998-1999), Documento A5-0050/2000, Relatora:

BERTEL HAARDER, Estrasburgo: Edição da Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos, disponível em http://www.europarl.europa.eu/.