• Nenhum resultado encontrado

A P SICOLOGIA DA M EMÓRIA NOS P RIMEIROS A NOS P ÓS G UERRA Leontiev, em seu texto de 1945, discute diversos aspectos sobre o

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 126-133)

4.3 2 º M OMENTO : 1941-1948: A NOS DE G UERRA E R ECONSTRUÇÃO I MEDIATA Este item discutirá a participação de psicologia nos anos de guerra, seu papel na

4.3.3. A P SICOLOGIA DA M EMÓRIA NOS P RIMEIROS A NOS P ÓS G UERRA Leontiev, em seu texto de 1945, discute diversos aspectos sobre o

desenvolvimento psíquico da criança e suas relações com os diversos períodos de desenvolvimento (sendo suas proposições claramente relacionadas às de Vigotski sobre uma periodização por crises).

Leontiev faz algumas ressalvas gerais sobre os processos psicológicos, escrevendo que estes se desenvolvem e se reestruturam na realidade e atividade das quais estão inseridos. Fazem parte também, como fizera Vigotski em diversos momentos de sua obra, que “(...) as mudanças observadas nos processos de vida

psíquica da criança, dentro dos limites de cada estágio, não ocorrem independentemente um dos outros; eles estão ligados entre si.” (Leontiev, 1945/1994b,

p. 78)

Especificamente sobre a memória, Leontiev escreve que

É claro que o desenvolvimento da memória, por exemplo, forma uma seqüência unida de mudanças, mas sua necessidade não é determinada pelas relações que surgem dentro do desenvolvimento da própria memória, mas por relações que dependem do lugar que a memória ocupa na atividade da criança em um certo estágio de seu desenvolvimento. (Leontiev, 1945/1994b, p. 79)

Como o próprio autor escreve, o desenvolvimento da função ocorre no interior dos processos que a realiza, e assim sendo tem uma intrínseca dependência da atividade na qual ocorre, haja vista que os processos mnemônicos são sempre analisados pelo autor como ações ou operações: “Nós não chamamos de atividade um processo como,

nenhuma relação independente com o mundo e não satisfaz qualquer necessidade especial.” (Leontiev, 1945/1994b; p. 68).

Leontiev chama atenção à mudança da memória na criança pré-escolar, sendo esta caracterizada por terem os processos de memorização e recordação se tornado voluntários.

O autor escreve também que o lugar que os processos mnemônicos ocupam na vida psíquica da criança também se altera: Anteriormente, a memória surgia apenas

como uma função servindo a algum processo; agora, a recordação torna-se um processo especial, propositado, uma ação anterior, ocupando um novo lugar na estrutura da atividade da criança. (Leontiev, 1945/1994b; p. 79)

Essa discussão de Leontiev remete-se claramente à proposição vigotskiana de que “se na idade infantil o pensamento é função da memória, na idade de transição a

memória é função do pensamento.” (Vygotski, 1931/1996a, p. 166) 79 ou, em outras palavras, para a criança pensar significa recordar e, para o adolescente, para recordar é preciso pensar.

Tal discussão fica um pouco mais clara em Leontiev que, baseando em provas experimentais, escreve que “o processo de transformação de um ato mental difícil para

a criança, i.e., a recordação, em uma operação, não começa imediatamente, e que ele, algumas vezes, só se completa com a transição para a educação escolar.” (Leontiev,

1945/1994b, p. 80), ou, ainda, ganhará efetivamente corpo com a chegada da adolescência e a efetiva fusão entre o pensamento e a memória, na formação do sistema psicológico.

O autor também discute a automatização e a não-consciência dos processos mnemônicos ao se tornarem, estes, uma operação, retomando claramente uma das propostas de Zinchenko em seu texto de 1939. Leontiev explica esse processo da

seguinte forma: “Ao tornar-se uma operação, ela [a recordação] sai do círculo dos

processos conscientes, mas retém os traços de um processo consciente e, a qualquer momento, pode tornar-se novamente consciente.” (1945/1994b, pp. 80-81) ou, em

outras palavras do mesmo autor, pode ser apresentada à consciência.

