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Unidade da norma de tributação: ausência de antinomia entre as normas de

Competência tributária foi definida no capítulo um como a norma jurídica em sentido estrito, modalizada como permitida ou obrigatória, que atribui aptidão a um sujeito para, em face de outro sujeito, alterar o direito positivo mediante a introdução de novas normas jurídicas que disponham sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. A competência tributária que especificamente trata do processo de produção normativa exclusivamente versados sobre a instituição de tributo é a chamada competência tributária impositiva.

O fundamento desta aptidão é encontrado na Constituição Federal de 1988 e em alguns outros diplomas jurídicos que a complementam, a exemplo do CTN, quando assim autorizado pela própria Carta Magna. O Constituinte, assim, atribuiu competência aos entes políticos, e apenas a eles, para instituírem tributos, sendo impossível sua renúncia ou sua delegação.

A norma jurídica de tributação, que se dá com o exercício da competência tributária impositiva, expede uma ordem e regula uma conduta como obrigatória para, em certas circunstâncias, haver o pagamento de um valor pelo contribuinte. A norma de isenção, ao contrário, determina certas condições em que a conduta de levar dinheiro aos cofres públicos em razão de tributo não é obrigatória. A princípio, portanto, parece haver uma antinomia em que uma norma determina como obrigatória a conduta, enquanto a outra a prescreve como obrigatória não realizar a conduta.

Todavia, ambas as normas voltam-se para a mesma situação fáctica. Ambas preveem uma ocorrência que expressa, de alguma forma, um signo de riqueza. Na norma de tributação, este signo de riqueza é um signo tributável, que impõe ao contribuinte a obrigação de levar pecúnia aos cofres públicos. Já na norma de isenção, este mesmo signo tributável não imputa ao contribuinte à obrigação de levar pecúnia aos cofres públicos. Do exposto, observa-se que, sempre, estas duas normas manterão entre si uma relação de especialidade, em que uma prevê situação fáctica contida na previsão da outra.

Em razão da competência tributária legislativa, podem os entes políticos realizar a tributação, ou seja, instituir tributos com o objetivo de financiar as atividades públicas constitucionalmente determinadas ou intervir na economia. O conjunto dos enunciados

prescritivos decorrentes deste exercício de competência tributária forma a norma de tributação, que é conformada pela norma de isenção.

Tem-se, pois, a “norma de isenção” e a “norma de tributação” que se voltam para a regulação de uma mesma e específica conduta, contrariamente modalizada, e estabelecem predicados muito semelhantes para a hipótese jurídica: o mesmo fato jurídico subsome-se a ambas, não obstante uma das duas abarcar outros fatos jurídicos. Uma sem a outra não é suficiente para regular a conduta perquirida pelo legislador. O dialogismo sempre presente entre os enunciados prescritivos manifesta-se com profundas consequências neste momento interpretativo do direito tributário. A vontade relevantemente expressa pelo legislador – agente competente –, independentemente de cronologia ou superioridade, estão postas em enunciados prescritivos distribuídos em vários documentos legais. Cabe ao aplicador conformar estes enunciados para estabelecer as condutas reguladas e sua modalização. Deve- se, pois, cuidar destas normas nos moldes adotados para a solução de conflitos entre normas especiais e gerais que admitem os seguintes gráficos302:

Reformula-se, então, a hipótese tributária para conter apenas os elementos necessários e afastar aqueles elementos que essencialmente não podem ser verificados no evento jurídico tributário, pondo um fim à situação antinômica.

Um ponto deve ser melhor precisado para evitar confusões: não há efetivamente um confronto entre a norma de tributação e a norma de isenção, porque no momento do cotejo das significações jurídicas, ainda não há propriamente a norma jurídica em sentido estrito – aquela que se constrói com o método da regra-matriz de incidência tributária. Há uma antinomia entre normas gerais e especial no momento de passagem da interpretação proposições referentes aos enunciados prescritivos jurídicos individualmente considerados, previamente à estruturação das proposições jurídicas na forma lógica hipotético-condicional.

Há uma norma em sentido amplo N’ no sistema que determina “todos devem pagar imposto sobre a renda”. Há outra norma em sentido amplo N’’ que prescreve “as pessoas

acima de 60 anos não devem pagar imposto sobre a renda”. A norma de tributação deve, então, ser construída no sentido “todos, exceto aqueles acima de 60 anos, devem pagar imposto sobre a renda”. A norma de tributação é um resultado já decorrente dos enunciados prescritivos que preveem a isenção tributária. Não se constrói uma norma de tributação, depois uma norma de isenção e, posteriormente, têm-se uma terceira norma, a resultante dessas duas. O resultado do processo interpretativo é a delimitação da norma de tributação, a conformação das hipóteses passíveis de disparar a incidência tributária. Neste sentido, deve-se observar que não se fala, para fins de solução de antinomia, de norma de tributação e norma de isenção, mas de normas em sentido amplo que tratam da instituição ou não de tributo.

Lembre-se que nem sempre os enunciados negativos prestam-se como normas especiais frente aos enunciados positivos, pois podem existir restrições às normas isentivas e, consequentemente, alguns enunciados positivos também estarão na posição de especialidade no que se refere ao enunciado negativo. Tome-se como exemplo a isenção de IPTU concedida a pensionistas do INSS pelo Município de São Paulo pela LEI nº 11.614/ 1994, pois apenas se aplica aos cidadãos cujos rendimentos não ultrapassem três salários mínimos. Não se trata exatamente de uma condição (isenção condicionada) para que o pensionista frua o benefício, mesmo tendo que comprová-lo posteriormente, mas uma restrição à isenção: quem auferir rendimento mensal superior a três salários mínimos não está na condição de isento.

