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ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

1.5.2 A FENOMENOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA DO SUBJETIVO

Fenomenologia é uma escola filosófica59 criada na Alemanha, pelo matemático e

também filósofo Edmund Husserl (1859–1938), em fins do século XIX e início do século XX, influenciado por Descartes, por sua formação matemática, e pelo filósofo Brentano, de quem foi aluno em sua formação filosófica60. Ao estudar fenomenologia, pode-se encontrar muitas influências por outros filósofos e pensadores, que fizeram novas leituras a partir da obra de Husserl, como nos casos de Martin Heidegger (1889–1976), Max Scheler (1874–1928), Jean- Paul Sartre (1905–1980), Maurice Merleau-Ponty (1908–1961), Aron Gurwitsch (1901–1973), citados por Giorgi (2012a). Muito dos princípios fenomenológicos também são encontrados em pensadores como Gaston Bachelard (1884–1962) e Yi-Fu Tuan (1930–), apesar de não se

58 Ales Bello (2004) cita que Husserl escrevia em forma de uma estenografia própria, que era transcrita pelos seus assistentes, e para expressar a dimensão do seu trabalho, a autora exemplifica com as 45 mil folhas que compuseram o seu segundo livro da obra sobre “Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica”.

59 Originalmente, portanto, a fenomenologia foi concebida como caminho para a investigação filosófica, e só posteriormente foram realizados esforços para sua adaptação à pesquisa científica empírica (GIL, 2010; MOREIRA, 2002; SOUZA, 2017), como será visto adiante na seção 2.2.2.

60 Há diversas pesquisas sobre a vida de Husserl e todas estas influências, dentre as quais destacam-se Ales Bello (2004), Chauí (1980) e Moreira (2002).

autodenominarem como fenomenólogos. Porém, aqui será descrita a fenomenologia voltada às suas origens, ou seja, a fenomenologia husserliana, em que são encontradas as “ideias-mestra” ou “práticas-chave”, pelas quais pode-se reconhecer um “estilo de pensamento fenomenológico” (GIORGI, 2012a, p. 386).

Segundo Moreira (2002, p. 63), a palavra fenomenologia é formada por duas palavras gregas, “phainomenon”, que significa “aquilo que se mostra a partir de si mesmo”, e “logos”, que significa “ciência ou estudo”. Para Ales Bello (2006, p. 17–18), fenomenologia é “[...] como reflexão sobre os fenômenos ou sobre aquilo que se mostra”, porém, quando se diz “as coisas se mostram”, significa “percebemos, estamos voltados para elas”, ou, melhor dizendo, “nós é que buscamos o significado, o sentido daquilo que se mostra”.

Para Sokolowski (2010, p. 10), “a fenomenologia é o estudo da experiência humana e dos modos como as coisas se apresentam elas mesmas para nós em e por meio dessa experiência”. Segundo o autor, a fenomenologia é compreensão de que ao pensar nas coisas dadas ao sujeito pela experiência, o sujeito pode compreender a si próprio enquanto pensa, ou seja, “a fenomenologia é a autodescoberta da razão na presença de objetos inteligíveis” (SOKOLOWSKI, 2010, p. 12).

Segundo Burris (2014, p. 46), a fenomenologia é “the study of human experiences”61, e seu objetivo éentender o fenômeno, com base em duas ideias-chave: em primeiro lugar, a experiência humana é uma experiência compreensível por outrem; em segundo lugar, a experiência é baseada no sentido, portanto, tem significado para o indivíduo e esse significado deve ser entendido a partir de sua perspectiva.

Em sua obra “Investigações lógicas”, Husserl usou o termo fenomenologia pela primeira vez (MOREIRA, 2002; ZILLES, 2007), em oposição às concepções positivistas, e suas influências naturalistas, empiristas e psicológicas, e dessa forma, procura assegurar em seus argumentos a diferença entre “fenômenos conscientes” e “os objetos e processos estudados pelas ciências naturais” (CERBONE, 2012, p. 40). Husserl rejeita a ideia de que as ciências naturais podem fornecer uma descrição completa da realidade e de que a lógica pode ser entendida psicologicamente (CERBONE, 2012; ZILLES, 2007).

