• Nenhum resultado encontrado

A Experiência Motora – Integração Sensorial e o Comportamento

I. ENQUADRAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

3. A Intervenção Psicomotora e Contextos

3.3. Âmbitos e Contextos da Intervenção Psicomotora na DID

3.3.3. A Experiência Motora – Integração Sensorial e o Comportamento

Para Fonseca (2005, p.349), perceção resulta da “captação de informação do meio exterior e do meio interior, do corpo (…)” que, posteriormente, é enviada para o cérebro através das vias aferentes, para ser organizada e dar origem a respostas o mais adaptativas possível, quer ao nível motor, emocional e social (Martins, 2011). Assim sendo, quando esta informação é corretamente captada, significa que todo o processo que ocorre entre a informação percetiva e a informação motora se encontra ajustado. Não obstante, quando tal não acontece, verifica-se uma inadaptação e dificuldade em termos de comportamento e/ou aprendizagem, uma vez que não existe um sistema funcional neurologicamente integrado (Kagan, 1971 cit. in Fonseca, 2005). A este processo de organização de estímulos e de planeamento de uma resposta adequada denomina-se integração sensorial (Fonseca, 2005), e procura entender o processo total através do qual a pessoa sente, perceciona, memoriza, integra, age e aprende (Ayres, 1968, 1977, 1982 cit. in Fonseca, 2005), numa interligação recíproca dos sistemas propriocetivo, somatossensorial e das praxias (Martins, 2011).

Assim, se a aprendizagem pressupõe que a integração sensorial se processe de uma forma adequada, dando origem a comportamentos adaptativos, ou seja, que as relações entre corpo, mente e comportamento estejam incólumes, então, quando existe qualquer tipo de disfunção na parte inicial deste processo (inadequada integração sensorial), a aprendizagem não é bem sucedida, concretizando-se, posteriormente, em problemas de adaptação, conduzindo a um comprometimento do desenvolvimento da pessoa em questão nas várias áreas da sua vida (Fonseca, 2005).

Neste sentido, tal como já foi referido, no geral, a população com DID apresenta dificuldades claras em termos da sua capacidade adaptativa, o que significa que essas dificuldades podem estar associadas a uma disfunção da sua capacidade de integração sensorial: dificuldade psicomotora ou dispraxia, resultando na dificuldade de produção de respostas adaptativas (Fonseca, 2005). Assim, estas disfunções nos sistemas sensoriais (tato, vestibular e propriocetivo) podem manifestar-se através de situações de hiper ou hipoatividade, problemas de motricidade global e fina, dificuldades nas interações e comportamento social (e.g. impulsividade, distratibilidade), que influenciam o desenvolvimento da pessoa, tanto a nível motor, como emocional e social (Fonseca, 2005).

É neste sentido que uma intervenção direcionada para o desenvolvimento da integração sensorial se deve alicerçar em três sentidos básicos: sistema tátil (atuando como o limite entre o mundo interior e exterior, este sistema envia informações aferentes ao cérebro (e.g. dor e temperatura, através de ações como tocar, apalpar, manusear, pegar)), sistema vestibular (integrando o sentido do movimento e da gravidade, ajuda na gestão da tonicidade, da equilibração e da orientação espacial, mesmo com os olhos fechados, informando-nos sobre a posição da cabeça e sobre a posição desta em relação ao resto do corpo) e sistema propriocetivo (fornecendo informações relativas à posição e aos movimentos do corpo, provenientes dos músculos, tendões, ligamentos, cápsulas e articulações; essencial em termos de aferências sensoriais para que, à posteriori, as respostas e performances sejam o mais expressivas e adaptadas possível) (Fonseca, 2005).

A intervenção psicomotora poderá, então, estimular a capacidade para dirigir o tráfego das sensações (de forma organizada e sem erros; tem que existir uma integração neurofuncional bem sucedida, para que o cérebro produza uma ação criadora e a pessoa estabeleça, assim, uma eficaz interação com o envolvimento), fornecendo as ferramentas necessárias ao cérebro para que este estimule a sua capacidade para produzir totalidades percetivas, gerar significações e gerar respostas adaptativas. Este é um apoio que surge, assim, como uma mais-valia em termos preventivos, reeducativos ou terapêuticos, promovendo a estimulação sensorial, através de atividades com significado e dentro de um dado contexto, potenciando as capacidades de integração do SNC (inputs sensoriais) e, posteriormente, aumentando o potencial de aprendizagem motora e conceptual do sujeito (Fonseca, 2005).

Este é, portanto, um ciclo que está a acontecer constantemente, através do movimento, da exploração, do jogo onde se experienciam uma série de situações que serão determinantes e essenciais para todas as aprendizagens ao longo da vida, quer em termos académicos, como não académicos (e.g. comportamento social adequado) (Fonseca, 2005). De acordo com Vidigal e Guapo (2003), a experiência motora através da intervenção psicomotora poderá, entre muitos outros aspetos, constituir um fator organizador do gesto, ou seja, gestos aparentemente sem finalidade passem a ser integrados na motricidade global, para além de potenciarem a integração de uma imagem corporal fragmentada. Experiências realizadas demonstraram que, através do desenvolvimento das capacidades de aprendizagem motora, é possível aumentar o autodomínio gestual e de regulação de condutas, aumentando também a capacidade de antecipação, planeamento e estruturação da ação motora; para além disso, estas são experiências consideradas privilegiadas para o desenvolvimento da relação com o outro e, consequentemente, das suas competências pessoais e sociais.

Através do jogo e do lúdico promovem-se novas sensações, solicitando constantemente novas respostas, através da exposição a novas situações e experiências, o processo adaptativo à realidade é fomentado, baseando-se numa conquista física e funcional do meio e de todos os seus constituintes (Fonseca, 2005). Toda a experiência que ponha em causa as questões relacionadas com o desenvolvimento da atividade postural antigravitária e com a noção de queda, são essenciais, uma vez que a integração das várias informações propriocetivas promove a alteração do esquema corporal, potenciando a capacidade de controlo das autorrepresentações (Vidigal e Guapo, 2003). Ou seja, são estas experiências que geram sensações e que permitirão à pessoa com dificuldades aprender a lidar de uma forma progressivamente mais coordenada, flexível e intencional com o seu corpo, estando este organizado num contexto espácio-temporal. Através da experiência, procede-se a uma organização significativa da ação sensoriomotora, que começa a fazer sentido em termos de memória pessoal e que, posteriormente, passa a ser utilizada na ação intencional e de interação do indivíduo sobre e com o mundo (Fonseca, 2005).

Na CERCICA-CerMov esta é uma das vertentes mais exploradas em termos dos apoios em Psicomotricidade, tal como se encontra referido mais à frente. Através de uma multiplicidade de atividades que este serviço coloca ao dispor dos seus clientes, objetiva-se a promoção, por um lado, da experiência sensorial e percetiva real através do movimento, da prática do jogo e de modalidades desportivas adaptadas, ao mesmo tempo que é estimulada a capacidade de Ser consigo próprio, com o outro e com o mundo, no sentido de uma inclusão na sociedade e do transfer das aprendizagens para os diferentes contextos das suas vidas.

Seguindo este raciocínio, uma dessas atividades promovidas pela CerMov é a Equitação Terapêutica que merece igualmente atenção enquanto meio desta intervenção.