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A Importância da Observação e Avaliação no Processo de Intervenção

I. ENQUADRAMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

3. A Intervenção Psicomotora e Contextos

3.2. A Importância da Observação e Avaliação no Processo de Intervenção

Em qualquer processo interventivo, a fase da avaliação inicial do caso em estudo é essencial. Para além do conhecimento mais aprofundado do avaliado e da identificação de um perfil ou diagnóstico, a avaliação permite estabelecer os objetivos relativos aos domínios possíveis de serem otimizados nesse mesmo indivíduo, tendo sempre em consideração a rede de serviços que este necessita para superar as suas dificuldades, priorizando os tipos de apoios a serem providenciados (Thompson et al., 2004).

Para Pitteri (2004), a avaliação constitui o ponto de partida para a construção de um programa de intervenção individual, com métodos específicos, adaptado ao caso. Assim, o foco deve estar direcionado para o tipo de apoios que cada pessoa necessita, sempre numa perspetiva de promoção da funcionalidade (Luckasson et al., 2002; Schalock et al., 2010).

Na avaliação psicomotora, o corpo em movimento é o principal veículo de expressão e, portanto, de observação do indivíduo que apresenta dificuldades nos diferentes domínios da sua vida, uma vez que é o espelho de todas as vivências anteriores (Pitteri, 2004). O ponto central da questão não se encontra direcionado para o resultado do ato motor em si mesmo, mas sim para o “como” o sujeito organiza e realiza esse mesmo ato, para que, assim, consiga atingir o seu objetivo, no “onde” e no “quando” desejados. Ou seja, num ato motor intencional, o corpo em movimento, vai ser observado e avaliado numa perspetiva muito para além da ação em si mesma (Chaix, Coraze, Lareng-Armitage, Soppelsa e Albaret, 2013), dando particular atenção

às manifestações tónicas, motoras, gnoso-práxicas, de representação corporal, e ainda a todos os comportamentos de relação com o tempo e espaço, com os objetos e com o outro (Pitteri, 2004).

A avaliação psicomotora assenta, por um lado, no pressuposto de uma visão holística e global do indivíduo (características funcionais e relacionais), encarando-o como um caso único e irrepetível; por outro, esse mesmo sujeito deverá ser contextualizado no momento e contexto presentes, nos quais estas manifestações psicomotoras são observadas, salvaguardando sempre o caráter transitório (Pitteri, 2004).

Os sinais psicomotores são expressos através da relação tónica e motora, espelhando o domínio da comunicação/expressão, relação, ação e pensamento da pessoa com o mundo. Daí que seja necessário perceber a interação entre as dificuldades neuropsicológicas/neuromotoras e a possível existência de outras dificuldades, lesões, funções, acontecimentos e situações. Logo, uma avaliação psicomotora expressa o estado do sujeito com o seu Eu, com o outro, com os objetos e com o espaço onde se encontra inserido (Boscaini, 2004).

Assim, aqui são avaliadas as competências psicomotoras, através de todo o movimento, atitude e comportamento que o corpo do sujeito transmita, e como um reflexo de um conjunto de vivências e características psicoafectivas que influenciam e modulam estas manifestações. Para além disso, é avaliada a capacidade que a pessoa tem para dar uso a essas suas competências psicomotoras, perante diferentes espaços, contextos, pessoas e objetos (uma vez que só através desta conjugação de manifestações conscientes e inconscientes, espontâneas e planeadas, ativas e reativas, verbais e não verbais, é que o técnico pode avaliar as competências psicomotoras do sujeito, percebendo a sua capacidade que este tem para as utilizar e, assim, definir áreas fortes e áreas a desenvolver – Pitteri, 2004).

Cada vez mais a área do desenvolvimento psicomotor tem vindo a desempenhar um papel crucial em termos de complemento avaliativo da pessoa com dificuldades, uma vez que, a par da constante procura de rigor em termos de instrumentos utilizados, válidos e devidamente sustentados em termos de literatura baseada na prática, procura-se de igual forma estabelecer relações entre as questões neurológicas e comportamentais, incluindo, de modo igualmente importante, os fatores emocionais e contextuais (Albaret, 2009).

Os resultados não são interpretados de forma independente dos contextos do indivíduo, mas antes são integrados de forma dinâmica para que toda a informação seja relevante em termos da construção de um projeto terapêutico adaptado às particularidades do caso em questão (Albaret, 2003).

É neste sentido que se defende que uma avaliação na intervenção psicomotora se deva alicerçar, por um lado, na utilização de meios de avaliação objetivos (instrumentos de avaliação das funções psicomotoras, enquanto elo de ligação entre o mundo interno e externo da pessoa) e, por outro, subjetivos: visão integrativa entre o verbal e o não-verbal, o corpo e a palavra, o real e o simbólico, o concreto e o abstrato, o visível e o invisível (Boscaini, 2004). Assim, enquanto se avaliam as competências funcionais da pessoa (neuromotoras, sensoriomotoras, de representação corporal, organização espaciotemporal), através dos instrumentos já utilizados nesta área de intervenção, observam-se também as suas características psicoafetivas (através da relação, do investimento e motivação na ação, das atitudes). Ou seja, cabe ao psicomotricista o papel de aglutinar estes dois aspetos (através do contacto/perceção da realidade e da escuta tónica do outro), numa dupla atitude de julgamento e de escuta empática, dando uma significação contextualizada à ação ou à palavra (Boscaini, 2004), no sentido de perceber uma possível correspondência entre as competências funcionais e as atitudes observadas na vertente corporal, emocional e relacional, na interação e relação terapêutica entre sujeito e técnico (Pitteri, 2004).

Neste sentido, em termos de implementação na prática, a observação e avaliação psicomotora passa por diferentes fases, recorrendo a diversos métodos e instrumentos de avaliação, de acordo com o caso em estudo. Assim, de uma forma geral, para além da aplicação de instrumentos de avaliação dos diferentes domínios da vida do indivíduo, são igualmente essenciais a entrevista e a anamnese (aspetos referidos pela família, escola, instituição) e, ainda, todo o processo de observação realizado em contexto de sessão, considerando todos os sinais verbais e não-verbais, que permitirão um conhecimento mais aprofundado do desenvolvimento global e processo de maturação do sujeito e das suas dificuldades, do seu contexto familiar, sociocultural e socioafetivo, contribuindo para um processo avaliativo mais completo (Chaix et al., 2013; Pitteri, 2004).

A avaliação das necessidades de apoio deve ser, então, abrangente e multifatorial, tendo em consideração características relativas à cultura, etnia, língua, contexto socioeconómico, família, entre outras. Avaliar permite-nos definir prioridades quanto às necessidades de apoio, de acordo com as preferências da pessoa e, paralelamente, das expectativas da família (que constituem também agentes de decisão) (Thompson et al., 2002; Thompson et al., 2004).

Em suma, a avaliação psicomotora contribui para que a abordagem feita à pessoa e às suas dificuldades seja realizada de uma forma mais consciente e efetiva, caminhando para um acompanhamento mais adequado e adaptado às suas reais necessidades, sempre no sentido dos apoios e da potencialização da sua capacidade adaptativa (Chaix et al., 2013).

Assim sendo, posteriormente serão abordados, de uma forma mais específica, os diferentes fundamentos teóricos em que estes apoios se podem sustentar e os âmbitos nos quais a intervenção psicomotora na DID pode ser desenvolvida, e em relação aos quais este estágio curricular na CERCICA-CerMov se baseou.