• Nenhum resultado encontrado

A F ILOGÊNESE DO R EFLEXO P SÍQUICO DA R EALIDADE

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 45-48)

C APÍTULO II A T EORIA DO C ONHECIMENTO E A P SICOLOGIA C ONCRETA DO H OMEM

2.1. O R EFLEXO P SÍQUICO DA R EALIDADE

2.1.1. A F ILOGÊNESE DO R EFLEXO P SÍQUICO DA R EALIDADE

Para compreender o reflexo psíquico não é suficiente saber que este é historicamente determinado e ontologicamente social, e que a realidade é apreendida pela sensibilidade com o auxílio e efetivação do cérebro na atividade material real. É preciso também conhecer a história filogenética do reflexo psíquico, assim como a maneira como o cérebro humano está organizado e estruturado para formar a consciência.

Lênin indica que para investigar a teoria do conhecimento e a dialética era preciso investigar suas áreas constitutivas. O autor discute sobre isso no livro de Lassalle, acerca da filosofia de Heráclito:

Estas são as esferas do saber com que devem constituir a teoria do conhecimento e a dialética: história da filosofia; história das ciências distintas; história do desenvolvimento mental da criança; história do desenvolvimento mental do animal; história da linguagem; NB [note bene]: mais psicologia e fisiologia dos órgãos dos sentidos. kurz [Em poucas palavras], a história do conhecimento em geral. Toda a esfera do saber. (Lênin, 1915; 1986d, p. 318) 18

Nessa discussão, Lênin apresenta um leque amplo de áreas nas quais a psicologia tem participação em diversas frentes, como o estudo do desenvolvimento mental da criança, da linguagem e psicologia e fisiologia dos órgãos dos sentidos.

Leontiev, em seu “Ensaio sobre o desenvolvimento do psiquismo” investigou, como o próprio título expressa, o desenvolvimento do psiquismo, ou mais precisamente, a evolução do psiquismo animal e o desenvolvimento do psiquismo humano, desde as primeiras organizações humanas até às sociedades de classes e socialista/comunista.

O autor estrutura seu texto discutindo o psiquismo animal e o humano nos diversos momentos históricos, desde os primeiros períodos constituídos unicamente por animais unicelulares até a formação do homem pleno em sua genericidade, tendo como referências centrais as proposições de Darwin (no que concerne às leis naturais) e Marx

e Engels nas discussões das leis sócio-históricas. Em outras palavras, o autor discute tanto a filogenia quanto a ontogenia humana.

Leontiev afirma que a relação vital e ativa do organismo com a realidade dá-se por meio da atividade (deiatelnost, em russo, e Tätigkeit, em alemão) e que foi justamente a complexificação dessa relação vital que permitiu o surgimento de seres vivos dotados de sensibilidade, sendo relevante destacar desde já que é a atividade do organismo com o meio que possibilitará tanto as mudanças anátomo-fisiológicas, quanto as mudanças nos próprios estádios de desenvolvimento do reflexo psíquico.

É por meio dessa sensibilidade que o organismo apreende a realidade externa e reage a ela de uma forma específica, que depende de sua organização biológica e do ambiente.

Esta complexificação reside na formação de processos da actividade exterior que mediatizam as relações entre os organismos e as propriedades do meio donde depende a conservação e o desenvolvimento de sua vida. A formação desses processos é determinada pelo aparecimento de uma irritabilidade em relação aos agentes exteriores que preenchem a função de sinal. Assim nasce a aptidão dos organismos para refletir as acções da realidade circundante nas suas ligações e relações objectivas: é o reflexo psíquico. (Leontiev, 1947/1978b, p. 19)

O primeiro estádio que Leontiev apresenta é o estádio do psiquismo sensorial, caracterizado por um reflexo psíquico derivado de uma atividade direta, imediata, do organismo com a realidade circundante. O reflexo da realidade desses animais é formado a partir de uma relação fundada na sensibilidade desses animais a agentes

particulares ou a um grupo de agentes isolados, seja ele químico ou físico. Esse estádio

é característico de seres vivos que vão desde os grupos unicelulares até aqueles cujo sistema nervoso é difuso, como a classe Arthropoda e algumas espécies de peixes.

O segundo estádio é chamado por Leontiev de estádio do psiquismo perceptivo, que se caracteriza “(...) pela atitude para reflectir a realidade objectiva exterior, não

sob a forma de sensações isoladas (provocadas por propriedades isoladas ou grupos de propriedades), mas sob a forma de reflexo de coisas.” (Leontiev, 1947/1978b, p. 39)

No estádio anterior, a diferenciação dos órgãos sensitivos era o que conduzia à atividade dos organismos. No estádio perceptivo, os órgãos diretores são “(...) cada vez

mais órgãos que integram os estímulos exteriores.”(Leontiev, 1947/1978b, p. 40) ou, em outras palavras, tem um sistema nervoso central, constituído por um encéfalo e medula cervical. Esses animais agem por meio de operações (como, por exemplo, movimentos) para obter o objeto pelo qual sua atividade está orientada. Os organismos mais representativos desse estádio são alguns tipos de peixes e anfíbios, répteis, aves e pequenos mamíferos.

O estádio seguinte é o estádio do psiquismo intelectivo ou do intelecto, cuja principal característica é o surgimento da possibilidade do animal refletir não somente coisas isoladas, mas relações entre estas coisas, entre situações. Isso é conseqüência, dentre outras, do aparecimento e desenvolvimento do córtex cerebral e de suas funções (destacando também o desenvolvimento nos símios superiores dos lobos frontais), assim como da atividade bifásica, ou seja, da atividade executada por meio de uma ação preparatória e uma ação de realização.

Recapitulando, tem-se que, no que concerne à formação do reflexo psíquico, no estádio sensitivo há uma ligação imediata e sensorial do organismo com um elemento ou parte dele com a realidade; no estádio perceptivo já há a reflexão de coisas, sendo que no intelectual o reflexo é de relações.

Por fim, antes de o autor discutir o estádio do psiquismo humano, ele estabelece os caracteres gerais do psiquismo animal e diferencia-os do humano, ressaltando aqui que a distinção desenvolvida por Leontiev é muito similar à realizada por Marx nos

Manuscritos de 1844 e por Marx e Engels n’A ideologia alemã. Destacam-se aqui as características dadas por Leontiev ao psiquismo animal:

1. a atividade dos animais é biológica e instintiva;

2. a atividade dos animais permanece sempre dentro dos limites de suas relações biológicas, instintivas, com a natureza;

3. os motivos da atividade animal estão sempre encerradas na determinação biológica;

4. as relações dos animais com seus semelhantes e outros seres na natureza são fundamentalmente idênticas às estabelecidas por ele com quaisquer objetos exteriores.

Leontiev estabelece ao final a diferença decisiva: “No mundo animal, as leis

gerais que governam as leis do desenvolvimento psíquico são as da evolução biológica; quando se chega ao homem, o psiquismo submete-se às leis do desenvolvimento sócio-

histórico.”(Leontiev, 1947/1978b, p. 68)

Assim, o autor estabelece a diferença fundamental e inicia a discussão sobre o papel do trabalho na formação do humano e na formação do reflexo psíquico consciente, sendo este responsável pela distinção entre a realidade interna e externa, ou seja, o “(...) o reflexo que distingue as propriedades objectivas estáveis da realidade.”

(Leontiev, 1947/1978b, p. 69)

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 45-48)