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F ORMAÇÃO DO S ISTEMA P SICOLÓGICO

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 59-63)

C APÍTULO II A T EORIA DO C ONHECIMENTO E A P SICOLOGIA C ONCRETA DO H OMEM

2.2. O R EFLEXO P SÍQUICO C ONSCIENTE DA R EALIDADE

2.2.3. F ORMAÇÃO DO S ISTEMA P SICOLÓGICO

Entende-se aqui que para o mais completo entendimento do desenvolvimento histórico do psiquismo, assim como do projeto de psicologia elaborado inicialmente por Vigotski, Leontiev e Luria, faz-se necessário discutir a formação do sistema psicológico, pois este permite compreender não só aspectos essenciais da formação do psiquismo, como também o porquê da organização fisiológica do cérebro do Homo

sapiens sapiens, sendo esses processos decorrentes do surgimento do reflexo psíquico

consciente da realidade e fundamentalmente da atividade vital humana = trabalho. O sistema psicológico é uma complexa estrutura funcional cuja dinâmica está fundada na inter-relação e no inter-funcionamento dos processos psicológicos superiores, sendo este desenvolvido na ontogênese, permitindo ao indivíduo a percepção totalizante do psiquismo, com uma correspondente organização cerebral que lhe confere sua materialidade.

Explicando amplamente sua formação tem-se que os processos psicológicos internalizados ficam cada vez mais interligados, havendo uma mudança na relação

existente entre os processos superiores, modificando a estrutura funcional da consciência e formando um novo sistema psicológico caracterizado, como já escrito, pela intrínseca interconexão e inter-relação dos processos.

O sistema psicológico começa a se desenvolver inicialmente como uma relação entre as diversas funções psicológicas. No entanto, com o desenvolvimento do indivíduo, essas funções, que anteriormente estavam somente relacionadas, começam a se fundir, a ter relações sistêmicas, vínculos interfuncionais.

No primeiro ano de vida é observável uma estreita relação entre a sensação/percepção e o ato motor, tendo as atitudes emocionais como principal meio da relação criança-adulto. Essa relação propriamente dita intensifica-se já no ano seguinte, e a ação e a percepção começam a se integrar. O indivíduo inicia aos poucos o controle de seus atos motores tendo a percepção como sólida referência (e não mais como simples eliciador).

Um fator que contribui de forma decisiva para essa conquista, além é claro do próprio desenvolvimento da habilidade motora e percepção, característica da atividade principal dessa idade (objetal-manipuladora, entre dois e três anos aproximadamente), é o surgimento da linguagem. Esta, mesmo que ainda bastante rudimentar, possibilita a categorização da percepção, ao sujeito nomear com sentido o mundo objetivo, materializando seu pensamento. Nesse momento, começa a ser mais amplamente desenvolvida a relação entre pensamento e linguagem, que se fundirão mais tarde.

O surgimento da linguagem, o domínio da marcha e o maior conhecimento e controle do ambiente criam as condições para que o indivíduo se conheça e assim desenvolva sua consciência, sendo a auto-nomeação (aparecimento do “eu” na fala) um dos principais indícios desse novo momento.

Assim, com a maior apropriação do mundo humano, a criança desenvolve ainda mais sua imaginação e mundo simbólico, em que o jogo de papéis (a atividade principal da criança pré-escolar) é fundamental. Nessa atividade, utilizando, entre outras coisas, a imitação, a criança desenvolve ainda mais seus movimentos, linguagem, percepção, memória e imaginação, sendo esse período (por volta dos 3 a 6 anos) de vital importância para a solidificação das habilidades recém conquistadas, assim como um período crucial para a apropriação das regras sociais, desenvolvimento dos sentimentos, enfim, de sua consciência social.

