• Nenhum resultado encontrado

ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E ESTADO DA ARTE

2.2.1 ESTRATÉGIAS DENTRO DA ABORDAGEM PERCEPTIVA POR WHYTE (1977)

No âmbito da percepção ambiental, o trabalho de Whyte (1977) foi o primeiro e mais completo a compilar as diversas técnicas e instrumentos disponíveis, que se encontravam, até

aquele momento, isolados uns dos outros em diferentes abordagens e conceitos disciplinares. Em seu “Guidelines for field Studies in environmental perception”, do Programa MAB, promovido pela UNESCO, a autora passou a direcionar as pesquisas em percepção ambiental. A autora reuniu sugestões, trabalhos e experiências de muitos pesquisadores da Antropologia, da Arquitetura, do Planejamento Urbano e Regional, da Geografia, da Psicologia e da Sociologia, como Peter Jacobs, Kevin Lynch, Tom Saarinen, Yi-fu Tuan, entre outros. Suas diretrizes metodológicas em estudos do meio ambiente baseiam-se não apenas em fatores objetivos, mas também subjetivos, individuais e culturais, ou seja, mais próximo do conceito de percepção ligado à “cognição” nos quadros de referência da UNESCO. Em uma aplicação prática, em percepção climática, a autora reforça a utilização das estratégias descritas no guia (WHYTE, 1985). Contudo, sua metodologia aplica-se ao campo do subjetivo, não só da percepção ambiental, embora o documento tenha sido dirigido a esse último.

Segundo a autora, “the Guidelines is considered as a flexible set of suggestions which

provide the basis for individual choice of both the aspects of the perception system to be investigated in the field and the methods by which to do so”112 (WHYTE, 1977, p. 14–15). É

um documento eminentemente prático para utilização nas fases de planejamento das investigações de campo sobre a percepção ambiental, estruturando-o e sugerindo métodos específicos de análise.

O campo da percepção ambiental, embora já possuísse uma série de técnicas e instrumentos disponíveis, caracterizava-se pelo empréstimo de métodos entre disciplinas, muitos com tal complexidade e especialização disciplinar que muitas vezes se tornavam confusos em campos de pesquisa interdisciplinar. Para agregá-los, Whyte (1977, p. 19) apresentou três estratégias básicas de investigação: “observing, listening and asking

questions”113, que formam o triângulo metodológico whyteano ilustrado na Figura 7. Essas estratégias são complementares para todas as pesquisas no campo.

Como pode ser visto na Figura 7, das três estratégias, “perguntando” é a mais comumente utilizada, sendo geralmente realizada por meio de questionários estruturados e entrevistas semi-estruturadas. Segundo a autora, essa tendência ocorre devido à popularização dos questionários em pesquisas nas ciências sociais desde o fim do século XIX, assim como pela busca da objetividade científica por meio de abordagens experimentais e estatísticas para

112 As Diretrizes são consideradas como um conjunto flexível de sugestões que fornecem a base para a escolha individual, tanto dos aspectos do sistema de percepção a ser investigado no campo, como dos métodos pelos quais fazê-lo (Tradução nossa).

o estudo dos aspectos subjetivos, mas salienta que não existe uma estratégia ou método melhor que outro para o estudo da percepção. Segundo Whyte (1977), a melhor estratégia é função de três critérios: dos objetivos da pesquisa, da situação do campo e do pesquisador, ou seja, diferentes técnicas são desenvolvidas para responder a diferentes questões de investigação e para diferentes situações de pesquisa. Além disso, as três estratégias citadas podem fornecer dados e podem complementar-se mutuamente, de modo que podem ser utilizadas combinadas.

Figura 7 – Principais estratégias metodológicas de Whyte (1977) para o estudo da percepção

Fonte: Whyte (1977, p. 19, tradução Sartori (2000, p. 154)).

O “observando” é descrito por Whyte (1977) como a estratégia mais flexível em termos de tempo, custo, conceitos e técnicas, mas ao mesmo tempo requer pré-testes, observadores treinados, aplicação sistemática e depende de seu grau de estruturação. Segundo a autora, as observações estruturadas avaliam a ocorrência ou interação de conjuntos de variáveis isoladas, a partir da escolha dos pontos de observação no espaço e no tempo, sendo normalmente precedidas por observações não estruturadas, que são mais holísticas e abertas à interpretação subjetiva, porém, menos rigorosas. Dessa forma, a observação estruturada e a não estruturada fornecem diferentes tipos de análise: a estruturada tende a enfatizar a interação de fatores isolados e a não estruturada enfatiza as inter-relações do sistema (WHYTE, 1977).

