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A extrafiscalidade como instrumento indutor de políticas públicas

Oksandro Osdival Gonçalves 1 1 Introdução

4. A extrafiscalidade como instrumento indutor de políticas públicas

Comumente, a imposição tributária é associada às normas destinadas a instituir, arrecadar e fiscalizar a cobrança de tributos, para que os contribuintes transfiram parcela do seu patrimônio e sua renda ao Estado, que necessita desses recursos financeiros para manter sua própria estrutura, bem como para implementar aqueles objetivos e valores que elege como prioridades em um determinado momento histórico.

À essa característica, comum aos Estados contemporâneos, tem se atribuído a denominação de Estado Fiscal.18 Ocorre que, mesmo sob a égide de um Estado cuja principal fonte de financiamento reside na tributação das relações econômicas privadas, os tributos não devem ser vistos apenas pela perspectiva arrecadatória. Sem prejuízo dessa feição puramente fiscal, as normas tributárias podem desempenhar outras funções, como a intervenção no domínio econômico em prol da realização de objetivos caros ao ordenamento jurídico, em especial aqueles destinatários de proteção constitucional. Para tanto, o Estado pode valer-se de normas tributárias para estimular determinada atividade econômica ou até mesmo dissuadir condutas indesejáveis, sendo lícito aos

17 RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. Análise Econômica do Direito e a Concretização dos Direitos Fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Democracia (UniBrasil), Curitiba, v. 11, n. 11, p. 304-329, jan./jun. 2012, p. 320- 323.

18 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 19.

agentes decidirem se adotam ou não a conduta pretendida pelo Estado.

A extrafiscalidade cria uma perspectiva diferenciada de intervenção do Estado na ordem econômica, porque, através do tributo, o Estado consegue incentivar ou desincentivar certas atividades econômicas, bem como influir no processo de escolhas feitas pelos agentes econômicos. Desse modo, o tributo extrafiscal provoca certos resultados econômico-sociais, como o de promover o desenvolvimento econômico de certas regiões, proteger a indústria nacional, reduzir as desigualdades sociais, estimular o emprego, desestimular atividades ambientalmente poluidoras, reduzir o consumo de certos produtos, entre tantas outras possibilidades.

É o que ocorre, por exemplo, quando o Estado majora a imposição tributária de produtos nocivos como o álcool e o cigarro, objetivando torná-los mais caros para dissuadir os indivíduos de consumi-los, em prol da proteção da saúde humana.19

Quando isso ocorre, percebe-se que, no primeiro caso, o Estado proporcionou uma vantagem que não decorre do livre funcionamento do mercado e, na segunda hipótese, fez com que o destinatário da norma tributária incorresse em custos cuja origem também não reside no funcionamento do livre mercado.20 Entretanto, nas duas situações, a ação estatal objetiva direcionar condutas.

19 A esse respeito: GONÇALVES, Oksandro; VOSGERAU, D. R. . A extrafiscalidade como política pública de intervenção do Estado na Economia e desenvolvimento: o ICMS ecológico e o IPI de veículos automotores. Ciências Sociais Aplicadas em Revista (Online), v. 13, p. 207-221, 2013. GONÇALVES, Oksandro. Os incentivos tributários na Zona Franca de Manaus e o desequilíbrio concorrencial no setor de refrigerantes. Economic Analysis of Law Review, v. 3, p. 72-94, 2012. 20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 43.

Ao atuar dessa forma, o Estado condiciona, a partir de fora, a atividade econômica privada, sem assumir a posição de agente econômico21, porquanto apenas induz determinados comportamentos fazendo uso das normas tributárias22, o que encontra lastro no art. 174 da Constituição Federal, que permite ao Estado exercer o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica.

Assim, manifesta-se a extrafiscalidade, que pode ser compreendida como aquelas normas que, embora façam parte do direito do direito fiscal, não tem por finalidade dominante a consecução de receitas para o Estado, mas objetivam realizar determinada finalidade econômica ou social.23 Dito de outra forma, trata-se daquelas hipóteses em que o Estado agrava, minora ou até mesmo elimina a imposição tributária com intuito de dirigir condutas, o que demonstra que o sistema tributário não está circunscrito somente à finalidade arrecadatória.