No momento seguinte (cuja atividade principal é o estudo), o indivíduo passa a desenvolver capacidades e motivos mais complexos (do que os existentes até então), impulsionados pela aprendizagem de um corpo de conhecimentos transmitidos de forma elaborada pela escola. No que concerne às funções psicológicas, memória e atenção, em maior destaque que as demais, estão neste momento em franco desenvolvimento, com suas estruturas tornando-se cada vez mais mediatizadas e controladas voluntariamente. A memória, que já tem em sua origem uma relação de interdependência com a atenção, funde-se ao pensamento, tornando-se lógica (memória lógica). Com o desenvolvimento do corpo inorgânico, essas funções vão se relacionando sistematicamente com o pensamento.

Esse mesmo processo de surgimento de neoformações, tendo como referência central a atividade principal do período, ocorre também na adolescência e vida adulta. Não serão aqui observadas com mais detalhes esses períodos, mas é preciso ressaltar que nestes o desenvolvimento da autoconsciência e da personalidade são aspectos em primeiro plano.

Afinal, com o maior desenvolvimento e interconexão das funções psicológicas superiores, há uma maior estruturação do sistema psicológico, formando um sistema

cada vez mais unificado (porém não monolítico), sendo que nessas conexões e relações com o mundo (ou riqueza inorgânica do indivíduo) radicam as vidas dos sujeitos.

O desenvolvimento de um sistema unificado, fundado na interconexão e inter- relação dos processos psicológicos que agem como centros isolados e interdependentes, é essencial para (e coincide com) a formação da personalidade e, assim sendo, para a própria ação voluntária do indivíduo na realidade ou, como expressa Vigotski “O

homem pode certamente reduzir a um sistema não somente funções isoladas, mas criar também um centro único para todo o sistema.” (Vygotski, 1930/1997a, p. 92). 20

Esse centro único para todo o sistema é desenvolvido na ontogênese e dá ao indivíduo a percepção integrada, totalizada do psiquismo, em seus aspectos biológicos e culturais. Essa categoria síntese caracteriza a personalidade, sua singularidade, ou seja, a apropriação particular pelo indivíduo da genericidade humana.

K. Lewin disse acertadamente que a formação dos sistemas psicológicos coincide com o desenvolvimento da personalidade. Nos casos mais elevados, ali onde nos encontramos em presença de individualidades humanas que oferecem o grau máximo de perfeição ética e a mais bonita vida espiritual nos encontramos ante a um sistema em que o todo guarda relações com a unidade. (Vygotski, 1930/1997d, p. 92) 21 a

A formação desse sistema dinâmico está, como já afirmado, diretamente relacionada com a formação, no encéfalo, de um conjunto variável de conexões assim como de relações interfuncionais. O encéfalo humano é o que tem, dentre os primatas, a maior região frontal, sendo esta a principal área responsável pelas características afetivo-volitivas.

Desta forma, pode-se observar que a atividade psíquica complexa do homem é função do encéfalo. No entanto, este não é o demiurgo do psiquismo e sim o órgão que

a Leontiev, em sua discussão sobre consciência, explicaria a relação do sistema com a unidade pela não

possibilita (biologicamente) a efetivação dessa atividade, ou como expressara Luria (1973/1981, p. 04) “(...) o cérebro como órgão da atividade mental concreta”.

Cremos que o sistema de análise psicológico adequado para desenvolver uma teoria deve partir da teoria histórica das funções psíquicas superiores, que por sua vez se apóiam em uma teoria que responde à organização sistêmica e ao significado da consciência no homem. Esta doutrina atribui um significado primordial à: a) variabilidade das conexões e relações interfuncionais; b) formação de sistemas dinâmicos complexos, integrantes de toda uma série de funções elementares, e c) reflexão generalizada da realidade na consciência. (Vygotski, 1930/1997d, p. 134) 22

Observa-se nessa passagem de Vigotski que ainda é preciso, para expor em síntese geral os aspectos centrais da teoria histórico-cultural, discutir sucintamente a organização cerebral que dá suporte à atividade consciente do homem.

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 59-63)