Da mesma forma, no “perguntando”, as técnicas também podem ser altamente estruturadas, como também precedidas por abordagens informais e não padronizadas. Segundo Whyte (1977), técnicas de questionários são muito utilizadas porque geralmente levam menos tempo por entrevistado, do que observá-lo ou ouvi-lo em extensas narrativas e descrições. No entanto, também fornecem informações que não podem ser sistematicamente observadas, como perguntas sobre atitudes, sentimentos e crenças, de forma muito mais estruturada, considerando

a possibilidade de levantar hipóteses e antecipar questões relevantes. Segundo a autora, a técnica é muito útil se há a necessidade de análise quantitativa e estatística para populações maiores, mas deve-se considerar também o tempo, dinheiro e pessoal disponível para fazer a pesquisa.

Whyte (1977) sugere a utilização de um questionário pré-teste com um pequeno número de entrevistados, pois possibilita ver a maior parte das ambiguidades, conflitos e dificuldades que determinadas questões e formulações podem produzir, assim como elaborar as respostas alternativas que devem ser incluídas em questões fechadas. Na elaboração de um bom questionário, para a autora, o pesquisador deve levar em consideração: uma informação introdutória, com os objetivos da pesquisa, a identificação do entrevistador, o tempo de duração e se o entrevistado concorda em participar, além de ter o anonimato garantido; uma série lógica e simples, em que as perguntas façam sentido para o entrevistado; uma sequência de perguntas organizadas por nível de complexidade, das mais simples às mais complexas; entrevistadores treinados para apresentar o questionário com clareza; e, dependendo do nível de profundidade que se deseja no questionário, uma extensão o mais curta possível114. Muito depende também

da familiaridade dos respondentes com as perguntas, assim como dos objetivos da pesquisa, pois os questionários possibilitam muito mais opiniões transitórias que valores mais profundos. Estes últimos são mais próximos da entrevista não padronizada.

Whyte (1977) descreve que a diferença mais importante de uma entrevista não padronizada é que nesta os entrevistados são selecionados por seu nível de informação e por maior envolvimento ao tema da entrevista. No entanto, ela exige uma familiaridade profunda do pesquisador com o tema antes da entrevista, assim como com os principais atores e eventos envolvidos. A entrevista não padronizada é a forma do “perguntando” que mais se aproxima da estratégia “ouvindo”. Diferente dos questionários, a entrevista não padronizada pode ter apenas um conjunto de perguntas-chave, porém, requer maior zelo no diálogo com o entrevistado, para dessa forma, estabelecer um certo grau de confiança mútua de acordo com as diferentes situações e culturas, possibilitando ao entrevistado compartilhar maior conhecimento e experiência com o entrevistador (WHYTE, 1977).

A terceira estratégia metodológica de Whyte (1977), “ouvindo”, descrita também como “ouvindo e registrando”, combina a habilidade da observação e da entrevista com a arte de entender o que é ouvido e lido, e a transcrição fiel em um registro permanente. Segundo a autora, não há um conjunto de regras a seguir, uma vez que depende muito dos envolvidos, mas

a estratégia produz dados inestimáveis, geralmente não-numéricos, que têm sido pouco usuais e muitas vezes negligenciados no meio científico, infelizmente. Os conhecimentos são transmitidos ao pesquisador em forma de conversas ou diários mantidos pelo entrevistado, mas, de uma forma ou de outra, exige simpatia e paciência por parte do pesquisador.

Algumas diretrizes são semelhantes às entrevistas não padronizadas, como o cuidado na abordagem e o uso de gravadores, mas geralmente exigem mais tempo e esforço. Cada sessão com um entrevistado pode levar várias horas e alguns pesquisadores, como os historiadores orais, podem visitar um entrevistado muitas vezes ao longo de um período de anos. Os historiadores usam largamente a técnica da história oral para registrar histórias, impressões e lembranças, principalmente de idosos ou de eventos dos quais não há mais registro. Outra diferença de algumas técnicas da estratégia “ouvindo” da estratégia “perguntando” reside na ausência de informação introdutória, pois a motivação para o desenvolvimento de muitas técnicas é minimizar o impacto do pesquisador.

Outras técnicas como as urban walks (caminhadas urbanas), pioneiramente utilizadas por Lynch (1980) em sua obra “A imagem da cidade”, nos Estados Unidos, também se tornaram conhecidas, e vários estudos semelhantes são realizados. Em verdade, Whyte (1977) considera tal técnica como síntese de várias estratégias, na medida em que combina o “observando”, “perguntando” e o “ouvindo” em vários níveis. A terceira técnica do “ouvindo”, exemplificada pela autora, é o registro em diários ou cronogramas de atividades, que diferem das histórias orais por serem mais específicos para determinados momentos ou eventos. São mais usados para descobrir o tempo total dedicado a atividades específicas, em diferentes dias, meses, estações ou outros ciclos significativos, e o perfil característico da atividade para uma determinada pessoa ou grupo.

