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I. ENQUADRAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

2. Caracterização da População-Alvo

2.5. Doença Mental

Tal como já referido anteriormente, não existe consenso relativamente à prevalência de perturbações ao nível da saúde mental (psiquiátricas e comportamentais) na população com DID (10 a 50% dos casos e 5 a 60% dos casos, respetivamente) (Salvador e Novell, 2002 cit. in Salvador-Carulla e Novel, 2003), contribuindo para esta variabilidade as questões metodológicas dos estudos realizados, desde o sistema de diagnóstico e classificação da DID, a representatividade da amostra, ou o uso de instrumentos de avaliação standardizados (Deb et al., 2001 cit. in Salvador-Carulla e Novel, 2003).

Definição

A doença mental é uma condição caracterizada por problemas clínicos significativos no domínio cognitivo, da regulação emocional ou comportamental, refletindo-se numa desordem em termos dos processos psicológicos, biológicos, emocionais e comportamentais, afetando a capacidade funcional de trabalho e desempenho de outras tarefas da vida diária da pessoa, assim como em termos da capacidade relacional (APA, 2013; Kitchener, Jorm, Kelly, Pappas e Frize, 2010).

A doença mental manifesta-se através de diferentes tipos, desde os mais comuns como a depressão e as perturbações da ansiedade, até às menos comuns (e.g. esquizofrenia, perturbação bipolar). No entanto, importa destacar que a doença mental, em comorbilidade com outra condição, como é o caso da DID, traz uma série de implicações acrescidas em termos de funcionalidade (Kitchener et al., 2010).

Etiologia

Quando se fala sobre as causas da doença mental na DID, a investigação defendeu, durante um largo período, que estas deviam ser semelhantes às causas dos indivíduos com doença mental, sem diagnóstico de DID; não obstante, as novas pesquisas têm apontado noutra direção. É sabido que a pessoa com DID (sobretudo com necessidades de apoio intermitentes ou limitados) poderá apresentar uma situação de doença mental similar a um indivíduo adulto sem diagnóstico de DID; no entanto, uma vez que este grupo apresenta maiores dificuldades em termos cognitivos, das habilidades de comunicação, maior probabilidade para a coexistência de problemas ao nível físico e sensorial e de uma série de outras condições médicas, a doença mental, sobretudo no indivíduo com maiores necessidades de apoio,

exterioriza-se geralmente por alterações e manifestações comportamentais desajustadas (Alsina, Quitllet e Carulla, 2004; Zaman, Holt e Bouras, 2007).

É neste sentido que a manifestação clínica da doença mental na DID, a sua gravidade e a forma como esta afeta a funcionalidade da pessoa não podem ser vistas de uma forma unicausal, antes, devem ser encaradas como o resultado de uma interação entre uma série de fatores e mecanismos que determinam a capacidade adaptativa e a qualidade de vida do indivíduo (Alsina et al., 2004).

Assim, várias têm sido as causas apontadas para esta elevada comorbilidade da doença mental em sujeitos com DID, tendo surgido na literatura três fatores-chave que interagem entre si e determinam a adaptação psicossocial da pessoa (Alsina et al., 2004; Kitchener et al., 2010): (1) fatores biológicos (alterações das funções cerebrais – e.g. alterações estruturais do lóbulo frontal podem levar a comportamentos de apatia, isolamento e desinibição; fenótipos comportamentais característicos dos diferentes síndromes; epilepsia; problemas endócrinos e metabólicos; dificuldades físicas/sensoriais; efeitos colaterais da toma de medicação); (2) fatores psicológicos (dificuldades intelectuais e de memória; problemas de aprendizagem; dificuldades na significação das situações e pensamento abstrato; falta de iniciativa; baixa autoestima; baixa tolerância à frustração; estratégias de resolução de problemas e mecanismos de defesa inadequados; défice na capacidade de resolução de problemas; dificuldades no desenvolvimento de relações sociais (défice de competências pessoais e sociais)); (3) fatores ambientais/socioculturais (problemas relacionais; situações de superproteção, expectativas inapropriadas ou rejeição; situações de abuso psicológico e sexual;

burnout dos cuidadores; utilização de diferentes respostas e formas de resolução de

problemas por cuidadores distintos; acontecimentos da vida da pessoa – e.g. mudanças, perdas, doenças; dificuldades no acesso ao serviços da comunidade; dificuldades de integração sociolaboral; vítima de discriminação ou estigmas pela sociedade).

Caraterização

De acordo com as investigações levadas a cabo nos últimos anos, as crianças e jovens adolescentes com DID apresentam uma maior probabilidade de desenvolver perturbações psiquiátricas, comparativamente aos seus pares com desenvolvimento típico (Emerson, 2003; Fletcher, Loschen, Stavrakaki e First, 2007; Harris, 2010). De igual modo, Määttä et al. (2006) apresentam as crianças com T21 como um grupo de risco mais elevado para o desenvolvimento de psicopatologias (condutas disruptivas, perturbações de ansiedade, comportamentos repetitivos), bem como ao longo de todo o seu desenvolvimento (e.g. depressão e doença de Alzheimer).

