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3.5 Métodos interpretativo e revogatório de solução de antinomias

3.5.1 Critérios de solução de antinomias pelo método da revogação

3.5.1.2 Antinomias de segundo grau

As antinomias de segundo grau, conforme já sustentado, são aquelas que existem entre sobrenormas de solução de conflito, ou seja, quando há antinomia entre duas ou mais normas que autorizam a aplicação de dois ou mais critérios: do conflito entre as normas N’ e N’’, existem as sobrenormas N’’’ e N’’’’ em que uma determina a manutenção de N’ e a outra indica a prevalência de N’’. Para a solução deste conflito, faz-se necessário reconhecer a prevalência de um critério sobre o outro.

Nos casos em que a norma N’ é superior, porém publicada anteriormente à norma N’’, tem-se o conflito entre os critérios de solução mediante hierarquia e cronologia, uma vez que o primeiro determina a prevalência da norma N’, enquanto o segundo impõe a manutenção da norma N’’. Entende-se, neste caso, que “se o critério cronológico prevalecesse sobre o critério hierárquico, o próprio princípio da ordem hierárquica das normas tornar-se-ia ineficaz, pois a norma superior perderia o poder, que lhe é próprio, de não ser ab-rogada pelas normas inferiores.”.275 Portanto, entende-se a prevalência da norma superior sobre a mais recente.

Se a norma N’ é superior, contudo publicada posteriormente à norma N’’, há também um conflito entre os critérios de solução mediante hierarquia e cronologia. Aqui se pode falar tanto em revogação como em perda do fundamento de validade da norma inferior: a norma

275 BOBBIO, Noberto. Teoria geral do direito. 3. ed. Trad. Denise Agostinetti. Revisão da trad. Silvana Cobucci

inferior não é recepcionada pela nova estrutura do ordenamento e também perde sua vigência para reger eventos que ocorram posteriormente ao início da vigência da norma superior.

Quando há uma norma N’ superior, porém geral em relação à norma especial N’’, tem- se o conflito entre os critérios de solução de hierarquia e especialidade, uma vez que o primeiro determina a prevalência da norma N’, enquanto o segundo impõe a manutenção da norma N’’. Novamente resolve-se o conflito em favor da hierarquia, não obstante, lembra Noberto Bobbio, ser comum, na prática, que leis especiais, ainda que ordinárias, prevaleçam sobre a lei constitucional.276

Verifica-se também um conflito entre os critérios de solução de hierarquia e especialidade quando a norma N’ é superior, contudo especial em relação à norma geral N’’. Mais uma vez entende-se que a norma superior afasta a norma inferior naquilo em que forem antinômicas.

Se, no entanto, a norma especial N’ entra no sistema positivo antes da norma geral N’’, e ambas são de mesma hierarquia, encontra-se o conflito entre os critérios de solução de especialidade e cronologia, porquanto aquele determina a prevalência da norma N’, enquanto este impõe a manutenção da norma N’’. Deve-se solucionar este conflito mantendo a norma especial, mesmo que anterior, motivo pelo qual se entende prevalecer a norma especial sobre a posterior: lex posterior generalis non derrogat priori specialis277. Não obstante, segundo Maria Helena Diniz, este metacritério é parcialmente inefetivo e não tem valor absoluto, pois a preferência entre um critério e outro não é evidente, constatando-se uma oscilação entre eles. Segundo a professora da PUC/SP, “Não há uma regra definida; conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro critério.”.278

Todavia, assim como ocorre com o argumento de Noberto Bobbio de que, na prática, aplicam-se normas inferiores-especiais em desrespeito a normas superiores-gerais, a verificação social ou mesmo as contradições internas do sistema não afastam a validade da sobreposição do critério hierárquico sobre o especial ou da mantença do especial sobre o cronológico. O descumprimento as normas não lhes retiram sua validade ou vigência no sistema jurídico. O que afasta o cumprimento da sobrenorma “norma especial anterior afasta norma geral posterior” é que, no direito positivo brasileiro, novamente em decorrência do art.

276 BOBBIO, Noberto. Teoria geral do direito. 3. ed. Trad. Denise Agostinetti. Revisão da trad. Silvana Cobucci

Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 265.

277 Ibid., p. 264.

2º, §2º, a lei especial e a lei geral não modificam ou revogam uma a outra, independentemente de qual das duas veio primeiro no tempo.

Por último, tem-se a possibilidade do conflito entre os critérios de cronologia e de especialidade quando a norma especial N’ posteriormente incluída no sistema à norma geral N’’. Noberto Bobbio sequer trata desta situação, mas sua conclusão não seria outra senão a de que, novamente, a norma especial sobrepõe-se à norma geral, independentemente do critério temporal do caso por ser uma questão de justiça, de “tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diversas”279.280

Conclui-se, então, também pela aplicação de duas regras que solucionam as antinomias de segundo grau: 1) norma superior anterior afasta norma inferior posterior; 2) norma superior geral afasta norma inferior especial. A terceira sobrenorma que diz “norma especial anterior afasta norma geral posterior” é inaplicável no ordenamento pátrio.

Em soma, pode-se lembrar de que existem três critérios e nada impede que se verifiquem conflitos de terceiro grau entre normas, quando, por exemplo, a norma superior N’ é especial e posterior à norma N’’, que é, consequentemente, inferior, geral e anterior a N’, entre outras combinações possíveis. A solução fica mais simples quando se afirma a prevalência, em qualquer situação, do critério superior sobre os dois outros critérios. E, como será adiante melhor explicado, normas especiais e gerais podem ser melhor examinadas mediante o método interpretativo e não o revogatório, percepção que ajuda a afastar a antinomia e impede o conflito entre os critérios da especialidade e da cronologia: resolve-se o primeiro pela interpretação e, se ainda persistir conflito, é que utiliza-se o segundo. Analise-se primeiro como o ordenamento pátrio põe sobrenormas para a solução de antinomias.

279 BOBBIO, Noberto. Teoria geral do direito. 3. ed. Trad. Denise Agostinetti. Revisão da trad. Silvana Cobucci

Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 253.

280 Neste sentido, Maria Helena Diniz afirma que “Para Bobbio, a superioridade da norma especial sobre a geral

constitui expressão da exigência de um caminho de justiça, da legalidade à igualdade, por refletir, de modo claro, a regra da justiça suum cuique tribuere.” (Conflito de Normas. 2. ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 40-41).