As estratégias que formam o triângulo metodológico de Whyte (1977), “observando”, “ouvindo” e “perguntando”, não são categorias exclusivas e muitas técnicas se enquadram em mais de uma, mas sintetizam toda a aparente heterogeneidade do campo. Por essa heterogeneidade, não seria possível exaurir todas as possibilidades de métodos e técnicas existentes, mas não foi esse o objetivo da autora. Ao contrário, mesmo em um documento prático de planejamento, Whyte (1977) deixa um enquadramento aberto e flexível, indicando apenas os seus elementos-chave. E é nesse quadro que se identifica a inserção do método fenomenológico, enquanto parte da estratégia “ouvindo”.

Pesquisas com utilização do “observando”, “ouvindo” e “perguntando”

Os trabalhos de Whyte (1977) são encontrados em diversas pesquisas científicas em percepção, desde a sua publicação até a atualidade, incluindo também referências ao seu trabalho em percepção climática (WHYTE, 1985). Em vários países e também em pesquisas recentes, as estratégias da autora estão presentes e demonstram a contemporaneidade da sua metodologia. Como exemplo, a pesquisa de Sánchez-Cortés·e Chavero (2011), sobre a percepção climática de camponeses com relação às mudanças no clima e suas influências na agricultura, em uma região indígena no México, foi baseado no entendimento da percepção ambiental sob a compreensão de Whyte (1977; 1985), como uma consciência e compreensão do ambiente por indivíduos e grupos, no seu sentido mais amplo. A partir das estratégias da autora, Sánchez-Cortés·e Chavero (2011) identificam que a percepção dos moradores da região é estruturada de acordo com a experiência cultural e individual, ligada à agricultura e o seu calendário anual. Na pesquisa, a percepção é a imagem mental de mudanças climáticas locais e as respostas em modificações na agricultura de forma sazonal, utilizando experiências individuais e culturais que são vulneráveis às mudanças econômicas e ambientais.

Os resultados da pesquisa de Cotler et al. (2013) sobre as práticas de conservação de solos florestais no México, levou os pesquisadores a considerar a heterogeneidade da paisagem e a complexidade social para definir ações de conservação, em consonância com o ponto de vista de Whyte (1977). Os autores consideraram também o reforço de atitudes de conservação entre os fazendeiros, assim como avaliaram o programa de conservação por meio de resultados que mediram o impacto das práticas sobre a recuperação da qualidade do solo. Resultados de outra pesquisa mexicana, sobre a percepção de árvores em área urbanas, de Camacho-Cervantes

et al. (2014), demonstram que, embora as pessoas percebam que as árvores em áreas urbanas

podem causar algum dano, muitas vezes elas mostram mais atenção voltada aos benefícios relacionados com as árvores, e consideram que deveria haver mais árvores nas cidades, o que coaduna com a perspectiva de Whyte (1985) sobre a consideração dos benefícios envolvidos como variável imprescindível ao entendimento da percepção ambiental, visão corroborada por Souza (2006).

Segundo Oliveira (2001), a obra de Whyte (1977; 1985) balizou inúmeros estudos aqui no Brasil, pois apresenta guias muito úteis de desenho de pesquisa. Diversas dissertações e artigos científicos têm utilizado o triângulo metodológico de Whyte (1977). Souza (2006) avaliou os riscos de escorregamentos na Vila Mello Reis, em Juiz de Fora, MG, pesquisados por intermédio da abordagem perceptiva, utilizando as estratégias whyteanas “perguntando” e

“ouvindo”. Almeida (2007), analisou e interpretou os sentimentos topofílicos e topofóbicos dos santamarienses em relação à paisagem urbana do bairro Centro de Santa Maria, RS, utilizando o triângulo metodológico sugerido por Whyte (1977) e igualmente utilizado por Sartori (2000). Em aplicação à percepção climática dos moradores em relação à presença do lago artificial da Usina Hidrelétrica deItaipu, no oeste do Paraná, Limberger (2007) adotou o “perguntando”, a partir do triângulo metodológico proposto por Whyte (1977), apesar de, segundo a autora, o “observando” e “ouvindo” fazerem parte importante, principalmente na análise dos dados. Seguindo recomendações de Sartori (2000), a autora elaborou questionários, aplicados em entrevistas abertas com pessoas residentes na regiãoem torno de 30 anos, tanto no meio rural como urbano.

Em pesquisas mais recentes, Shiraishi (2011) na UnB, realizou pesquisa para identificar e analisar os conflitos ambientais que afetam a Reserva Biológica de Contagem, utilizando-se de algumas técnicas de Whyte (1977) para identificar as percepções dos atores envolvidos sobre o meio ambiente e a conservação da reserva. Na Universidade de São Paulo (USP), Martinez (2012) estudou as percepções ambientais como subsídio ao gerenciamento costeiro no litoral paulista. O autor identificou que as ações individuais e de grupos não são fundamentadas em uma única realidade objetiva, mas em diferentes formas de perceber o mundo, em concordância com o ponto de vista de Whyte (1977).

A autora é referência nos primeiros trabalhos em percepção ambiental no Brasil até a atualidade, porém identifica-se ainda uma necessidade de ampliação nas pesquisas específicas em percepção climática.