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Isenção e o critério subjetivo no antecedente

4.2 A influência da isenção na hipótese tributária

4.2.1 Isenção e o critério subjetivo no antecedente

É certo que, se o verbo do critério material é sempre pessoal, ele o é por ser praticado ou sofrido por um sujeito. Em outras palavras, independentemente do sujeito ser o agente, pois pratica a ação, ou ser o paciente, por receber a ação, há sempre um sujeito que realiza o verbo. Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho já acentua que o verbo constante do critério material do antecedente deve ser invariavelmente um verbo pessoal, pois trata do comportamento de uma pessoa.328 Para o professor paulista, o agente não está previsto na regra-matriz de incidência tributária, não obstante admita que ele existe, restando oculto no antecedente, pois a relevância jurídica estaria apenas na previsão do sujeito passivo, constante do consequente, sobre quem recai o ônus do pagamento. A dúvida, portanto, não está na existência de um sujeito que realize a ação, mas na relevância de se ressaltá-lo quando da construção da norma jurídica de tributação e, consequentemente, de acrescentar este como um quarto critério da hipótese da regra-matriz de incidência tributária. Robson Maia Lins, ao analisar o tema, expõe interessante argumento:

[...] a estrutura proposta pelo Prof. PAULO DE BARROS CARVALHO quando desenhou a Regra-Matriz de incidência tributária é minimal. Aqueles critérios são suficiente para a existência da relação jurídica tributária. Entretanto, muitos outros critérios podem ser aglutinados em torno dos já conhecidos, visto que, conforme o legislador e o Cientista descreve e sistematiza o produto legislador, muitas outras informações são necessárias para que o tributo nasça, tenha sua exigibilidade suspensa e, finalmente, seja extinto.329

Parece, contudo, que sem um sujeito no antecedente não é possível construir logicamente a regra-matriz de incidência tributária, porquanto haveria casos em que se teriam hipóteses tributária sem obrigações tributárias correspondentes, v.g. a isenção do imposto sobre a renda resultante do trabalho assalariado para os servidores diplomáticos de governos estrangeiros, prevista na Seção 9ª do Decreto n. 52.288/1963330, ou mesmo para aqueles portadores de doença grave, constante do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988331. Nestes casos,

328 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 290. 329 LINS, Robson Maia. A Mora no Direito Tributário. Tese (doutorado em direito) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo: PUC-SP, 2008, p. 124.

330 9ª Seção: As agências especializadas, seu ativo, renda e outros bens serão: Isentos de todos os impostos

diretor [sic]; fica entendido, porém, que as agências especializadas não reclamarão isenção de taxas que, de fato, são apenas tarifas de serviços públicos.

331 Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte [sic] rendimentos percebidos por pessoas físicas: XIV

ter-se-ía a curiosa situação em que o mesmo fato “auferir renda” implicaria consequências jurídicas ou não, sendo impossível ao intérprete, apenas da verificação da ocorrência no mundo fenomênico determinar se o fato é tributário.

Ainda, é possível haver norma isentiva que não delimite o critério pessoal no sujeito passivo e ainda assim inexista a obrigação tributária, porque o sujeito que realiza o verbo é diferente do sujeito para quem nasceria o dever de pagar, como nos casos de substituição tributária, o que explica a aplicação do regime tributário do substituído e não do substituto na substituição tributária332: o evento jurídico tributário, por se enquadrar nos casos de isenção, implica a imediata e preferencial restituição da quantia paga ao substituído, nos termos do art. 150, §7º, da Constituição Federal333.

Exemplifique-se com um caso hipotético do Imposto sobre a Renda (IR) de pessoa física, em que Tício não é isento, mas Caio o é por ser portador de moléstia grave:

portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma.

332 Segundo Paulo de Barros Carvalho: “É preciso dizer que não se perde de vista o substituído. Ainda que não

seja compelido ao pagamento do tributo, nem a proceder ao implemento dos deveres instrumentais que a ocorrência suscita, tudo isso a cargo do substituto, mesmo assim permanece a distância, como importante fonte de referência para o esclarecimento dos aspectos que dizem com o nascimento, a vida e a extinção da obrigação tributária. Está aí a origem do princípio segundo o qual o regime jurídico da substituição é o do substituído, não o do substituto. Se aquele primeiro for imune ou estiver protegido por isenção, este último exercitará os efeitos correspondentes. Ao ensejo do lançamento, a lei aplicável há de ser a vigente no instante em que ocorreu a operação praticada pelo substituído, desprezando-se a do substituto.” (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 193).

