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A P SICOLOGIA NA G UERRA

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 119-126)

4.3 2 º M OMENTO : 1941-1948: A NOS DE G UERRA E R ECONSTRUÇÃO I MEDIATA Este item discutirá a participação de psicologia nos anos de guerra, seu papel na

4.3.2. A P SICOLOGIA NA G UERRA

Nesse mesmo mês de julho, Leontiev alista-se nas forças armadas e começa a desenvolver estudos para auxiliar as tropas, sendo os mais divulgados seus estudos sobre visão noturna. Luria, nesse período, estava no Instituto de Neurociências de Moscou (chamado posteriormente de Instituto Burdenko). Nesse mesmo momento, outros psicólogos entram para as fileiras das forças armadas, como pesquisadores ou como soldados.

A ofensiva alemã continuava impiedosa. Em setembro, Leningrado estava cercada. Novembro marca não só a tomada de dois terços dessa cidade, como a chegada do exército alemão nos arredores de Moscou.

É nesse panorama que, em dezembro, a URSS começa a efetivamente combater os alemães. Outra medida que começa em fins de 1941 e continua no início de 1942 é a evacuação de fábricas e usinas para o leste, dando início efetivo à economia de guerra pedida por Stalin em seu discurso de julho.

Em outubro de 1941, Kornilov, então diretor do Instituto de Psicologia da Universidade Estatal de Moscou (MGU), foi evacuado para o interior, sendo então substituído na direção do instituto por Leontiev. Em dezembro desse mesmo ano, como medida de proteção da MGU, que sofria com diversos ataques, vários acadêmicos (e suas famílias) foram chamados a evacuar as instalações da universidade para os Urais do Sul, mais especificamente a cidade de Ashkhabad. Dentre esses acadêmicos, destacam-se aqui os psicólogos Leontiev, Boris Teplov, Anatoli Smirnov e Mikhail Iaroshevski e o filósofo Evald Ilienkov.

No início de 1942, Luria muda-se para Kisengach (vila próxima a Cheliabinski), também nos Urais do Sul, onde foi um dos responsáveis pela montagem de um hospital de recuperação e evacuação. Em junho, Galperin e Zaporozhets juntam-se a Leontiev e auxiliam o grupo de evacuação da MGU a mudar as instalações de Ashkhabad para Sverdlovsk, onde também foi criado um hospital de evacuação. Esses hospitais, segundo Luria (1976/1992, p. 144), tinham como objetivos

Primeiro, tínhamos que conceber métodos de diagnóstico de lesões cerebrais localizadas, e de reconhecimento e tratamento de problemas como as inflamações e infecções secundárias que eram causadas pelo ferimento. E segundo, tínhamos que desenvolver técnicas racionais, científicas, para a reabilitação das funções prejudicadas.

Nos idos de 1942, a situação da URSS no conflito é bastante grave. Além dos ataques em Leningrado e Moscou, no sul há conflitos intensos e em julho de 1942 ocorre o cercamento e invasão de Stalingrado (atual Volvogrado).

Nesse mesmo mês começa o contra-ataque soviético em Moscou, dando início à primeira grande virada da guerra. A tomada de Moscou, que iniciara no verão de 1942, será completada somente nos primeiros meses de 1943.

Em fevereiro desse ano, a batalha de Stalingrado também terá seu fim, marcando o segundo ponto de virada na guerra, sendo este o marco efetivo do início da derrota alemã, além da conquista simbólica soviética, que não permitiu que as tropas de Hitler tomassem a cidade de Stalin.

Em 4 de setembro de 1943, Stalin surpreende novamente ao permitir a eleição (e conseqüente reabilitação) de um novo patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, inserindo também a igreja ortodoxa no conflito armado, e reunindo, assim, mais elementos para o aumento da estima da população na luta contra o invasor.

Nesse mesmo mês, Leontiev e seu grupo retornam a Moscou, montando novamente uma unidade hospitalar de evacuação. Além dos psicólogos que participaram da evacuação da MGU, em 1941, integraram-se ao grupo Bozhovich, Slavina, Morozova e Elkonin (que perdeu suas duas filhas e esposa no cerco de Leningrado, no qual havia lutado como soldado, sendo acolhido por Leontiev e grupo em Moscou). Leontiev passou a dirigir a Seção de Psicologia Infantil e o laboratório de psicologia da criança em idade escolar do Instituto de Psicologia, sendo que neste também trabalhavam Bozhovich, Slavina e Morozova. O laboratório de psicologia da criança pré-escolar ficou sob a responsabilidade de Zaporozhets, e o laboratório da Seção de Linguagem e Clínica do Instituto de Defectologia ficou a cargo de Levina.