Esse texto de Leontiev foi publicado no fim da guerra, ano em que a União Soviética e, mais especificamente, a psicologia deste país, procuraram se re-erguer. A reconstrução da pátria era a ação central desse país devastado e faminto. E isso fora feito.

No início de 1948, o clima ainda era favorável às publicações de temas “mais psicológicos”. Anatoli Smirnov publicou em 1948 um texto chamado “Problemas de psicologia da memória” a, e há, no mesmo ano, outro texto, de Z.M. Istomina (1948/1975), chamado “O desenvolvimento da memória voluntária em crianças pré- escolares”.

O texto de Istomina é um dos elementos centrais na discussão sobre memória, não só nessa década, mas também no corpo da psicologia soviética. Ele tem como objetivo relatar as investigações da autora sobre a gênese e desenvolvimento da memória (aqui compreendidas tanto a memorização quanto a evocação de informações) em crianças, mais especificamente em pré-escolares (entre 3 e 7 anos).

Nessa investigação, Istomina trabalha com duas hipóteses centrais, sendo elas a dependência dos processos mnemônicos da atividade do indivíduo e a emergência da memória voluntária como resultado da diferenciação de um tipo específico de ação, cujo propósito é recordar ou memorizar algo dentre a totalidade da atividade da criança.

Para que haja essa diferenciação, é preciso, segundo Istomina, que haja motivos que signifiquem os fins da atividade, fins estes que devem ter relação com a realidade a A publicação desse texto em inglês ocorreu somente em 1966, após revisão do autor; assim, avalia-se

que esse texto deve ser analisado no período referente ao ano do texto revisado e não do original, pois já apresenta mais características dos anos 1960 do que do ano de sua primeira publicação.

concreta. A autora observa também que a criança precisa ter a sua disposição meios para execução (atividade mediata) dos atos mnêmicos voluntários, sendo que esses requisitos são gradualmente desenvolvidos pelo indivíduo em sua ontogênese, por meio de sua relação com os demais indivíduos de seu grupo.

Os procedimentos experimentais desenvolvidos por Istomina (assim como os realizados por Zinchenko em 1939) são bastante simples e característicos da psicologia soviética. Usualmente os procedimentos desenvolvidos são chamados de método (ou procedimento) formativo, também nomeados por Vigotski de método genético-causal ou genético-experimental, que consiste em estudar as mudanças no desenvolvimento do psiquismo por meio da ativa influência do pesquisador na experimentação, ou, em outras palavras, pela formação dirigida dos processos psicológicos que serão investigados (Davidov; Shuare, 1987), sendo esses experimentos claramente fundados na proposição vigotskiana de zona de desenvolvimento proximal.

O experimento é dividido em dois grupos, um realizado em laboratório, individualmente, com os sujeitos, e outro em jogos de faz-de-conta, sendo que, neste, apesar de participarem seis crianças, uma de cada vez é avaliada em seu desenvolvimento dos processos mnemônicos. Participaram das atividades 200 crianças moscovitas, sendo realizadas um total de 1300 sessões individuais.

Observou-se uma melhora significativa no número de palavras recordadas tanto nos experimentos em laboratório quanto na situação de faz-de-conta (sendo esta novamente a que obteve melhores resultados), após a influência educativa, evidenciando o papel diretivo da educação na formação dos processos voluntários.

Segundo Istomina, já na conclusão de seu trabalho, isso somente é possível devido ao surgimento da motivação para a ação da criança ou, em outras palavras, do surgimento dos motivos da atividade.