Segundo o próprio Husserl (2006, p. 25), a fenomenologia se denomina uma ciência de “fenômenos”, porém, em distinção a outras ciências que também se voltam para fenômenos, na fenomenologia isso ocorre “[...] numa orientação inteiramente outra, pela qual se modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas

conhecidas”. Para Moreira (2002), é preciso distinguir fenômeno de mera representação, de mera aparência, pois aparência é sempre aparência de alguma coisa, enquanto o fenômeno tem natureza própria, ele já é alguma coisa.

Zilles (2007, p. 218) descreve que “toda a filosofia husserliana resume-se, em grandes linhas, como filosofia transcendental enquanto análise da constituição da subjetividade transcendental”. Segundo Souza, L. (2013, p. 35), “a fenomenologia foi originalmente pensada como método rigoroso voltado ao estudo da subjetividade [...]”. Também, Husserl reforça que a fenomenologia [trata do subjetivo, porém] não é psicologia, e o que difere as duas ciências são fundamentos de princípios. A psicologia é uma ciência empírica, ou seja, ciência de fatos e realidades, enquanto “em comparação a isso, a fenomenologia pura ou transcendental não será

fundada como ciência de fatos, mas como ciência de essências (como ciência ‘eidética’); como

uma ciência que pretende estabelecer exclusivamente ‘conhecimentos da essência’ e de modo

algum ‘fatos’” (HUSSERL, 2006, p. 28, grifos do autor).

Para entender a fenomenologia de Husserl, é preciso compreender alguns conceitos centrais, como essência, intencionalidade, entre outros termos usuais nessa escola filosófica.

Essência

Essência é designada por Husserl (2006, p. 35) como aquilo que se encontra no ser próprio de um indivíduo como “o que” ele é, que pode ser “posto em ideia”, e que pode ser convertida em “visão de essência (ideação)”, inclusive a própria intuição empírica. Nas palavras do autor: “A essência (eidos) é uma nova espécie de objeto. Assim como o que é dado na intuição individual ou empírica é um objeto individual, assim também o que é dado na intuição de essência é uma essência pura” (HUSSERL, 2006, p. 36). A ciência eidética, refere-se a eidos, palavra grega que significa ideia, mas que nesse caso significa sentido, aquilo que se apreende, que se intui, não tanto um produto da mente (ALES BELLO, 2006). Moreira (2002, p. 84) explica que, em fenomenologia, “essência é a maneira característica do aparecer de um dado fenômeno. É aquilo que é inerente ao fenômeno, sem o que ele não é mais o mesmo fenômeno”.

Intencionalidade

O conceito de intencionalidade é fundamental para entender a fenomenologia de Husserl (ZILLES, 2007). Husserl intencionava criar uma ciência de rigor, a partir de método rigoroso, preocupação herdada de Descartes, e isso seria possível a partir da análise da intencionalidade da consciência, herança baseada da intencionalidade de Brentano. Segundo Holzer (1994), Husserl apropriou-se do termo intencionalidade de Brentano dando-lhe outro significado, pois

nesse último há uma separação entre a consciência que percebe e o objeto que é percebido, mas para Husserl, a consciência estava definida em termos de intenção voltada para o objeto. Na visão do autor, a intencionalidade na fenomenologia estabeleceu, portanto, uma nova relação entre sujeito e objeto, segundo a qual eles são inseparáveis. Em investigações fenomenológicas, “o sujeito só é sujeito para um objeto e o objeto só é objeto para um sujeito” (HESSEN, 2000, p. 20), pois “o objeto de conhecimento para a Fenomenologia não é o sujeito nem o mundo, mas o mundo enquanto é vivido pelo sujeito” (GIL, 2008, p. 14). Também para Ales Bello (2004, p. 97),

a fenomenologia não distingue de modo radical entre o sujeito e o objeto: o que conta é a ligação intencional entre os dois. Pois Husserl não queria falar de um sujeito que se contrapõe a um objeto, mas de um sujeito que, em certa medida, contém já em si os objetos, está em relação com os objetos.

