• Nenhum resultado encontrado

Validade (juridicidade), vigência e eficácia

O sistema de direito positivo é um conjunto de normas jurídicas. Mas o que determina que uma norma é jurídica? A existência da norma secundária, a estabelecer uma obrigação ao Estado-juiz para solucionar um conflito de interesses resultante da discordância sobre ou o descumprimento de uma norma primária. Apresentado o direito como um sistema, ele próprio determina sua produção e é tomado como autopoiético. A norma, pois, é jurídica se for produzida de acordo com as normas de competência. Juridicidade da norma passa a ser usada como sinônimo de validade.

Neste sentido, a norma N’ é jurídica, é válida, quando mantém relação de pertinência com um determinado sistema S’. É neste sentido que o sistema jurídico regula aquilo que lhe pertence ou não, ou seja, é o próprio ordenamento que determina se a norma N’ é válida. Sua

41 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. São Paulo:

invalidade impõe sua não juridicidade e, consequentemente, implica sua inexistência em determinado sistema S’. Ao jurista basta o cotejo entre as normas de produção normativa (norma de competência) e a norma que se pretende observar válida ou não válida: se for pertinente ao sistema (ato de fala com procedimento completo realizado por autoridade competente, de acordo com a teoria das fontes do direito) a norma será válida.

Destarte, validade não é qualidade de norma, mas a relação desta com o ordenamento: várias normas determinam os agentes competentes e os procedimentos corretos para que uma norma seja produzida. Se esta estiver em acordo com as normas de competência, então existirá/será-válida; senão, não-existirá/será-inválida.

Sintaticamente, todo sistema apresenta formas de construção e transformação. São as regras de inferência que permitem transitar, validamente, de uma fórmula para outra, mantendo-se dentro do sistema. É assim que se juridiciza novas relações do mundo social, se altera as relações de notas de fatos já juridicizados ou, por outro lado, se desjuridicizam-nos: é o que se chama de duplo ingresso, melhor explicado por Fabiana Del Padre Tomé:

Esse duplo ingresso opera-se do seguinte modo: o sistema jurídico sai do lado interno da forma e vai até o lado externo – sistema social – para buscar uma comunicação que deseja disciplinar, trazendo-a de volta ao interior da forma, para dar-lhe tratamento segundo seu código, que é lícito/ilícito.42

Já a vigência é efetivamente a propriedade que algumas normas jurídicas possuem, a força para regular, disciplinar, reger as condutas inter-humanas. Pode ser plena, quando atua sobre eventos que aconteceram anteriormente e eventos que venham a acontecer, isto é, na teoria de Tércio Sampaio Ferraz Jr.43, ainda mantém seu “vigor”, ou parcial, se mantiver o vigor apenas para os eventos já ocorridos, sem atingir aqueles relatos que remetam a acontecimentos que se deram após algum momento estipulado.

Existência e validade se confundem do ponto de vista do participante do direito (intérprete autêntico, para falarmos com Kelsen). Assim, a norma N’ é válida/existente se mantiver relação de pertinência com um determinado sistema S’; quando produzida por agente competente mediante procedimento adequado. Vigência é a propriedade que algumas normas jurídicas possuem, é a força da lei para regular, disciplinar, reger as condutas inter-

42 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 47.

43 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. rev.

humanas.

A eficácia no direito pode ser estudada sob dois vieses intrasistemáticos: o jurídico e o técnico. O primeiro é a característica do fato jurídico implicar o fato relacional, ou seja, é a propriedade que sintetiza a vontade contida na norma, o dever-ser. O fato, só é jurídico, porque implica uma consequência no mundo jurídico que não se daria não fosse a previsão geral e abstrata jurídica. Eficácia jurídica é a causalidade jurídica, a irradiação dos efeitos jurídicos face à constituição do fato no mundo do direito positivo. Ocorre sempre que um fato é relatado em linguagem competente em razão da força da causalidade normativo-jurídica. É, consequentemente, qualidade de fatos jurídicos e não de normas jurídicas.

O segundo é a capacidade da norma de juridicizar eventos ocorridos: além da força para regular (vigência), efetivamente, no caso concreto, regula-o. Confunde-se, pois, com a aplicação. Uma norma aplicada é uma norma a manifestar eficácia técnica. Quando uma norma não possui eficácia técnica, diz-se ineficaz. A ineficácia técnica pode ser semântica, pela impossibilidade material de realizar seu relato, como a impossibilidade de produção de provas e, consequente, de sua aplicação, ou sintática, quando outra norma jurídica impede sua aplicação, como a resolução do Senado Federal em decorrência de declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso, ou há a necessidade de produção de outra norma que a regulamente e que ainda não tenha sido editada.

Observe-se que a ineficácia técnica sintática impede a transição do subsistema S2 para

o subsistema S3, ou seja, da proposição jurídica isolada (normas jurídicas em sentido amplo)

para a construção da norma jurídica em sentido estrito na estrutura lógica do condicional. A ineficácia técnica sintática não é caso de revogação de normas, apenas a impossibilidade de construção de uma norma em razão de outra. Isso será melhor explanado nos capítulos quatro e cinco adiante.

Há uma forma extrasistemática de observar a eficácia no direito. A chamada eficácia social que reflete o cumprimento, a obediência, das normas pelos seus destinatários. É de índole sociológica, de Sociologia do Direito, e, consequentemente, não interessa à Dogmática Jurídica. A norma permanece válida e vigente, mesmo que socialmente ineficaz.

1.4 Normas jurídicas gerais, abstratas, individuais e concretas: uma classificação das