Istomina argumenta que é justamente pela diferença da motivação que há a grande alteração entre a situação de laboratório e a do jogo. Segunda a autora, na situação de laboratório o objetivo e a operação de memorizar não estão diretamente relacionados com o motivo da atividade. Esses fatores estão, segundo ela, relacionados com a criança somente externamente, pela relação da criança com o experimentador. No jogo a situação é diferente, pois

(...) os objetivos de memorizar e recordar tem um significado totalmente específico e real com esta situação. Por esta razão, na situação de jogo ou brincadeira a criança compreende os objetivos mnemônicos como tal, mas rapidamente e facilmente [que em uma situação de laboratório]. (Istomina, 1948/1975, p. 60)80

Ainda escreve ela que

A educação progressiva tem sempre acentuado a importância do papel do brincar no desenvolvimento psicológico infantil durante o período pré- escolar. Brincar, especialmente o jogo de papeis criativo, é o tipo de atividade em que a criança aprende sobre o vasto mundo [e] sobre ele de uma forma ativa e real. (p. 60)81

Nesse ponto, Istomina retoma o papel dirigente da educação na formação dos processos psicológicos voluntários ou, nas palavras vigotskianas, nos processos psicológicos superiores. A autora defende a pré-escola como um momento único na formação das crianças para a escolarização. Assim, a educação infantil deveria atender algumas demandas necessárias para o pleno desenvolvimento das crianças no ensino formal, ou nas palavras da autora “(...) estar em prontidão para a escolarização formal (...)” (p. 61)82

A autora diz que estar preparado para a escolarização não significa somente dominar um conjunto de idéias, conhecimentos, habilidades ou outras questões pedagógicas: “Prontidão escolar inclui um número de exigências psicológicas, dos

quais o mais importante é o aspecto motivacional da personalidade infantil ser suficientemente desenvolvido.” (p. 61) 83, ou em outras palavras, a criança deve estar preparada para assumir novos tipos de obrigações e para tal ela deve “(...) querer

aprender, i.e., motivação geral para aprender dever ser instilado nele.” (p. 61 – grifo

nosso).84

Só que, para que isso ocorra, é preciso que se desenvolva concomitantemente a esse processo o desenvolvimento do controle voluntário dos processos psicológicos, não sendo demais ressaltar que o comportamento voluntário é um processo complexo que consiste na conquista gradual de diversos estágios.

Os processos discutidos por Istomina nesse artigo refletem o surgimento da conduta voluntária e não o controle efetivo, pelo indivíduo, desse processo. Esse processo será mais plenamente desenvolvido no período escolar, tendo sua maior completude na adolescência, com o desenvolvimento do sistema psicológico e, mais especificamente, da memória lógica (Almeida, 2004).

É interessante observar que essa investigação de Istomina foi replicada na década de 1990, como pequenas alterações em seu procedimento, por Ivanova e Novoennaia (1998). O mais importante a ressaltar é que as autoras chegaram a resultados bastante semelhantes ao obtidos em 1948 por Istomina, com uma pequena diferença: houve uma ligeira antecipação na idade em que os processos começaram a ter características de voluntariedade, evidenciando assim o caráter sócio-histórico do desenvolvimento dos processos mnemônicos em particular e do psiquismo em geral.

Os experimentos realizados por diversos psicólogos nos anos pós-guerra foram de extrema relevância na constituição e confirmação do corpo teórico desenvolvido nos anos anteriores, principalmente algumas teses da década de 1920 e 1930, inclusive vigotskianas, mesmo sem referência direta à obra do autor.

Mas esse período teve uma curta duração. Já em 1946, iniciaram novos ataques e perseguições a artistas e cientistas, austeramente intensificados a partir do ano de 1948, sendo os comandantes principais desses novos ataques, Stalin e Zhdanov, este então responsável pelas questões relacionadas à ideologia e à ciência na URSS.

A psicologia sofreu ataques em diversas frentes. Os principais autores da época, Leontiev e Rubinstein, tiveram suas obras capitais colocadas sob análise; diversos autores na fisiologia (e posteriormente na psicologia) foram acusados de “desviadores e deturpadores” dos ensinamentos de Pavlov e ainda os pilares da ciência genética foram abalados com o caso Lisenko, cuja diretriz geral era a acusação de erro na genética mendeliana, e em parte da teoria darwinista.

Ciência e cultura são os alvos centrais desse momento. Psicologia, fisiologia, biologia, genética e medicina (esta de uma forma mais grotesca ainda) tiveram seus rumos alterados brutalmente. Cinema, teatro e música também.

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 126-133)