Moreira (2002, p. 84) descreve que “intencionalidade é a característica da consciência de ser consciente de algo, ou seja, de ser dirigida a um objeto”. Em Ales Bello (2004), intencionalidade é o perceber dirigido ao objeto, e nesta relação, utilizam-se outras definições filosóficas: imanência e transcendência, pois, como lembrado por Moreira (2002, p. 85), “a intencionalidade é de natureza lógico-transcendental [...]”. Em Husserl (2006, p. 93), atos direcionados para a imanência são atos em que “a consciência e seu objeto formam uma unidade individual constituída puramente por vividos”, e os atos direcionados para a transcendência são “todos os atos dirigidos a coisas, a realidades em geral”.

Segundo Moreira (2002), o imanente é o que é dado adequadamente, e o transcendente é o que se objetiva ou se pretende, mas o problema imanente-transcendente é relacionado com a intencionalidade por uma análise de como um objeto vem a ter sentido para a consciência e de como a consciência relaciona-se com o objeto. Ales Bello (2004) explica que o objeto que está fora de nós, o objeto existente, é transcendente, e o objeto que está dentro, ou seja, o objeto enquanto objeto percebido, é imanente. A partir desses conceitos, Moreira (2002, p. 85) descreve que a intencionalidade significa “[...] uma possiblidade que define o modo de ser da consciência com um transcender, como o dirigir-se a outra coisa que não é o próprio ato de consciência”, pois “é a consciência intencional que faz o mundo aparecer como fenômeno, como significação [...]”.

Estrutura Transcendental

Desses conceitos (imanente-transcendente) também deriva o entendimento da estrutura transcendental do ser humano, e é nessa ideia, segundo Souza, L. (2013), que se apoia a

fenomenologia de Husserl, pois a estrutura transcendental é capaz de ir além do objeto físico, por meio de vivências. Segundo Ales Bello (2004, p. 50, grifo nosso), para Husserl, “a estrutura transcendental é a estrutura dos atos entendidos como vivências, de modo que a estrutura transcendental é composta por vivências das quais nós temos consciência”. Para a autora, a estrutura transcendental é inerente à estrutura percepção/percebido, diferente de transcendente, termo que significa aquilo que está fora, mas a percepção serve para que o sujeito conheça tudo aquilo que lhe é transcendente. Transcendental, pois, é “aquilo que faz parte da subjetividade, é próprio do sujeito, não deriva de fora” (ALES BELLO, 2004, p. 49).

Na análise da imanência, para Ales Bello (2004), ter consciência significa saber que se está vivendo, ter consciência da vivência, cujo conceito é múltiplo: vivenciar é perceber, recordar, imaginar, fantasiar, refletir. Para a autora, a percepção é uma das mais importantes formas de vivência, porque coloca o sujeito em contato direto com a realidade, e sua compreensão é primordial no entendimento da fenomenologia de Husserl. Ainda segundo Ales Bello (2004, p. 55), as vivências na análise do tipo transcendental podem remeter as três dimensões da estrutura do sujeito humano: “corpo, psique e espírito”.

Atitude Natural e Atitude Fenomenológica

Segundo Souza, L. (2013, p. 39), “a abordagem fenomenológica pressupõe do pesquisador, em primeiro lugar, uma mudança de atitude frente ao fenômeno que estuda, se deslocando de uma atitude natural e ingênua para uma atitude verdadeiramente filosófica”. A atitude natural é relacionada à concepção do senso comum, que “[...] vê os objetos como sendo exteriores e reais” e em contraposição, a atitude fenomenológica “vê o mundo como o que ele é para a consciência, ou seja, fenômeno” (MOREIRA, 2002, p. 85). Isso não significa que a atitude fenomenológica nega o mundo exterior, mas não se volta a ele, apenas às vivências intencionais da consciência (MOREIRA, 2002).

