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R ETRATO DE S ANGUE

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 98-101)

4.2 1 º MOMENTO : 1936-1941: 1 ª ERA DO TERROR

4.2.1. R ETRATO DE S ANGUE

Nos anos de 1936-1938, um verdadeiro mar de acusações, calúnias e, por que não, de sangue, jorrou no seio da sociedade soviética. Torturas físicas e psíquicas eram utilizadas e até mesmo familiares eram “seqüestrados” e apresentados aos tribunais na tentativa se pressionar os acusados a se entregarem, confessando muitas vezes (a maioria) um crime que não cometeram para proteger suas famílias.

Muitos caminhos foram usados na depuração das fileiras do Partido e dos grupos opositores, sendo muitas vezes esses caminhos tão inventados quanto as confissões dos réus que eram perseguidos.

Esse momento histórico dirigiu os destinos de muitos indivíduos e grupos, pesquisas científicas e experiências artísticas, inclusive a psicologia.

Esse processo na ciência psicológica, ao que consta nos poucos materiais encontrados sobre o tema no Ocidente, foi muito mais calmo (isto é, sem assassinatos e deportações aos campos de trabalho forçado) do que em outras áreas da sociedade soviética, principalmente na política na qual se estima cerca de um milhão de mortosa.

A principal reprimenda que a psicologia como ciência sofreu foi por meio do decreto, publicado no Pravda, contra os erros pedológicos, em 04 de julho de 1936. Por meio deste, vários autores foram proibidos de publicar, além de perderem seus cargos, principalmente no ensino da pedologia, que foi extinta; destaque-se que ocorreram nesse período as famosas autocríticas.

a O principal alvo das perseguições nesse momento eram oposições políticas, funcionários de alto escalão,

sejam civis ou militares, e membros do partido. Cientistas e artistas sofreram mais com as perseguições estatais no segundo período de terror, entre 1946 e 1953.

A discussão que resultaria na “Resolução do dia 04 de julho de 1936 adotada pelo Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética sobre os erros pedológicos nos Comissariados de Educação (Narkompros)”, foi conduzida por Viktor N. Kolbanovski, então diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de Moscou e teve, entre as resoluções do Comitê Central do PC(b)US, duas com maior relevância para a psicologia histórico-cultural soviética, sendo elas o fim da conexão dos pedólogos com as escolas e supressão de todos os livros de teor pedológico e conseqüente censura pela imprensa das obras publicadas até a data do decreto.a

Com essas resoluções, a publicação das obras de Vigotski ficou proibida até o ano de 1956, impedindo seus camaradas de citá-lo, mas não os impedindo de usar e ensinar suas propostas, ou mesmo de ler suas obras já publicadas ou em manuscritos. Devido à proibição, o nome de Vigotski some por 20 anos dos textos soviéticos, sendo difícil encontrá-lo e, quando o era, faziam-no para criticar suas posições.

Na psicologia, as interferências estatais não foram tão incisivas para uma unificação das diversas tendências como as ocorridas nas artes (com o realismo socialista) e não tão violento, no que tange ao conhecimento estrito de uma área, como foi na biologia com a teoria da transmissão às gerações posteriores dos caracteres (fenotípicos) adquiridos, de Michurin-Lisenko.

A unificação da psicologia não ocorreu pela criação de um conglomerado de teorias ou via dominação de uma teoria psicológica, mas pela unificação da epistemologia de referência, no caso, o materialismo-histórico e dialético, havendo vários autores e algumas tendências (teorias), sendo as mais conhecidas e sólidas as relacionadas às obras de Vigotski, Rubinstein, Uznadze e Pavlov. Este último, apesar de

a Há diversos relatos da leitura dos textos de Vigotski clandestinamente, sendo este o principal meio de

não ter elaborado efetivamente uma teoria psicológica, fundamentou com sua obra autores que a desenvolveram.

Essa unificação é conseqüência direta dos debates ocorridos na década de 1920 e primeira metade da década de 1930 sobre a elaboração de uma psicologia fundada na epistemologia desenvolvida por Marx, Engels e Lênin, sendo fortemente impulsionada pelo decreto de 1936, que efetivamente não normalizou as produções, mas, sem dúvida, sinalizou aos autores que algumas coisas deveriam ser mudadas.

O primeiro autor a realizar uma proposição categorizada de princípios norteadores foi Rubinstein. Em 1935, em seu livro “Fundamentos de psicologia” (Osnovy Psikhologii), elaborou os primeiros esboços desses princípios, que teriam sua forma mais bem acabada em 1940, em uma de suas obras capitais, o livro “Fundamentos de psicologia geral” (Osvony Obshchey Psikhologii – 1946/1967)a.

No quarto capítulo dessa extensa obra, chamado “O problema da evolução em psicologia”, o autor propõe os princípios norteadores da psicologia soviética, que foram sintetizados por Payne (1968, p. 52):

Escrito em 1940, Rubinstein formulou quais ele considerava ser os mais importantes princípios governando a psicologia soviética como segue:

(1) o princípio da unidade psico-físico – a unidade do psiquismo com seu substrato orgânico, o cérebro, do qual é uma função, e com o mundo externo, do qual é uma reflexão;

(2) o princípio do desenvolvimento psíquico – o psiquismo é um derivado embora um componente específico no desenvolvimento do organismo; ele desenvolve junto com as mudanças na estrutura do organismo e seu modo de vida;

(3) o princípio da historicidade – a determinação de (2) – consciência humana muda com o desenvolvimento do ser social do homem;

(4) o princípio da unidade da teoria e prática.

Rubinstein via estes quatro princípios como a expressão de um princípio básico da psicologia soviética, ou seja, o princípio da unidade consciência e comportamento. 47

a A primeira edição é de 1940 e a segunda de 1946. A tradução que será aqui utilizada (Principios de

psicología general) é oriunda da edição de 1946, sendo, no entanto, importante notar que não há diferenças significativas entre as duas edições.

É importante observar que esses princípios já estavam claramente presentes no

corpus teórico vigotskiano, sem, no entanto, estarem de forma tão organizada como a

encontrada na obra de Rubinstein, assim como a necessidade (em termos de urgência) histórica de uma sistematização não era tão grande.

Esses princípios gerais foram seguidos por todas as vertentes existentes na URSS (menos estritamente pela pavloviana), que conseguiram neste momento evitar os atritos diretos com o Birô Político e a NKVD a.

Um pouco antes da publicação do livro de Rubinstein, em 1940, é publicado em 1939 em Kharkov um texto sobre memória, escrito por Peter Zinchenko e ,apesar de escrito antes, já traz as características apregoadas por Rubinstein, assim como fortes traços do Zeitgeist.

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 98-101)