Cada vez mais os autores se têm vindo a questionar sobre esta aparente relação direta entre as alterações emocionais e de conduta, enquanto consequência de um diagnóstico de DID; e, para além disso, sobre o facto de um diagnóstico desta condição pressupor, invariavelmente, a presença de uma doença mental. Perante tais questões, Luckasson et al. (2002) assumem que esta aparente linearidade não existe. Fletcher et al. (2007) corroboram esta ideia, ao afirmarem que, embora a sua coocorrência seja real, não existe, por um lado, um diagnóstico psiquiátrico apropriado e, por outro, o diagnóstico de DID poderá, desde muito cedo, se sobrepor ao diagnóstico das perturbações psiquiátricas associadas, acabando por nunca serem identificadas, logo tem-se verificado um número considerável de casos ocultos em termos de prevalência da doença mental na DID, uma vez que na maioria das ocasiões estes problemas se demonstram e são interpretados enquanto comportamentos desafiantes (Alsina et al., 2004).

Relativamente à prática de estágio, esta foi uma das questões percetíveis durante todo o contacto com a população com DID, sobretudo, através da observação de comportamentos impulsivos, agressivos, depressivos e de desregulação emocional.

Deste modo, considera-se importante esclarecer, ainda que sucintamente, as principais características desta relação, sempre numa abordagem de paralelismo com a DID.

Assim sendo, de uma forma geral, a doença mental manifesta-se, sobretudo por dificuldades na capacidade de resolução de problemas e gestão de conflitos, tanto em situações do quotidiano da pessoa, como noutras mais limitantes, tendo consequências em termos da funcionalidade e qualidade de vida (Kitchener et al., 2010). De uma forma mais específica, Fraser et al. (1986 cit. in Linna et al.,1999) apontam como principais dimensões do comportamento disruptivo da pessoa com duplo diagnóstico a conduta agressiva, comportamentos de autoagressão, perturbações de humor, distanciamento, comportamento antissocial e maneirismos idiossincráticos.

Uma vez todo este possível quadro clínico, a doença mental necessita de uma intervenção, de acordo com o caso em questão, desde a prevenção, passando pela intervenção atempada/precoce, até ao tratamento em si mesmo, em situações onde a necessidade de um planeamento de sistema de apoios é essencial. Assim, é neste último cenário que a população com DID se insere, no qual os cuidados médicos, farmacológicos e terapias estão incluídas (Kitchener et al., 2010; Linna et al., 1999). Importa ainda destacar que, em termos de intervenção e tratamento, a população com DID se encontra entre as mais medicadas na nossa sociedade, sendo igualmente frequente o uso de fármacos específicos para condições de doença mental, sobretudo antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos, antiepiléticos, estabilizadores do humor, psicoestimulantes, antagonistas opiáceos (Alsina et al., 2004; Zaman et al., 2007). Existem mesmo evidências específicas em relação ao impacto de determinados fármacos nas alterações do comportamento da pessoa com DID (e.g. opiáceo antagonista naltrexone com resultados favoráveis na redução dos comportamentos de autoagressão - Symons et al. 2004 cit. in Allen et al., 2012), não obstante, existe ainda uma certa ausência de dados sobre a eficácia da intervenção psicofarmacológica ao nível da saúde mental deste grupo tal como Allen et al. (2012) apontam, destacando variados estudos (Matson e Shoemaker, 2009).

Neste sentido, o impacto da farmacoterapia é um fator crucial a ter em consideração na gestão das psicopatologias na DID, uma vez que, se por um lado, a medicação tem um papel claramente importante nesta intervenção, por outro, os efeitos secundários do tipo comportamental que esta intervenção poderá ter nestes indivíduos é outro dos fatores a ter em consideração (Matson e Shoemaker, 2009). Para isso, muitas têm sido as investigações realizadas no sentido de encontrar linhas orientadoras para uma utilização mais adequada e de acordo com o caso em questão, tendo sempre em consideração os possíveis fatores desencadeadores, tanto imediatos como remotos, que podem potenciar ou agravar as manifestações da doença mental (e.g. momentos de transição, perdas ou rejeições pessoais, problemas no suporte social, condições de doença ou dificuldades associadas, situações de estigmatização por problemas intelectuais e desenvolvimentais, acontecimentos de frustração) (Alsina et al., 2004), assim como fazer um planeamento dirigido não apenas para os sintomas, mas também para a promoção de um nível de qualidade de vida considerável (Rusch e Allen 2000 cit. in Allen et al., 2012).

Concluída a apresentação e caracterização da população alvo desta intervenção, no tópico seguinte será abordada a intervenção psicomotora em si, enquanto apoio à população com dificuldade, sendo abordados os seus contextos de ação, numa dinâmica de fundamentação teórica que alicerce esta prática.