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O dicionário Houaiss da língua portuguesa apresenta mais de treze acepções para o verbete “sistema”212. Kant trata sistema como uma unidade de conhecimentos diversos sob uma determinada ideia, um conceito racional da forma de um todo, sendo este todo “um sistema organizado (articulado) e não um conjunto desordenado (coacervatio)”213. Acrescentam-se as acepções de “qualquer totalidade ou todo organizado” e “qualquer teoria científica ou filosófica” apresentadas por Nicola Abbagnano214. Estipula-se, então, para os fins do presente estudo, que sistema é um conjunto de elementos inter-relacionados por um princípio unificador.215

212 HOUAISS. Instituto Antonio Houaiss. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão

monousuário, 3.0. CD-ROM. Rio de Janeiro: Objetiva, jun. 2009, s.v. sistema.

213 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 669.

214 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:

Martins Fontes, 2007, p. 1077.

215 “O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento

humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de conhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denominada sistema. Os elementos de um sistema não constituem o todo, com sua soma, como suas simples partes, mas desempenham cada um sua função coordenada com a função dos outros.” (ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, p. 4).

O signo “ordenamento” – também ambíguo – é ato ou efeito de ordenar, “colocar (série de pessoas ou coisas) em (certa ordem), dispor de forma organizada, dar forma regular ou harmônica às partes de (um todo); arrumar, organizar”216. Por ordenamento jurídico, então, tem-se a disposição de forma organizada de enunciados prescritivos. Neste uso, aproxima-se bastante da noção de sistema, por exigir forma regular e harmônica de um conjunto de elementos que converge para a (ou ramifica da) norma fundamental.

É bem verdade que autores de calibre apresentam distinções didáticas deveras relevantes, além de diversas. Gregorio Robles, por exemplo, reduz a definição de sistema ao produto da Ciência do Direito e a de ordenamento apenas à ordenação do material jurídico e sua interpretação, o texto bruto217.

Carlos E. Alchourrón e Eugenio Bulygin tratam do ordenamento como uma espécie do gênero sistema: “Chamaremos ordenamento ao conjunto formado por todos os enunciados válidos conforme certo critério de identificação”, bem como “o conceito de ordenamento é um caso especial – em certo sentido um caso limite – do conceito mais geral de sistema”218. Esses dois autores argentinos dão ênfase às observações dinâmicas e estáticas do direito. Entendimento semelhante é esposado por Tárek Moysés Moussallem, ao apresentar o sistema na visão estática e o ordenamento na dinâmica “(SDP1 U SDP2 U SDP3 U SDPn) OJ”219,

onde se lê: a união dos sistemas de direito positivo equivalem ao ordenamento jurídico. Todavia, estas aproximações do objeto podem ser realizadas sem se afastar o predicado “sistema” ao objeto de estudo: o que se analisa efetivamente e em ambos os casos é o “Sistema Jurídico”220.

A assertiva de tratar como sinônimos “ordenamento” e “sistema” se sustenta ao afirmar-se que o conjunto de enunciados prescritivos está em harmonia com um princípio fundamental: a Constituição Federal de 1988. Os que assim não forem reconhecidos, devem ser expulsos do sistema, conforme sua própria – do sistema – disposição. Ademais, estão

216 HOUAISS. Instituto Antonio Houaiss. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão

monousuário, 3.0. CD-ROM. Rio de Janeiro: Objetiva, jun. 2009, s.v. ordenamento.

217 MORCHÓN, Gregorio Robles. Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho.

Madrid: Civitas, 1998, p. 111.

218 ALCHOURRÓN, Carlos Eduardo; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y sociales. Buenos Aires: Astrea, 2006, p. 121. No original: “Llamaremos ordenamiento al conjunto formado por todos los enunciados válidos conforme a un cierto criterio de identificación.” e “El concepto de ordenamiento es un caso especial – en cierto sentido un caso límite – del concepto más general de sistema”.

219 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 131. 220 Neste sentido, Tácio Gama Lacerda ressalva que “‘Ordenamento’ e ‘sistema’ significariam, sob este ponto de

vista, realidades distintas, construídas a partir de observações dinâmicas e estáticas”. (Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 124).

dispostos com um mínimo de forma organizada; negar esta assertiva implicaria um caos inadmissível ao conhecimento e o direito não cumpriria sua função de regular condutas. Ora, o direito positivo é tanto sistema quanto ordenamento. Raciocínio idêntico é aplicado à Dogmática que trata de descrever e organizar de forma mais precisa o ordenamento: um sobresistema de proposições descritivas do sistema-objeto de proposições prescritivas.

