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A “exclusão do crédito tributário” prevista no Código Tributário Nacional

O CTN, em seu art. 175, I, prescreve que as isenções excluem o crédito tributário. Encontra-se aqui a única referência positivada pelo legislador sobre uma proposta para a definição da isenção tributária. Todavia, se a Constituição Federal não é clara ao estabelecer o campo semântico da isenção tributária, não podemos dizer que no CTN temos efetivamente uma adoção de uma das várias teorias construídas sobre o tema.

Definir a isenção como “exclusão do crédito tributário” é uma decorrência comum em razão do posicionamento doutrinário de um dos membros da comissão que elaborou o CTN, o

117 Exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº

ilustre Rubens Gomes de Sousa. Foi este professor paulista que difundiu largamente no ordenamento brasileiro a teoria da isenção como dispensa legal do pagamento.

Não se demonstra equivocado que o legislador adote certa posição doutrinária para definir determinados institutos quando, ao juridicizá-la, torna-a prescritiva. É assim que o art. 3º do CTN define o que deve ser tomado por tributo no direito pátrio. A partir desta prescrição, qualquer figura jurídica que a ela se subsuma será um tributo; caso contrário, será outra coisa qualquer, porém jamais um tributo.118 Essas definições prescritivas servem para a construção de normas jurídicas em sentido amplo, as quais, posteriormente, permitem a construção de normas jurídicas em sentido estrito. Esta disposição do art. 3º do CTN é extremamente útil na conformação de todas as normas jurídicas de tributação.

O mesmo argumento não pode ser repetido para a definição da isenção tributária no CTN. No próximo tópico será especificamente analisada a teoria que põe a isenção tributária como uma dispensa legal do pagamento, no entanto, adianta-se, este posicionamento estabelece a incidência sucessiva de duas normas: a de tributação, que criaria a obrigação tributária, e, posteriormente, a de isenção, que dispensaria o pagamento do tributo, o que poderia ser entendido como uma forma de “exclusão do crédito tributário”.

Não parece haver, todavia, a sucessão cronológica de normas a incidir como decorrência de um mesmo evento. Ou estas normas incidem logicamente sobre o mesmo acontecimento e tem-se um conflito normativo ou tratam de hipóteses de incidência diversas e incidem alternativamente, ou seja, apensa quando verificada sua previsão específica.

Ademais, já foi suscitado que por “exclusão” entende-se pôr de parte, expulsar, excetuar, afastar, tirar da lista e, consequentemente, demanda um método diacrônico mediante a superposição normativa em dois instantes cronologicamente distintos.119 Ademais, a exclusão do crédito não apresenta qualquer fator de distinção com as demais formas de “extinção do crédito”: excluir o crédito tributário em nada diferiria de extingui-lo, pondo a isenção tributária ao lado da prescrição, do pagamento, da compensação, da remissão etc..

118 Geraldo Ataliba ao tratar do tema afirmou: “Já fui dos que criticaram o Código, por conter noções

doutrinárias, mas hoje me rendo inteiramente à argumentação do Prof. Rubens, há alguns anos atrás, num curso, aliás, a meu convite, aqui na Universidade Católica, quando ele muito bem demonstrou para a correta aplicação do Código, a necessidade, em primeiro lugar, de termos de referência dos seus mandamentos e, em segundo lugar, a inequívoca utilidade prática de tais termos. Disse então uma frase de grande alcance, que foi decisiva no convencimento de todo o auditório: ‘se isto hoje não é mais necessário, eu me felicito com o Brasil; se continuar sendo necessário, não há razão para retirar.’ Isto, para mim, é razão suficiente para acolher definitivamente não só esta definição, como todas as outras que se contêm no Código.” (SOUSA, Rubens Gomes; ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 44-45).

A contradição seria evitada com o seguinte argumento: pelo CTN, uma vez ocorrido o evento tributário, a incidência da norma de tributação seria automática e infalível no preciso instante da ocorrência no mundo fenomênico, o que dispararia a obrigação tributária. O crédito tributário, por sua vez, só nasceria com o lançamento tributário exarado pela Administração Pública. Desta forma, a norma de tributação incidiria sobre o evento, mas dispensaria o pagamento por não exigir o lançamento tributário, excluindo assim o crédito.

Todavia, além dos problemas já estudados desta teoria mecanicista da incidência, separar a obrigação tributária do crédito tributário, pondo-os em momentos cronológicos diversos, é cindir o incindível para além de uma proposta didática e analítica: deixa de ser meramente uma aproximação que simplifica o objeto estudo. Retirar da obrigação tributária o crédito tributário é retirar um de seus elementos mais importantes e sem o qual ela não pode ser concebida. A obrigação tributária é composta pelo direito subjetivo, ao qual se dá o nome de crédito tributário, do sujeito ativo de exigir do sujeito passivo o cumprimento de um dever, ao qual se dá o nome de débito tributário, qual seja o de realizar uma prestação pecuniária.

Enfim, é de se dizer que “exclusão do crédito tributário” não é, em verdade, uma definição de isenção, porque sequer a diferencia de outro instituto tributário, a anistia, cuja referência do CTN é a mesma. Veja-se:

Art. 175. Excluem o crédito tributário: I - a isenção;

II - a anistia.

Não há como confundir institutos tão diversos. Enquanto a isenção volta-se para a obrigação tributária, resultante de um evento lícito (a norma de tributação), a anistia volta-se para a sanção pecuniária que decorre, obrigatoriamente, de um evento ilícito (infração tributária). A exclusão do crédito tributário é, em verdade, uma das consequências que o legislador tentou emprestar à norma isentiva. Porém, viu-se nos parágrafos acima que não houve êxito nesta campanha e o art. 175 do CTN teria um feito melhor se não houvesse sido escrito.

Uma definição, saliente-se, foi expressamente proposta no anteprojeto do Código Tributário Nacional que veio a se tornar a Lei n. 5.172 de 1966. Constava em seu corpo a seguinte redação: “Art. 141. Isenção é a dispensa legal do pagamento de tributo devido” que,

todavia, não veio a passar pelas casas do Congresso Nacional120. Não se deve, pois, encontrar na exclusão do crédito tributário ou na teoria exposta por Rubens Gomes de Souza e não adotada em definitivo no CTN uma definição positivada de isenção tributária, o que vem a exigir esforço mais aguçado para a interpretação da figura jurídica da isenção tributária.