Para Sokolowski (2010), a atitude natural ocorre quando se está imerso em uma postura padrão, aquela em que se é ligado originalmente, uma postura orientada para o mundo, quando intencionam-se coisas, situações, fatos. Para o autor, ela é espontânea, dirigida para todos os tipos de coisas, para o mundo como é dado, e correlativo ao mundo está o si-mesmo ou ego, o agente da atitude natural, que simultaneamente, é parte do mundo e está na posse intencional do mesmo. Husserl (2006, p. 73, grifos do autor) descreve que, na atitude natural,

[...] nos diferentes modos de percepção sensível, as coisas corpóreas se encontram

simplesmente aí para mim, numa distribuição espacial qualquer, elas estão no sentido

literal ou figurado, “à disposição”, quer eu esteja, quer não, particularmente atento a elas e delas me ocupe, observando, pensando, sentindo, querendo.

Segundo Husserl (1986), a atitude natural não se preocupa com a crítica do conhecimento. Já a atitude fenomenológica, segundo Sokolowski (2010), algumas vezes chamada atitude transcendental, é mais radical e abrangente, e ocorre quando se reflete sobre a atitude natural e todas as intencionalidades que ocorrem dentro dela. Nas palavras de Husserl (2006, p. 27, grifos do autor), significa um novo orientar-se:

o que, com efeito, torna tão extraordinariamente difícil a assimilação da essência da fenomenologia, a compreensão do sentido peculiar de sua problemática e de sua relação com todas as outras ciências é que, além de tudo isso, é necessária uma nova

maneira de se orientar, inteiramente diferente da orientação [atitude] natural na

experiência e no pensar62.

Isso significa tratar o fenômeno de forma “[...] desprovida de preconceitos, de hipóteses e de teorias, desde suas experiências pré-conscientes” (SOUZA, L., 2013, p. 39). Segundo Moreira (2002, p. 83, grifo do autor), a fenomenologia foi concebida por Husserl como uma ciência de rigor, uma ciência eidética pura, uma ciência das essências, e sendo assim, “seria uma ciência que partiria ‘do zero’, sem pressuposições”, devendo retornar ao que é dado por meio de intuições.

Para Sokolowski (2010), significa rastejar para fora da atitude natural, elevar-se sobre essa atitude, teorizá-la, e distinguir e descrever a ambos os correlatos, subjetivos e objetivos, que a compõem. Segundo o autor, “enquanto estamos na atitude fenomenológica suspendemos todas as intencionalidades que estamos examinando. Nós as neutralizamos. [...] nos tornamos algo como observadores imparciais da cena que passa ou como espectadores de um jogo” (SOKOLOWSKI, 2010, p. 57). Sokolowski (2010, p. 60) descreve que essa mudança da atitude natural para a fenomenológica é a “a redução fenomenológica”.

Reduções Fenomenológicas e a epoché

A expressão “redução fenomenológica” surgiu na obra a “Ideia da fenomenologia” (HUSSERL, 1986), descrita, segundo Castro (2009, p. 17), como “[...] o recurso metodológico necessário para proporcionar o retorno da reflexão à consciência pura e lá observar como os objetos da percepção se constituem”. Em “Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica”, o autor apresenta “reduções fenomenológicas” (no plural) como um método, que foi desenvolvido em conformidade com a possibilidade de “remover as barreiras cognitivas inerentes à essência de todo modo natural de investigar”, até obter “o livre horizonte

62 Orientação nesse caso, refere-se a atitude. Alguns autores preferem a tradução de “einstellung” (termo original em alemão) por “orientação”, mais próxima da tradução francesa, do que “atitude”.

dos fenômenos ‘transcendentalmente’ purificados, e, com ele, o campo da fenomenologia em nosso sentido próprio” (HUSSERL, 2006, p. 27, grifos do autor).