A extrafiscalidade pode se manifestar sob diversas formas ou instrumentos, como por exemplo: as imunidades tributárias; a instituição de isenções; a reduções de alíquotas (inclusive a zero); reduções da base de cálculo; concessões de créditos presumidos; a postergação do prazo de recolhimento de tributos; a concessão de anistia ou moratória, dentre outras formas. Como se percebe, não são apenas os casos de exclusão do crédito tributário (isenção e

21 CABRAL DE MONCADA, Luís. Direito Económico, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 37.

22 “Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados”. ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93, p. 233, jan./mar. 1990.

23 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 632.

anistia) que configuram os incentivos fiscais.24

Nessa perspectiva, pode ser considerado incentivo fiscal qualquer instrumento, de caráter tributário ou financeiro, com o objetivo de realizar finalidades constitucionalmente previstas, através da intervenção estatal por indução. Essas vantagens podem operar subtrações ou exclusões no conteúdo de obrigações tributárias, ou mesmo adiar os prazos de adimplemento dessas obrigações. É possível, ainda, que autorizem transferências diretas destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, como acontece com as subvenções, previstas no art. 12, §3º, da Lei nº 4.320/64.25

Observa-se, por conseguinte, que “é no domínio dos chamados benefícios fiscais que a extrafiscalidade se revela em termos mais significativos e frequentes”, já que os incentivos fiscais são caracterizados como “medidas de caráter excepcional instituídas para a tutela de interesses públicos relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.26 Assim, o ente estatal competente pode estimular os contribuintes a fazer algo que a ordem pública considera conveniente, por exemplo, instalar indústrias em região carente do país ou desestimular certa atividade econômica poluidora ao tributar pesadamente seus produtos, internalizando os custos ambientais.

24 ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Incentivos fiscais em tempos de crise: impactos econômicos e reflexos financeiros. Revista da PGFN,

v. 1, n. 1, p. 99-123, jan./jun. 2011, p. 106.

25 ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Incentivos fiscais em tempos de crise: impactos econômicos e reflexos financeiros. Revista da PGFN,

v. 1, n. 1, p. 99-123, jan./jun. 2011, p. 107.

26 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 632/633.

Todavia, tanto a tributação fiscal quanto a extrafiscal deve estar condicionada à promoção daquele estado de coisas protegido pela Constituição Federal. 5. O meio ambiente e a política nacional de energias renováveis

O artigo 170 da Constituição Federal consagra a defesa do meio ambiente como um dos princípios gerais da ordem econômica; a defesa também está ligada à função social da propriedade (art. 186, da CF/88), e se consolida definitivamente no art. 225 do diploma constitucional ao estabelecer que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A partir dessa premissa inexorável, cumpre ao Estado promover o desenvolvimento econômico sustentável, ou seja, tendo como parâmetro para implementação do processo desenvolvimentista a proteção e defesa do meio ambiente.

Logo, as políticas públicas energéticas devem adequar a necessidade da promoção do desenvolvimento para geração desse insumo, com a necessidade de promover também a proteção e defesa do meio ambiente.

Segundo relatório do Ministério das Minas e Energias, o Brasil possui uma matriz energética renovável relevante, com participação de 41,2% na demanda total de energia de 2015 (OIE), ante os 39,4%, verificados em 2014.27 Todavia, as capacidades brasileiras de expansão

27 http://www.mme.gov.br/documents/10584/3580498/02+- +Resenha+Energetica+Brasileira+2016+-+Ano+Base+2015+(PDF). Acesso em 12/10/2016.

neste segmento são muito grandes e precisam ser estimuladas.

Assim, é adequado que o desenvolvimento econômico seja sustentado em uma matriz energética cada vez mais renovável até se obter o mais completo rompimento da dependência por energia do tipo não renovável que são as que mais pressionam o meio ambiente. O efeito estufa, antes considerado mera hipótese científica, transformou-se em um fenômeno real, sobretudo diante da convergência das teses oriundas de diferentes teorias, aparentemente não correlacionadas.28