Luria e seu grupo, dentre eles Evgenia Homskaia, voltariam para o Instituto de Psicologia em Moscou somente no início de 1944. Nesse Instituto, Zeigarnik também chefiou grupos de trabalho e desenvolveu diversas pesquisas em parceria com Luria e Suzana Ia. Rubinstein.

O relato de Galperin sobre esse ano é bastante esclarecedor dos sentimentos e enfrentamentos daquele momento:

Em 1944, a totalidade do plantel volta a Moscou, quando a frente retrocede após a libertação definitiva do solo pátrio.

É justamente a partir do difícil ano de 1944, já próximo da vitória final, quando passo a ir a nossa amada Universidade, ali me instalo permanentemente, sem interrupção de continuidade, e ali conduzo já quase quarenta anos de trabalho. Como todos nós, vivo outra vez o clima de reconstrução, de um renascer à vida e à possibilidade de sonhar novamente com a ciência e com a psicologia a serviço do homem. Outra vez todos assumimos uma época heróica, cansados, mal alimentados, com privações, com frio nas casas e nos hospitais, mas seguros e confiantes em nosso destino. (Galperin, 1986, p. 47) 77

Sobre esse sonho científico, escreve Leontiev a Elkonin, em uma carta de 1943, ressaltando também os ânimos na guerra e a preocupação com o amigo em Leningrado:

Eu sonho que daqui algum tempo estaremos todos juntos, que vamos recompor nossa ciência na Ucrânia, sobre uma maior base e uma maior hierarquização. Lá vai estar o centro fundamental de nossa ciência! Tu me dirás que isso é uma insolência; não é: é só uma conseqüência.

Meu estado de ânimo está um tanto vazio, demasiados temas insignificantes de coisas externas à gente. Isso é agora, a partir de nossa transferência definitiva para esta área [Moscou]. Farei o possível para liberar- me desses problemas.

Nós todos estamos bem, todos te enviam muitas saudações cordiais, os melhores desejos. Meu caro militar: aguardo com impaciência o momento em que possamos nos dar um abraço... Assim penso, aqui em Moscou... Assim não me desligarei de ti, nem mesmo um passo, até os fins dos dias. Tens alguma idéia dos perigos que te aguardam na retaguarda? Cuida-te... (Carta de Leontiev a Elkonin, apud Elkonin, 1983/2004, p. 81)

É interessante observar que esse sonho de Leontiev é um antigo sonho da troika, assim como um antigo sonho da ciência psicológica russa/soviética (da independência

da ciência psicológica em relação à Pedagogia e à Filosofia), que somente será conquistada em 1966, não em Kharkov, mas em Moscou.

No início de 1944 (27 de janeiro), Leningrado foi oficialmente libertada do bloqueio que sofria desde o início dos conflitos germano-soviéticos e, em 02 de maio, o Exército Vermelho toma a cidade de Berlin.

Com a rendição alemã e o fim dos conflitos armados, a situação da URSS era totalmente contraditória. Ao mesmo tempo em que gozava de prestígio internacional por ter derrotado os alemães e seu líder ser ovacionado tanto internacionalmente quanto dentro do Estado soviético, sua infra-estrutura e população estavam completamente arrasadas. O número de mortos e desaparecidos chegava a mais de 27 milhões, sem contar os feridos e lesionados. As cidades e vilas completamente destruídas. A economia soviética apresentava números semelhantes ao do período pré-revolucionário ou, quando muito, números equivalentes aos primeiros anos da NEP.

Muito conhecimento foi perdido. Por exemplo, a tese de doutoramento de Leontiev foi quase que completamente perdida, sendo que a pequena parte do que restou foi parcialmente reconstruída pelo próprio autor no pós-guerra, originando o “Ensaio sobre o desenvolvimento do psiquismo”, publicado pelo autor quando, em 1947, trabalhava no Instituto Pedagógico Militar (a partir de 1945, juntamente com Zaporozhets, Bozhovich e Elkonin).