Para Sokolowski (2010, p. 58, grifos do autor) “a volta à atitude fenomenológica é chamada redução fenomenológica, um termo que significa a ‘retirada’ dos alvos naturais de nosso interesse [...]”. Redução, segundo o autor, vem da raiz latina re-ducere, que significa conduzir de volta. A redução é possível a partir da suspensão, também chamada epoché63, que na fenomenologia é simplesmente “a neutralização das intenções naturais que deve ocorrer quando contemplamos essas intenções” (SOKOLOWSKI, 2010, p. 58). O termo epoché significa colocar entre parênteses, e na fenomenologia refere-se a uma suspensão do juízo pré- existente do mundo. Colocar o mundo entre parênteses não significa negar sua existência, mas metodologicamente renunciar ao seu uso (ZILLES, 2007). Segundo Martini (1999, p. 45, grifo do autor), “para a fenomenologia, a epoché é a abstenção do pensamento ante a constância do ‘espetáculo do mundo’ [...]”. Esse caráter de abstenção exige do pesquisador a ausência de hipóteses, pois “quando realizamos a colocação entre parênteses do mundo natural, simplesmente a epoché nos proíbe qualquer julgamento da ‘existência espaço-temporal’” (MARTINI, 1999, p. 47, grifo do autor).

Segundo Zilles (2007, p. 218), “a redução fenomenológica, conceito fundamental na fenomenologia de Husserl, tem o sentido de tematizar a consciência pura”. O autor descreve que o primeiro passo do método fenomenológico consiste em abster-se da atitude natural (com a colocação entre parênteses do mundo), e prossegue na redução eidética, termo usado para o procedimento metódico que leva à visão da essência. Nas palavras do autor,

a meta da redução eidética é a compreensão do a priori como eidos (essência). O pressuposto é que a já existente oposição entre sujeito e objeto é superada para voltar- se à análise dos dados constituintes na consciência que é “consciência de...”, pondo- se o mundo com seus objetos ao eu (consciência). A consciência é intencionalidade significa: dirige-se para, visa alguma coisa. Toda consciência é consciência de. (ZILLES, 2007, p. 218, grifos do autor).

Segundo Ales Bello (2006), a redução é o método fenomenológico que pode ser realizado em duas fases, a “redução eidética” e a “redução transcendental”. A primeira etapa, a redução eidética, corresponde a buscar o sentido da coisa, e para isso é necessário “colocar entre parênteses” a existência dos fatos para compreender sua essência. Segundo Ales Bello (2006,

63 Na literatura também se encontra outra denominação para o mesmo sentido de epoché: bracketing. Segundo Burris (2014), bracketing é o processo de isolamento de ideias pré-concebidas ou conhecimento do tópico, cujo propósito era suspender temporariamente as crenças e entendimentos pré-concebidos do fenômeno para estudar uma noção pura e clara do fenômeno, uma característica-chave do desenvolvimento da abordagem descritiva de Husserl.

p. 25), “a intuição do sentido é o primeiro passo do caminho e revela ser possível captar o sentido”. A segunda etapa, a redução transcendental, volta-se ao ato perceptivo do sujeito e ao segundo nível de consciência, o nível dos atos reflexivos, ou seja, volta-se às vivências.

Segundo Holzer (1994), a conceituação de redução fenomenológica na obra de Husserl foi se modificando com o seu amadurecimento. O autor descreve que num primeiro momento, a redução era vista como a colocação do ser entre parênteses, e mais tarde, relacionada às atitudes e ao mundo vivido, resultando na sua associação com a volta às próprias coisas, na qual se incluía o sujeito a partir de sua experiência do mundo. Por esse motivo, alguns pesquisadores consideram a sua conceituação um tanto confusa ou indeterminada, no entanto, trata-se de uma construção do conceito ao longo da obra do autor.

Giorgi (2012a) descreve quatro reduções, ou níveis de redução, mencionadas por Husserl: há a redução fenomenológica, que rompe com a atitude natural; a redução fenomenológica psicológica64, que requer uma exclusão do mundo, mas não do sujeito

empírico; a redução eidética, pela qual tudo o que é dado são reduzidos à sua essência; e a redução transcendental, ao nível mais profundo, onde são excluídos simultaneamente sujeito empírico e o mundo. Segundo Castro (2009), a redução desdobrou-se em modalidades de redução, mas o movimento redutivo inicial é a suspensão de crenças e busca de essências. O rompimento com a atitude natural, segundo Giorgi (2012a, p. 393), é “a condição mínima necessária para que uma pesquisa possa recorrer à fenomenologia”, o que ele chama de “redução fenomenológica de base”.