333 Art. 150, § 7.º: A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo

pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

O exemplo acima simplifica o argumento ao se perceber que o evento jurídico de Tício e Caio são o mesmo “auferir renda” e ambos subsomem-se à hipótese tributária, não obstante um venha a constituir obrigação tributária, tornando-se sujeito passivo, enquanto o outro não (∅ = vazio). É certo que não se deve chamar o “auferir renda” de Caio de fato jurídico tributário porque, efetivamente, não há norma individual e concreta a ser posta no sistema por não haver incidência da norma geral e abstrata do IR em razão da discrepância do consequente. Mas a situação pode esclarecer a necessidade de impor o critério subjetivo no antecedente da norma de tributação com fins a estabelecer, ainda para os eventos, traços que os diferenciem e, assim, reconhecer aqueles que são passíveis de tradução em linguagem jurídica, a fim de constituir o fato tributário, e os que não são passíveis de tradução, não vindo a cria-los.

Demonstra-se mais coesa outra construção em que não se fala de fato jurídico tributário nas isenções por inexistir subsunção, também, à própria hipótese tributária em razão do sujeito que realiza o verbo. Ao se negar a incidência da hipótese tributária às características encontradas nas marcas enunciativas do evento, evita-se tratar de fatos idênticos em que um sofreria causalidade jurídica ao passo que o outro não. Ademais, mantêm-se firme as características da lógica deôntica ao não afastar da norma de tributação a validade de sua estrutura hipotética-condicional: se verificada a hipótese, sempre, haverá um consequente. Neste sentido:

O raciocínio não é novo. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho, os aspectos mais significativos da hipótese tributária são quatro: “o pessoal, o material, o temporal e o espacial. O aspecto pessoal da hipótese de incidência diz respeito à pessoa envolvida com o fato eleito como jurígeno – para fins tributários – pelo legislador.”334. O uruguaio José Luiz Shaw também afirma que o sujeito constante do antecedente condiciona o fato jurídico, diferenciando-se do aspecto subjetivo constante do consequente335. No mesmo sentido, segundo Luís Cesar Souza de Queiroz “Não existe a menor possibilidade de se imaginar uma norma impositiva de imposto que não possua um critério pessoal em seu antecedente.”336.

O critério é tão relevante que Paulo de Barros Carvalho fala expressamente na inscrição pelo legislador de um sujeito (sem personalidade) na hipótese tributária nos casos de responsabilidade com fins a explicar a capacidade contributiva nesta situação em que quem realiza o verbo não é a mesma pessoa sobre quem recai a obrigação tributária:

Sempre que o legislador inscrever, na hipótese normativa, sujeito sem personalidade jurídica, outorgando-lhe capacidade para realizar o acontecimento tributário, prescreve o vínculo com a indicação de pessoa física ou jurídica, escolhida no quadro daquelas previstas e admitidas no segmento das regras de direito privado, para o fim de responsabilizar o ente que promoveu o evento.

Propõe-se o nome “critério subjetivo” com o escopo de estipular uma diferença entre o sujeito que consta no antecedente com o sujeito passivo que aparece no “critério pessoal” do consequente, evitando ambiguidades. Efetivamente tratam-se de critérios diferentes com funções e, possivelmente, pessoas diferentes, pois não é necessário que o sujeito passivo da norma de tributação seja a pessoa que realiza o verbo.

334 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração Tributária

(O Significado do art. 116, parágrafo único do CTN). 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 92.

335 Segundo José Luiz Shaw, a hipótese tributária [fato gerador] “contiene muchas veces – aunque no siempre –

un aspecto subjetivo que también lo condiciona. No debe identificarse el mismo con el aspecto personal o subjetivo de la consecuencia normativa tributaria, esto es con la determinación de los sujetos pasivos de la relación jurídica tributaria.” (SHAW, José Luiz. Impuesto al Valor Agregado – Hecho Generador. Montevideo: Acali, 1978, p. 16 apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração Tributária (O Significado do art. 116, parágrafo único do CTN). 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 93).