Galperin (1986, p. 47) afirma também que dentre os materiais destruídos em conflito estavam “(...) propostas esboçadas pelo próprio Vigotski de seu punho e letra (...)” e diz mais “A horda hitleriana arrasou com esses capítulos vivos de nosso

desenvolvimento, incipiente, mas pujante e criativo como poucos!”78

Mas também muito conhecimento foi desenvolvido. Os primeiros que merecem destaque são aqueles sistematizados principalmente no pós-guerra como resultado dos

trabalhos desenvolvidos nos hospitais de evacuação com o restabelecimento e recuperação dos lesionados de guerra. Dentre esses trabalhos, merecem destaque os desenvolvidos por Boris Ananiev, Zeigarnik, Leontiev e Zaporozhets e Sergei Rubinstein.

Também merece destaque a produção de Luria nesse período, sendo suas principais obras “Afasia Traumática” (Luria, 1947/1978) e seu texto sobre restauração de funções de um lesionado de guerra (“Restauração de função após lesão cerebral”, 1948/1963).

É importante destacar que a produção luriana desse período marca a criação e início de um novo ramo na ciência psicológica, denominada neuropsicologia. Essa nova área tem como objetivo central investigar os mecanismos cerebrais dos processos psicológicos superiores, sendo a investigação dos processos resultantes de lesões cerebrais e sua recuperação uma de suas vertentes centrais.

Durante a permanência de Leontiev na Seção de Psicologia Infantil e no laboratório de psicologia da criança em idade escolar do Instituto de Psicologia, ele publicou dois importantes textos no periódico “Pedagogia Soviética” (Sovietskaia

Pedagogika), sendo o primeiro, de 1944, chamado “Os princípios psicológicos da

brincadeira escolar” e outro, em 1945, intitulado “Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil”.

O texto de 1944 discute o brincar e o jogo infantil e seu papel no desenvolvimento psíquico da criança (homem) e, para tal, o autor desenvolve o conceito de atividade principal; esta é entendida como a

(...) conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da criança [e do indivíduo em geral] para um novo e mais elevado nível do desenvolvimento. (Leontiev, 1944/1994a, p. 122)

Afirma ainda o autor que (...) nossa tarefa não consiste apenas em explicar esta

atividade [mas também] as conexões psíquicas que aparecem durante o período em que essa é a atividade principal. (Leontiev, 1944/1994a, p. 123)

Leontiev, nesse texto, também começa a explicar a estrutura dessa atividade, trazendo os conceitos de motivos e fins, ações e operações. Traz também uma rica teorização sobre o brincar e suas relações com o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, e a imitação, estabelecendo fortes laços com a teoria vigotskiana, assim como com as idéias desenvolvidas até então por Elkonin.

Essas novas contribuições de Leontiev, assim como os primeiros escritos sistematizados de Luria sobre neuropsicologia, são fundamentais para o entendimento das futuras discussões da psicologia histórico-cultural sobre a estrutura e funcionamento da memória e o papel deste processo psicológico na totalidade do desenvolvimento psíquico do indivíduo.

É importante notar que apesar de esta ser uma das (se não a) primeiras publicações de Leontiev sobre a estrutura da atividade, os fatos históricos mostram que essa conceitualização já está presente, mesmo que embrionariamente, nas discussões de Leontiev com seu grupo mais imediato, assim como nas produções destes nos anos 1930 e início dos anos 1940.

A estruturação da atividade trouxe elementos significativos para a efetivação de algumas proposições de Vigotski desenvolvidas pouco antes de sua morte (mais notadamente no “Pensamento e fala”, de 1934) sobre a análise por unidades. Leontiev escreve que cada um dos níveis da estrutura da atividade é uma unidade a ser analisada, propiciando condições concretas para o melhor entendimento das neoformações

psíquicas, assim como das conexões entre a atividade e os desenvolvimentos da consciência e da personalidade.

4.3.3. A PSICOLOGIA DA MEMÓRIA NOS PRIMEIROS ANOSPÓS-GUERRA

No documento SANDRO HENRIQUE VIEIRA DE ALMEIDA (páginas 119-126)