Descrição Fenomenológica

Segundo Cerbone (2012, p. 42, grifo do autor), “a execução da redução é somente o primeiro passo na fenomenologia de Husserl, à medida que prepara para o caminho focando a atenção do investigador fenomenológico exclusivamente no ‘fluxo’ de sua experiência”. Após atingir a redução, o pesquisador pode começar a responder às questões de Husserl, ou seja, proceder à descrição fenomenológica. As questões, segundo Cerbone (2012), são referentes a: Que tipo de estrutura a experiência deve ter a fim de ser “de” ou “sobre” um fenômeno? Que tipo de estrutura a experiência deve ter a fim de ter o “conteúdo” do fenômeno? Como é possível para a experiência consciente ser “de” ou “sobre” um fenômeno?

Segundo Giorgi (2012a, p. 394), para a fenomenologia “pura”, a descrição é a tarefa que “consiste em descrever os objetos intencionais da consciência, a partir de uma perspectiva de

64 O autor aplica a fenomenologia à pesquisa empírica na psicologia. Nesse caso, a redução descrita como redução fenomenológica psicológica, pode ser referida à redução fenomenológica aplicada à disciplina.

redução fenomenológica”. Pode-se dizer, segundo o autor, que existem modalidades de dar conta do fenômeno, como explicação, construção e interpretação, mas a descrição tenta articular o que é dado como tal, se limita ao dado, e a razão. A explicação do fenômeno é, pois, como “uma descrição suficientemente rica dele” (GIORGI, 2012a, p. 395).

Noesis e Noema

Segundo Cerbone (2012), a resposta às estruturas na descrição são as características estruturais essenciais que desempenham um papel fundamental nas várias modalidades de experiência. “O processo de sintetizar os vários momentos da experiência Husserl chama ‘noesis’”, enquanto o noema de um processo mental “é aquilo em virtude do que o processo é dirigido a um objeto, independentemente se objetos existem ou não”, pois o noema é distinto do próprio objeto (CERBONE, 2012, p. 51). A análise noético-noemática refere-se ao recurso

noesis e noema, que formam “a complexidade estrutural da experiência, envolvendo o processo

de experienciar (noesis) e o conteúdo experienciado (noema)” (CERBONE, 2012, p. 52). Segundo Zilles (2007, p. 217),

por noema Husserl entende o conteúdo temático do conhecimento em oposição à

noese como o próprio ato da vivência, que tem o noema como objeto. [...] A noese

são os atos pelos quais a consciência visa um certo objeto de uma certa maneira, e o conteúdo ou significado desses objetos visados é o noema. No nível transcendental, as noeses são os atos do sujeito constituinte que criam os noemas enquanto puras idealidades ou significações. As noeses empíricas são passivas, porque visam uma significação preexistente; a noese transcendental é ativa, porque constitui as próprias significações ideais.

Em Sokolowski (2010, p. 68–69), o noema “é um objeto da intencionalidade, um correlato objetivo, mas considerado desde a atitude fenomenológica, considerado apenas como experienciado”, enquanto o termo noesis “se relaciona aos atos intencionais por meio dos quais intencionamos as coisas”. Ambos têm raízes na mesma palavra grega, noein, que significa “pensar”, “considerar”, “perceber”, mas noesis significa um ato de pensamento e o noema significa aquilo que é pensado (SOKOLOWSKI, 2010, p. 69).

Husserl (2006, p. 205 e 220) destaca que, na atitude fenomenológica, descrever “aquilo que aparece como tal” é o mesmo que “descrever a percepção em enfoque noemático”; e compreender e dominar a distinção entre noese e noema “é da maior importância para a fenomenologia e diretamente decisivo para sua correta fundação”. Ao conteúdo noemático, ou simplesmente noema, corresponde uma multiplicidade de dados do conteúdo real, noético, “mostráveis em intuição pura efetiva”, enquanto noese corresponde ao “vivido intencional

concreto e completo, assinalado com ênfase em seus componentes noéticos” (HUSSERL, 2006, p. 203 e 220).

O aspecto noético está relacionado à açao intencional, consciente, que valoriza e dá