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Equitação Terapêutica

I. ENQUADRAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

3. A Intervenção Psicomotora e Contextos

3.3. Âmbitos e Contextos da Intervenção Psicomotora na DID

3.3.4. Equitação Terapêutica

A Equitação Terapêutica surge como uma abordagem privilegiada em termos de intervenção, onde o cavalo é considerado o elemento essencial de mediação entre o cliente e o técnico, numa interação que reflete a capacidade de aceitação do cavalo para com o cliente, tal como ele é, sendo este, portanto, uma base organizadora do comportamento da pessoa, enquanto elo psicoafectivo e motor de uma relação terapêutica, potenciando a relação, responsabilidade, afeto, confiança e independência (Vidigal e Guapo, 2003).

Neste sentido, a Equitação Terapêutica, embora frequentemente associada à obtenção de resultados no domínio físico, encontra-se de igual modo dirigida à pessoa com dificuldades intelectuais, desenvolvimentais e/ou motoras, visando potenciar, de igual modo, as questões psicológicas, cognitivas, sociais, comportamentais e de comunicação, ao ser uma vertente terapêutica multidisciplinar de intervenção psicológica e somática.

De uma forma geral, com uma visão holística da pessoa, a Equitação Terapêutica organiza-se num conjunto de atividades específicas e direcionadas para o indivíduo (Heine, 1997), trabalhando as questões sensoriais, em termos táteis (contacto com o corpo do cavalo, sensação de temperatura), olfativas (odor das cavalariças), auditivas (relinchar, golpe da ferradura contra o solo, som da respiração), visuais (aumento do campo visual e da sua profundidade); vestibulares (diferentes posições recrutam diferentes necessidades de adaptação postural); propriocetivas (toque e diferença de pressão); as questões ao nível do equilíbrio, sentido cinestésico, esquema corporal (consciência corporal; volteio; trabalho com figuras; trabalho com espelho); lateralidade, estruturação rítmica (ritmo respiratório, passo, trote e galope); orientação espaciotemporal (orientação no espaço da sessão; pontos de referência; orientação no tempo); auto-controlo (controlo de movimentos involuntários; correção postural; precisão do gesto); coordenação e dissociação (ação de membros inferiores, superiores e inferiores/superiores); as funções cognitivas (planeamento motor); as questões socioafetivas, em termos de relação (relação entre cavalo e pessoa); responsabilidade (comida e bebida; limpeza); respeito (ao cavalo; ao(s) técnico(s); às regras do local); colaboração e trabalho em equipa; confiança e autovalorização (confiança no cavalo; confiança no(s) técnico(s)); autocontrole emocional (disciplina pessoal, controlo das emoções, autorreflexão); o desenvolvimento geral do funcionamento biológico e fisiológico: aparelho respiratório (aumento da capacidade de resistência ao esforço e à fadiga); aparelho circulatório (estimulação de músculos que poderão estar inativos durante largos períodos de tempo); sistema muscular (contração-relaxamento; flexão- extensão; estimulação de músculos que estão inativos durante muitas horas); sistema osteoarticular (estimulação de articulações que estão inativas durante muitas horas) (Heine, 1997; Horwitz e Horwitz, 1996 cit. por Lobo, 2003).

Assim, alguns têm sido os estudos desenvolvidos com crianças e jovens diagnosticadas com DID, PEA e com problemas de comportamento. De uma forma geral, podem, então, distinguir-se três grandes áreas de observação ao nível da Equitação Terapêutica, com a população com DID: comportamental, cognitiva e socioafetiva. De acordo com um estudo realizado por Leitão (2004), com crianças diagnosticadas com PEA, verificou-se uma diminuição dos comportamentos repetitivos, das posturas desadequadas, dos comportamentos autoagressivos e de agressividade; um maior controlo dos esfíncteres; menos sinais de apatia; melhor capacidade de imitação motora; melhorias na agilidade, equilíbrio e lateralidade; adequação da velocidade dos movimentos e da força. Em termos cognitivos, uma melhor capacidade de compreensão das instruções; redução das situações de ecolálias diferidas; maior interesse e motivação pelas tarefas; menores dificuldades no estabelecimento do contacto físico e maior tolerância ao toque; maior predisposição para a exploração do meio; melhorias na coordenação das duas mãos e da coordenação óculo-manual; melhor capacidade de focar a atenção nas tarefas; maior capacidade de exploração do ambiente de forma apropriada, explorando os objetos visual e tatilmente). No que respeita às questões socioafetivas, verificou-se uma redução das situações de evitamento do contacto ocular; respostas mais adaptativas às indicações dos técnicos; mais facilidade na relação com estes, com o cavalo e com os pares; maior consciência dos feedbacks dos técnicos, contribuindo para uma maior motivação; melhorias no contacto ocular; diminuição dos comportamentos de recusa perante diferentes texturas ou superfícies; maior participação e colaboração. De uma forma global, todo o trabalho realizado potenciou uma maior consciencialização do seu próprio corpo, das suas posturas e da posição deste em relação ao espaço; para além disso, verificou-se que um programa de intervenção individual, promoveu uma maior confiança dos clientes em si mesmos, no cavalo e nos técnicos, permitindo, por outro lado, promover os seus níveis de autonomia, tanto durante as sessões, como nos outros contextos das suas vidas, refletindo uma crescente organização psicomotora nas atividades realizadas.

Para além disso, de acordo com a literatura, esta é uma abordagem terapêutica que tem vindo a ser associada à diminuição dos comportamentos estereotipados, em termos de intensidade, sendo observável uma maior capacidade de atenção perante o meio e, por conseguinte, uma maior interação com o outro (Vidigal e Guapo, 2003), trazendo efeitos positivos em termos da promoção de comportamentos mais adequados em termos do contacto tátil e de todas as questões relacionais e afetivas (Freire, 2000 cit. por Leitão, 2004).

Esta é então uma abordagem terapêutica realizada num ambiente controlado, onde a entrada sensorial se dá de uma forma progressiva, promovendo, assim, as funções neuromotoras e o processamento sensorial, sempre com vista a uma resposta adaptativa por parte da pessoa no contexto da sessão e, consequentemente, nos diferentes contextos da sua vida, através do desenvolvimento da capacidade de generalização, pretendendo-se, assim, que a pessoa potencie a sua capacidade adaptativa e funcional (Heine, 1997).

Em suma, a intervenção psicomotora, independentemente do âmbito em que é desenvolvida ou da tipologia das suas sessões (individuais ou em grupo), promove a comunicação, a criação, o pensamento operatório e a harmonização e potencialização motora, cognitiva e afetivo-relacional, fomentando o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, bem como a adequação do processamento de informação e a sua adaptação social, através da aquisição de uma série de aprendizagens e da generalização destas para os diferentes contextos da sua vida (Aucouturier, Darrault e Empinet, 1986 cit. in Martins, 2001.

Concluída esta temática, perante tal diversidade, posteriormente serão abordadas, de uma forma global e transversal aos diferentes âmbitos, as principais orientações

operacionais, metodológicas e estratégicas que, de acordo com a literatura, se revelam como as mais positivas na intervenção psicomotora na população com dificuldades.

3.4. Métodos e Estratégias de Organização da Intervenção Psicomotora