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Extrafiscalidade e neutralidade da tributação A origem da extrafiscalidade está nas contribuições

Oksandro Osdival Gonçalves 1 1 Introdução

3. Extrafiscalidade e neutralidade da tributação A origem da extrafiscalidade está nas contribuições

parafiscais de tradição francesa e italiana, que por sua vez reconheceram a possibilidade da intervenção estatal na ordem econômica e social.8 Simone Lemos Fernandes afirma que as contribuições parafiscais nasceram na França

para subsidiar políticas de desenvolvimento, e na Itália, para financiar a política sindical, circunstâncias que fizeram surgir a célebre polêmica entre Mérigot e Morselli a respeito de sua singularidade de fundamento numa nova solidariedade, a afastar delas a irrestrita obediência à legalidade tributária.9

Para Daniel Cavalcante, ela tem um caráter instrumental:

Em suma, a finalidade parafiscal do tributo destina- se historicamente ao custeio do parafisco e, contemporaneamente, serve de instrumento à adesão de políticas públicas de cunho regulatório jan./jun. 2013, p. 87.

8 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. O Conteúdo da extrafiscalidade e o papel das Cides. Efeitos decorrentes da não- utilização dos recursos arrecadados ou da aplicação em finalidade diversa. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 131, ago. 2006. p. 47.

9 FERNANDES, Simone Lemos. Contribuições neocorporativas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 53.

(Cide-Tecnologia, Lei n.º 10.168, de 29 de dezembro de 2000), ou transformadora das estruturas (Cide-Combustíveis, Lei n.º 10.336, de 19 de dezembro de 2001).10

Como regra, o tributo deve ser neutro, ou seja, a sua instituição, aumento ou qualquer alteração não deve produzir impactos sobre o processo decisório dos agentes econômicos. Assim, (i) a tributação deve observar uma igualdade de condições no jogo de mercado, isto é, não devem ser criadas distinções entre os agentes pelo manejo de tributos; e (ii) a tributação não pode ser utilizada pelo Estado de modo que imponha barreiras aos particulares para ingresso e permanência no mercado.11 Desse modo, a tributação deve ser utilizada visando a menor interferência nas escolhas dos agentes econômicos e o menor impacto na formação dos preços.12

Neste ponto há uma contradição, pois, da mesma forma que o tributo deve ser neutro como regra, como exceção essa neutralidade pode ser retirada e o tributo utilizado como um instrumento para induzir os agentes econômicos a observarem ou atingirem certas finalidades estabelecidas como políticas públicas.

Desse modo, a neutralidade é a regra e a indução uma exceção. Enquanto exceção deve ser usada com parcimônia, em especial quando o objetivo que se pretende alcançar é de ordem social. De fato, além dos objetivos

10 SILVA, Daniel Cavalcante. A Finalidade Extrafiscal Tributo e as Políticas Públicas. Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização, Brasília, , v. 4, 2007. p. 104.

11 FORTES, Fellipe Cianca; BASSOLI, Marlene Kempfer. Análise Econômica do Direito Tributário: livre iniciativa, livre concorrência e neutralidade fiscal. Scientia Iuris, Londrina, v. 14, p. 235-253, nov. 2010, 0. 241-243.

12 CALIENDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do

econômicos da extrafiscalidade, há que se considerar a possibilidade da intervenção contemplar objetivos sociais conforme expõe José Casalta Nabais13, para quem a extrafiscalidade “tem por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através do instrumento fiscal”.

Ainda neste ponto, é importante distinguir efeitos dos fins extrafiscais. O tributo pode ter um efeito extrafiscal ainda que não pretendido, como é o caso do aumento de alíquota do ISS (imposto sobre serviços) que pode levar à decisão do agente econômico pela mudança da sua sede para outro município onde a alíquota é menor. Diferentemente é o efeito extrafiscal pretendido pelo Estado no processo de intervenção, pois não há propriamente uma proibição ou obrigação, mas a concessão de uma opção pela realização ou não da conduta. Ressalve-se, contudo, que muitas vezes a opção individual é retirada na construção da norma tributária indutora, pois, “na práxis da vida real, o comportamento acaba sendo induzido, muitas vezes, com tal intensidade que se torna proibitivo ou de realização inevitável, a regra tributária afeta, sem dúvida, a liberdade de opção individual”.14

Portanto, não há como deixar de reconhecer a provável colisão do tributo extrafiscal com o princípio da neutralidade tributária, pois quando o Estado intervém na economia busca atingir um ou alguns objetivos. Neste momento o Estado está abrindo mão da neutralidade tributária, cabendo ao particular atingido pelos seus efeitos avaliar se a medida atende efetivamente os interesses coletivos superiores ou não para, por exemplo, discutir a medida judicialmente. Como proposta de enfrentamento

13 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 629.

14 FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista

do problema, é preciso ter em mente que a neutralidade funciona como um limite para a utilização de políticas fiscais fundamentadas na extrafiscalidade, mas sem um caráter absoluto, uma vez que se admite a restrição ao princípio da neutralidade se a extrafiscalidade for utilizada para a implementação de uma política pública pautada em interesses coletivos superiores.15

Como não existem parâmetros seguros, é preciso verificar a proporcionalidade da medida extrafiscal em relação ao benefício pretendido com a sua instituição. Então, ao utilizar a tributação extrafiscal, o Poder Público deve evidenciar que: (i) ela é adequada para atingir o fim estabelecido; (ii) não existem outros meios que limitem menos os direitos envolvidos; e (iii) a restrição a um ou alguns direitos pode ser justificada pelo objetivo a ser alcançado.16

Além disso, não é possível descuidar dos possíveis efeitos indesejados de um tributo com finalidade extrafiscal. Como já salientado, os tributos são custos de transação relevantes que não podem ser negligenciados. Assim, caso instituído um tributo com finalidade extrafiscal é preciso atentar para os efeitos, pois estes podem representar custos de transação tão ou mais elevados do que os benefícios pretendidos. Relevante, portanto, que tanto a elaboração normativa quando a análise das políticas públicas já

15 GONÇALVES, Oksandro Osdival; VOSGERAU, Douglas Ramos. A extrafiscalidade como política pública de intervenção do Estado na Economia e desenvolvimento: o ICMS ecológico e o IPI de veículos automotores. Ciências Sociais Aplicadas em Revista (Online), Marechal Cândido Rondon – PR, v. 13, n. 24, p. 207-221, jan./jun. 2013, p. 213.

16 FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista

existentes busque mensurar os efeitos socioeconômicos de tais políticas.17

4. A extrafiscalidade como instrumento indutor de