No sistema jurídico positivo há vários enunciados prescritivos. Aqueles enunciados decorrentes e confluentes para a construção da norma jurídica de tributação são resultantes do exercício da competência tributária. Há enunciados que determinam situações sobre as quais devem recair a tributação. Há enunciados que dizem o contrário: não devem recair imposição tributária. A norma jurídica de tributação é a conformação de um pelo outro e tão-somente as situações as quais se entende que deve o contribuinte levar uma soma em dinheiro ao sujeito ativo a título de tributo. Situações outras não devem estar contidas no antecedente da norma de tributação, porque inúteis para ela. A conformação se dá no processo interpretativo de construção da norma na passagem do sistema S1 para o sistema S2: na composição lógica

estrutural antecedente-consequente aparece o momento em que as normas em sentido amplo se delimitam e dão origem à norma jurídica de tributação.

Pontes de Miranda afirma a existência de mais de uma norma jurídica quando se percebem diferenças entre os elementos do suporte fáctico ao que se encontram elementos

essencialmente presentes ou ausentes.303 Neste sentido, toda relação norma geral/especial é,

sempre, uma antinomia aparente e solúvel mediante o método interpretativo. E esta é a relação que se encontra entre as normas que tendem à instituição do tributo e as normas que tendem a negar esta instituição. Para facilitar o estudo, pode-se retomar alguns termos utilizados no direito penal e chamar as primeiras de elementos positivos da norma de tributação e as segundas de elementos negativos da norma de tributação.

Se o conflito entre estas duas normas sempre se dá na perspectiva norma geral e norma especial, então se torna irrelevante qual das duas normas foi introduzida primeiro no tempo: o critério cronológico de solução de antinomias não é aplicável ao caso, pois já se viu que normas gerais e especiais não se revogam, independentemente daquela que veio primeiro. Porém se modificam. Na relação de especialidade, a norma especial conforma o âmbito de vigência da norma geral, conformando sua hipótese de incidência.

Mais uma vez, é relevante lembrar que a forma com que se soluciona a antinomia não é cronológica. A explanação do conflito demonstra apenas a necessidade de conformar a hipótese de incidência da norma de tributação pela norma de isenção. Não se quer afirmar que se deva observar o sistema como uma sequência de normas no tempo. Os elementos negativos podem vir, no tempo, primeiro ou depois dos elementos positivos da norma de tributação. Podem até mesmo ser postos pelo mesmo veículo introdutor de normas. A sensação de cronologia dá-se somente em razão de haver um conflito aparente: ao se deparar com o sistema jurídico positivo, o aplicador observa normas jurídicas em sentido amplo que aparentemente são contraditórias, porém, ao construir o sentido da norma jurídica em sentido estrito, percebe-se a possibilidade de acomodar coerentemente o conjunto de enunciados prescritivos. É um processo lógico, mas que não supõe a cronologia das normas. Não se constrói primeiro a norma de tributação, depois a norma de isenção e, então, constrói-se uma terceira norma, resultado das duas. A norma de tributação já o é sem os elementos negativos da norma de isenção.

Passível, pois, de ser solucionado o conflito aparente entre normas de tributação e de isenção pelo método interpretativo que, lembre-se Riccardo Guastini, previne a antinomia. Pode-se então estabelecer duas hipóteses de incidência. E, sem dúvidas, a norma de isenção passa a conformar a norma de tributação como uma espécie de elementos negativos do tipo,

303 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. t. 1. Rio de

conforme defendem as teorias unitárias do tributo. Conclusão esperada a ser construída nesta dissertação, uma vez que se adotou uma posição unitária da teoria do tributo no capítulo um.

Todavia, será que a norma de isenção comporta uma consequência jurídica específica, ou seja, é a norma de isenção autônoma em relação à norma de tributação? Pode-se usar a norma de isenção como uma norma em sentido estrito? Estas são as respostas que se buscam responder no capítulo subsequente.

4 ISENÇÃO TRIBUTÁRIA: DEFINIÇÃO E ANÁLISE

Inicialmente, abordou-se a definição e a estrutura da norma jurídica para atingir condições de estabelecer a norma jurídica de tributação. Posteriormente, buscou-se fundamentos diretos no direito positivo brasileiro, bem como se discorreu sobre a doutrina estrangeira e nacional com objetivos de iniciar a construção de sentido da norma de isenção tributária. Então, observou-se uma possível antinomia desta com a norma de tributação, a qual foi solucionada mediante o método interpretativo, sem necessidade de revogação, ou seja, o entendimento seguiu no sentido de manter a validade de ambas as normas, independentemente de prioridade temporal.

A pergunta que restou sem resposta resulta da solução do conflito aparente entre normas de isenção e normas de tributação. O termo “norma” na primeira destas duas locuções pode ser tomado em sentido estrito ou em sentido amplo. Em outras palavras, a norma de isenção é autônoma em relação à norma de tributação?

Este capítulo tem por finalidade, portanto, tratar essa questão e, em decorrência, definir e analisar especificamente a norma de isenção tributária, estipulando sua importância para o estudo da hipótese tributária e, consequentemente, para o fato jurídico tributário, bem como rever algumas questões afins de importante repercussão jurídica, como incidência, não incidência, exclusão e não sujeição, além de distinguir mais precisamente a isenção de outras figuras como a remissão e a anistia, por exemplo,.