Dessa maneira, é preciso fomentar os investimentos em energias renováveis. Cumpre, antes, porém, esclarecer que há uma diferença entre os termos “alternativa” e “renovável”. Energia “alternativa” são aquelas formas de energia fora do padrão dominante, distintas das ligadas aos combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural e urânio), sem indicar, necessariamente, que serão renováveis. São exemplos de fortes alternativas, mas ainda assim combustíveis fósseis: o xisto, o gás de carvão, a turfa e as areias oleosas. Além disso, uma energia alternativa, quando não renovável, pode ter tantos problemas quanto as tradicionais. São os casos do xisto betuminoso, das areias oleosas e dos combustíveis sintéticos a partir de carvão e do gás natural, que são combustíveis fósseis, porém, pouco utilizados. O termo ‘renovável’, como o próprio adjetivo demonstra, se renova de forma natural (o sol, a água dos rios, marés, ondas, geotermia e ventos) ou antrópica (plantio de fontes de biomassa, utilização de dejetos de humanos e animais).29

28 COLLE, Sergio. Energias renováveis, meio ambiente e políticas públicas de Ciência & Tecnologia. In: Revista nexus: Ciências e Tecnologia, Florianópolis, v.1, n. 1, out. 2001. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/sti/indbrasopo desafios/nexcietecnologia/Colle.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012. 29 SIMIONI, Carlos Alberto. O uso de energia renovável

Importante também é a compreensão de que o papel da energia na matriz energética abarca, em linhas gerais, duas espécies: o papel substitutivo e o papel complementar das energias renováveis. Como papel substitutivo, entende-se que a energia renovável é utilizada como nova provedora energética para atividades antes cativas ou simplesmente utilizadoras de outras fontes energéticas dado o esgotamento, a diminuição de custos e maior eficiência econômica.

Logo, as energias renováveis têm o condão de ajudar no processo de desenvolvimento sem comprometer o meio ambiente, e as políticas pública devem observar tanto o caráter substitutivo quanto o complementar.

Tanto uma política de feição substitutiva quanto uma de feição complementar devem levar em conta o segundo fator, as condições de mercado. Nestas condições podemos incluir o mercado relevante, a demanda e oferta por fontes energéticas. Vale salientar que o uso da expressão “mercado relevante” não é despicienda uma vez que uma política de energias renováveis, enfrenta problemas de níveis de concorrência num certo mercado.

Dessa forma, qualquer política pública energética deve levar em consideração processos de estímulo da sua concentração em energias renováveis para fomentar o desenvolvimento econômico sustentável e não tão somente o crescimento econômico sem compromisso com essa nova regra constitucional. Não se nega, ainda, que o atual sistema econômico já comprometeu uma parcela significativa dos recursos naturais capazes de fornecer energia, conforme retrata Enrique LEFF:

sustentável na matriz energética brasileira: ... Op. cit., p. 92. Tese

(Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento). Universidade Federal do Estado do Paraná. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/5080/1/Carlos% 20Aberto%20Simioni.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.

o vínculo da ciência com a produção técnica orientou o desenvolvimento do conhecimento para um processo econômico regido pela globalização do mercado. A racionalidade tecnológica e econômica que guiam este processo tendem para uma totalidade homogeneizadora que integra o mundo através da recodificação de todas as ordens ontológicas do ser. Esse processo de economização do mundo desterrou a natureza e a cultura da produção, abrindo caminho para um desenvolvimento das forças produtivas fundadas no domínio da ciência e da tecnologia sobre a natureza. Este projeto chega a seus limites com a crise ambiental, gerando a necessidade de internalizar as condições de sustentabilidade do processo econômico.30

A lógica atinente a esta preocupação centra-se no fato de a base para a produção de bens e da própria vida humana encontrarem-se ameaçadas, o que torna sem sentido a produção de energia elétrica senão para os próprios seres humanos, em um ciclo que exige necessariamente uma adequação para que a produção seja ambientalmente sustentável para não romper o próprio ciclo. De nada adianta produzir energia senão para os próprios seres humanos e estes devem procurar fazê-lo de modo a não comprometer o meio ambiente para as futuras gerações.

Assim, compete ao Estado intervir na economia para estimular a produção de energias renováveis. Como a questão ambiental é urgente, essa intervenção deve utilizar de vários mecanismos, dentre os quais a extrafiscalidade, para promover o mais rápido possível a mudança da matriz

30 LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade. Tradução de Lucia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 432.

energética brasileira para que ela seja centrada em energias renováveis.

6. Alguns exemplos de políticas públicas de