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Isenção tributária objeto do presente estudo

2.3 As diversas acepções do termo “isenção” na Constituição Federal de 1988

2.3.3 Isenção tributária objeto do presente estudo

Os demais usos do termo “isenção” e seus correlatos parecem estar relacionados a um mesmo conceito, o qual perfaz o objeto de estudo estabelecido para esta dissertação. A primeira menção consta no art. 43, §2º, III. No caput deste dispositivo, o Constituinte autoriza a União a “articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais” e, como meio para efetivar estas ações, elenca em quatro incisos “incentivos regionais, na forma da lei”, dentre os quais “isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas”. Parece que o Constituinte utilizou o termo “isenções” aqui como uma forma de incentivo fiscal, com fins a estimular e desenvolver regiões para reduzir desigualdades.

Mediante o art. 150, §6º, veda-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios conceder, sem lei específica que regule exclusivamente as matérias ou o

correspondente tributo, “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições”. O texto foi mal redigido. Pelo uso de dois disjuntores “ou” e de tantas vírgulas, várias são as interpretações sintáticas possíveis para este texto. Subsídio como sinônimo de isenção. Subsídio e isenção como sinônimos de redução de base de cálculo, de concessão de crédito presumido e de anistia. Subsídio diferente de isenção e esta como sinônimo de redução de base de cálculo, de concessão de crédito presumido, de anistia e de remissão. Ou ainda todos os seis como institutos individuais.

O termo subsídio é utilizado em diversas áreas do direito. No direito administrativo, no contexto do art. 39, §4º, da CF, defini-se-lo como “denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio dos pagamentos mensais de parcelas únicas”112. No direito financeiro, subsídio aparece como auxílio mediante custeio de despesas, seja intergovernamental, da União para os Estados e Municípios, por exemplo, com fins a estimular serviços indispensáveis, também chamados de grants-in-aid nos países de língua inglesa, ou internacionais, ocorrendo de governo para governo ou para organizações mundiais, ou por intermédio destas, para diminuir o valor de mercadorias com fins a estimular o desenvolvimento113. Ainda pode ser visto como espécie de subvenção114. Observa-se que há uma grande disparidade entre o termo “subsídio” e “isenção tributária”, bem como parece não haver confusões no direito positivo de que isenção também não se confunde com a anistia ou a remissão, em que a primeira perdoa prestações pecuniárias decorrentes de ilícito tributário (multas), em razão do descumprimento de obrigações tributárias ou de deveres instrumentais, e a segunda perdoa a própria obrigação tributária, desde que introduzida no ordenamento após a constituição desta, retroagindo, pois.

O art. 151 da CF, sito na seção dispensada às “limitações do poder de tributar”, é especialmente rico para o estudo das isenções. Ele delimita a competência tributária da União em seus dois primeiros incisos. O primeiro impede a instituição de tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a algum dos outros entes federados, excetuando apenas a previsão do art. 43 da CF. Ou seja, apenas é possível que seja criado tributo federal não uniforme no território nacional se

112 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. atual. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 258.

113 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14. ed. rev. atualizada por Flávio Bauer

Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 73 et seq.

114 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro:

destinado a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País. E uma destas formas de instituir a não uniformidade é a isenção (art. 43, §2º, III). Ao estabelecer a isonomia dos tributos federais a favor dos cidadãos, o Constituinte abre uma ressalva importantíssima a este princípio: a concessão de benefício fiscal mediante a instituição de isenção tributária. Autoriza-se o tratamento tributário diferenciado para diferentes regiões do país, desde que haja o objetivo de promover desenvolvimento sócio- econômico de regiões menos favorecidas. A isenção, pois, aparece aqui como um instrumento para atingir este fim.