Neste norte, não se encontra qualquer diferença sensível que requeira distinguir ordenamento de sistema, senão motivos didáticos. Seus significados são tão próximos que se lhos utiliza neste trabalho dissertativo como sinônimos. A diferenciação dependerá apenas de uma estipulação a ser realizada pelo cientista com fins a facilitar a análise. Fica-se, destarte, com Paulo de Barros Carvalho221, Lourival Vilanova222, Tercio Sampaio Ferraz Jr. 223, entre outros, segundo os quais a Ciência Jurídica e o próprio direito positivo apresentam os predicados necessários para serem qualificados como sistema, a forma-das-formas ou forma- total-limite de Husserl224.

3.1.1 A unidade do sistema normativo

A norma jurídica em sentido estrito é o átomo do sistema jurídico. Porém, este não existe por suas partes, mas pelo seu conjunto. O sistema é um plexo de normas e todas estas normas, em um nível maior ou menor, se interligam para tecer o sistema. A construção da norma, portanto, deve ser realizada ao levar em consideração outras normas ou o sistema perde a característica de ser sistema. Tácio Lacerda Gama, em excelente passagem, afirma que “O ser norma jurídica, porém, não o é isoladamente. Uma proposição jurídica surge, ganha forma, sentido, função e se extingue pelo fato de existirem outras normas. Isso nos leva a afirmar que: uma norma é jurídica na relação com outras normas, também jurídicas.”225.

221 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Noeses,

2009, p. 214.

222 VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005, p.

176.

223 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed.

rev. amp. São Paulo: Atlas, 2008, p. 146.

224 VILANOVA, op. cit., p. 181.

225 LACERDA, Tácio Gama. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo:

Segundo Lourival Vilanova, se toda norma provém de norma, o conjunto (o sistema) é ontologicamente bastante em-si-mesmo. Mas há o problema do fundamento inicial do sistema, a Constituição:

Como o sistema requer um ponto-origem, e não se dilui numa sequência interminável de antecedentes, há que se deter por uma necessidade gnosiológica, numa norma fundante, que não é positivo, por não ter uma sobrenorma da qual seja aplicação. É uma norma pressuposta, uma hipótese-limite que confere conclusividade ou fechamento ao conjunto de normas que é o direito.226

Toda norma jurídica encontra fundamento de validade em outra norma jurídica. A verificação de valimento é realizada dialeticamente, iniciando-se no ponto mais superior e descendo até a norma mais inferior e, ao contrário, iniciando-se na norma mais inferior e subindo à norma mais superior. No ápice, tem-se a norma fundamental necessária para o fechamento do sistema jurídico. É neste ir e vir do jurista, observador e participante, que se observam as positivações e a derivações das normas jurídicas, garantindo a dinâmica do sistema, sem impedir, contudo, o corte epistemológico que separam o átomo do todo. Paulo de Barros Carvalho ensina que:

Positivação e derivação não são processos simétricos. Positivação é sequência de atos ponentes de normas no quadro da dinâmica do sistema. Seu trajeto é uniforme e a direção, sempre descente. Já a derivação é operação lógico-semântica em que se articula uma unidade normativa a outras que lhe são sobrepostas ou sotopostas na hierarquia do conjunto. Cada impulso de positivação provoca um vínculo de derivação. Com isso, o jurista compõe o cálculo de normas, conjugando-as para agrupá-las, mediante iniciativas de coordenação ou em movimentos ascendentes e descendentes sugestivos de subordinação. Da norma hipotética fundamental (Kelsen), atravessando o domínio até chegar às normas terminais do sistema, nas imediações das condutas intersubjetivas, há extenso caminho a ser percorrido. Mas o interessado pode circunscrever porções de normas e montá-las como subsistema, limitando a atividade intelectual a certos núcleos semânticos que melhor satisfaçam suas preocupações de pesquisa.227

O sistema jurídico pátrio tem um alicerce fundamental, qual seja a Constituição Federal de 1988, produto da norma fundamental pressuposta. Todas as demais normas devem ser construídas a partir de sua leitura: novos enunciados prescritivos devem ser produzidos de acordo com as normas constitucionais. Isto se aplica às normas gerais e abstratas, gerais e

226 VILANOVA, Lourival. Teoria da Norma Fundamental (Comentários à margem de Kelsen). In. ______. Escritos Jurídicos e Filosóficos. v. 1. São Paulo: Axis Mvndi; IBET, 2003, p. 303. v.1.

227 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p.

concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas, seja qual for o procedimento, seja qual for o agente competente.