A segunda vedação, constante do art. 151, II, praticamente repete a primeira ao recair sobre a tributação não uniforme da União sobre a renda (“remuneração” e “proventos”) dos agentes públicos dos demais entes federados e, inova, determina também a impossibilidade de tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A última vedação do art. 151, III, da CF, extremamente relevante, impede que a União invada a competência tributária impositiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Inclusive, a dicção do dispositivo pode ser entendida de forma mais ampla e impedir, também, que os Estados não intervenham na autonomia legislativa tributária de seus Municípios. Lido isoladamente, este dispositivo pouco acrescenta no estudo. Mas posto em contexto, pode-se construir um sentido bastante relevante a partir deste dispositivo constitucional.

A repartição constitucional de rendas é a distribuição, mediante competências, dos diversos tributos previstos na Constituição Federal de 1988 para cada ente político poder efetuar sua respectiva arrecadação financeira. “Assim, cada uma das pessoas políticas recebe competência impositiva, podendo dela utilizar-se ou não, sem interferência das demais pessoas políticas”115. De acordo com esta forma de estabelecer a competência tributária adotada pelo Constituinte, tem-se uma decorrência lógica: um ente não pode se imiscuir no âmbito competencial do outro. Estes são os fundamentos do Brasil como uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal (art. 1º). Trata-se de um pressuposto da forma federativa do Estado brasileiro a mantença da autonomia de seus entes. Sem autonomia, “nos termos da própria Constituição” (art. 18), não há estado federado.116 Parte desta autonomia reside no impedimento de que um ente político

115 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 2002, p. 89.

116 “Exsurge a federação como associação de Estados (foedus, foederis), para formação de novo Estado (o

institua imposto sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, a conhecida imunidade recíproca do art. 150, VI, a. Outra parte relevante pode ser encontrada na impossibilidade de reduzir (ou mesmo majorar) a arrecadação de tributos uns dos outros. Esta é a garantia que pode ser encontrada no art. 151, III. Aqui, a isenção aparece como impedimento de um ente tributário se imiscuir na competência tributária impositiva de outro ente político para reduzir- lhe a arrecadação tributária. E, portanto, apresenta uma acepção mais ampla, indicando não apenas a impossibilidade da União intervir legislativamente nos demais entes políticos para afastar a tributação de determinado setor, área sócio-geográfica, situação ou pessoa, mas de simplesmente reduzir a própria carga tributária, incluindo, portanto, mera redução de base de cálculo ou de alíquota, hipótese que certamente vergastaria a forma federativa de Estado, solapando a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Veda-se qualquer tipo de produção normativa por ente político que vergaste a autonomia dos demais. A isenção assim aparece como uma forma de garantia do princípio federativo. Não se trata de impedir que um ente apenas afaste o nascimento da relação tributária decorrente de um tributo repartido constitucionalmente para outro ente, mas que, independentemente de motivos, procedimentos e finalidades, altere de alguma forma a norma de tributação que não lhe caiba em sua própria competência. Ao majorar ou reduzir uma alíquota ou uma base de cálculo pode-se alterar sobremaneira a política financeira, econômica, educacional, ambiental do ente político como decorrência dos efeitos extrafiscais inerentes a todos e quaisquer tributos. Intervir na competência tributária impositiva alheia é uma afronta das mais graves à autonomia como forma de garantia a forma federativa de estado, nos termos delineados pela própria Constituição Federal de 1988. Argumento este que pode ser estendido aos Estados, ao quais também não podem interferir na tributação dos Municípios. Neste dispositivo, a isenção não se apresenta como uma delimitação da competência tributária, apesar de ser utilizada para estabelecer esta limitação ao garantir a autonomia legislativa aos entes políticos em matéria tributária. Esta proibição, no entanto, ao limitar a competência tributária de um ente sobre o outro, converge com a repartição constitucional de rendas, tornando-se até dispensável, não fosse seu teor retórico e quase pedagógico, explicitando uma característica inafastável da federação brasileira.

‘autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal’ (Sampaio Dória), caracterizadora de sua igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos extraem suas competências da mesma norma (Kelsen).” (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. Atualizada por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 38).

Ainda, é com fundamento neste dispositivo que se fala na inexistência de isenções heterônomas no ordenamento pátrio, caso que, desde já, se pode ressaltar duas exceções previstas na própria CF/88, quais sejam aquelas dos art. 155, § 2º, XII, e, e art. 156, § 3º, II, respectivamente, que autorizam a União a excluir da incidência do ICMS e do ISS as exportações para o exterior de operações relativas à circulação de mercadorias, prestação de serviços e outros produtos. Por “excluir da incidência” se entende “isentar”. A discussão quanto à extensão a ser aplicada a este dispositivo em casos de isenção concedida em tratados internacionais será atacada em momento oportuno adiante.

Mais adiante, o art. 155, §2º, II, realça o sentido de isenção ao determinar que o ICMS será não-cumulativo, exceto nos casos de isenção ou não-incidência, quando não implicará crédito para compensação e acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores, salvo se a legislação determinar em contrário. Mais uma vez a imprecisão do legislador põe em xeque a interpretação do dispositivo. Isenção e não-incidência são sinônimos ou duas figuras distintas? O “ou” pode estar fazendo função de disjuntivo inclusivo ou exclusivo.

Tem-se novamente o uso da isenção ao lado de incentivos e benefícios fiscais no art. 155, §2º, XII, g, ao estabelecer que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, esses poderão ser concedidos e revogados para fins de ICMS. Uso bem parecido com aquele disposto no art. 156, §3º, III, que também impõe lei complementar para regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais do ISSQN serão concedidos e revogados.

O art. 165, §6º, exige, para o projeto de lei orçamentária, um demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Mais uma vez as isenções, remissões e subsídios estão como conceitos próximos de benefícios fiscais, além de, no caso, benefícios financeiros e creditícios. A exigência volta-se à adequação das contas públicas pela previsão das receitas e despesas.

O art. 36 dos ADCT, por sua vez, trata da extinção de fundos existentes na data da promulgação da Constituição se não forem ratificados pelo Congresso Nacional no prazo de dois anos, excetuando aqueles resultantes de isenções fiscais que passem a integrar patrimônio privado e os que interessem à defesa nacional.

Enfim, no art. 88, II, dos ADCT, último dispositivo a tratar expressamente de isenção tributária na Carta Maior, tem-se a vedação dos Municípios de conceder isenções, incentivos e

benefícios fiscais que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima de dois por cento do ISSQN117, antes de ser editada a lei complementar que está prevista no art. 156, §3º, da CF.

Dessarte, pode-se concluir que a Constituição Federal de 1988 positivou a isenção tributária em vários sentidos: (i) delimitação da competência para a imposição tributária (art. 5º, inciso LXXIII, art. 184, §5º, e art. 195, §7º); (ii) forma de incentivo fiscal (art. 43, §2º, III, art. 150, §6º, e art. 151, I,); (iii) impedimento de redução da carga tributária de um ente político por outro (art. 151, III); (iv) sem apresentar qualquer característica que o individualize, pondo-a ora em oposição à não-incidência (art. 155, §2º, II), ora em um mesmo conjunto que incentivos e benefícios fiscais (art. 155, §2º, XII, g, art. 156, §3º, III), ora dando o mesmo tratamento de outras figuras, como anistia e remissão (art. 165, §6º, da CF e art. 36 e art. 88, II, ambos dos ADCT). Padece, pois, de indiscutível imprecisão terminológica.

A isenção tributária, nesse contexto, foi utilizada pelo Constituinte como uma previsão para, de alguma forma, afastar, impedir, excetuar ou dispensar o nascimento da obrigação tributária ou autorizar a autolimitação da própria competência tributária. Cada um destes termos, imprecisos ou não, representa uma vertente das várias teorias para a definição e a interpretação da fenomenologia da norma isentiva prevista na Constituição Federal de 1988. E esta é a parcela do direito constitucional objeto do presente estudo. A seguir, observe-se o tratamento dado pelo legislador infraconstitucional à isenção tributária.