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ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E ESTADO DA ARTE

2.2.2 O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

Como visto no capítulo conceitual, a fenomenologia é uma escola filosófica, no entanto, filósofos e outros estudiosos esforçam-se na aplicação prática do método fenomenológico às pesquisas, essencialmente as empíricas. Segundo Moreira (2002), a diferença entre os dois grandes caminhos da fenomenologia, o filosófico e o empírico, está na necessidade de uma adaptação no âmbito empírico, pois o objeto é o universo do outro. Ainda, há necessidade de adaptação à disciplina, pois a utilização da fenomenologia é muito ampla, nas ciências sociais (especialmente na Sociologia), na Enfermagem, na Psicologia, na Educação, no Turismo e na Geografia Humanista e Cultural, mais especificamente na percepção ambiental.

O campo da percepção ambiental, segundo Souza, L. (2013), dentre outros aspectos, teve seus primórdios vinculados aos referenciais da fenomenologia, em especial na Geografia.

A própria linha da Geografia Humanista passou por outras denominações sugestivas, como Geografia Fenomenológica, segundo Oliveira (2001, p. 4),

O termo Geografia Humanista foi sugerido por Tuan em 1972 e Relph em 1971, sugeriria denominação Geografia Fenomenológica, com base na Psicologia e na Percepção e nos estudos de Merleau-Ponty e Bachelard. Mas esta última não vingou, sendo, hoje, mais aceita e usada a Geografia Humanista.

Para Souza, L. (2013), o método fenomenológico possibilita compreender a forma de abordagem da percepção ambiental e suas principais categorias de investigação à luz das experiências e vivências dos sujeitos, ou seja, a abordagem fenomenológica sobre um problema ambiental não está focada no problema em si, mas no problema ambiental conforme vivido e experimentado pelos sujeitos. Baseado na redução às ideias e na redução ao sujeito, o método fenomenológico demonstra o seu claro vínculo com os estudos de percepção ambiental (MIRANDA; SOUZA, 2011).

No entanto, Moreira (2002), assim como Gil (2010), ressaltam que Husserl nunca se propôs a elaborar um método para realizar pesquisa empírica, sendo essa transposição obra de seus seguidores. A fenomenologia passou e passa, portanto, por diferentes abordagens, sendo as mais conhecidas: a fenomenologia transcendental, identificada por Husserl e seus intérpretes; a fenomenologia existencial, associada a Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty; e a fenomenologia hermenêutica, associada a Heidegger, Ricouer (GIL, 2010). Creswell (2014) destaca duas grandes abordagens: a fenomenologia hermenêutica, para a qual a fenomenologia é ligada não só a uma descrição, mas também a um processo interpretativo do significado das experiências vividas; e a fenomenologia transcendental, também denominada empírica ou psicológica, em que o pesquisador analisa os dados e desenvolve uma descrição textual e estrutural para transmitir uma essência geral da experiência.

Burris (2014) cita que o que existe, na realidade, são variantes da fenomenologia, como a fenomenologia existencial, fenomenologia naturalista, fenomenologia realista etc., contudo, existem duas grandes abordagens fenomenológicas: a fenomenologia descritiva, também conhecida como transcendental constitutiva; e a fenomenologia interpretativa, também conhecida como hermenêutica. A primeira foi desenvolvida por Husserl e é o estudo do fenômeno tal como existe na consciência pura, livre de ideias pré-concebidas, enquanto a segunda se preocupa em interpretar as várias dimensões do fenômeno da perspectiva do sujeito e dentro do contexto em que é vivido (BURRIS, 2014).

Na aplicação do método fenomenológico, nos procedimentos em si, também ocorrem muitas variantes, pois, conforme Moreira (2002, p. 117), o método fenomenológico de Husserl

foi “emprestado”, e o próprio Husserl não especificou rigorosamente no que consistia o método. No entanto, há também semelhança nessas variantes, principalmente em relação à “estratégia de coleta de dados” e na “apresentação dos resultados” (MOREIRA, 2002, p. 118). Segundo Souza (2017, p. 312, grifo do autor),

Para que uma pesquisa seja qualificada como ‘fenomenológica’, importa que a investigação esteja ancorada em pressupostos básicos, tais como a suspensão de prejulgamentos, o foco no fenômeno percebido ou vivido pelos sujeitos, a coleta sistemática de descrições, a adoção de uma atitude fenomenológica ao lidar com tais descrições, o emprego dos expedientes de redução e a busca por essências ou por estruturas essenciais a respeito do fenômeno percebido.

Os procedimentos, na maioria das vezes, utilizam entrevista oral, não estruturada, geralmente aberta, com poucos participantes (GIL, 2008; MOREIRA, 2002). Dentre os principais procedimentos encontrados na bibliografia, destacam-se os métodos de Van Kaam (1959)115, Colaizzi (1978)116 e Giorgi (1985)117, citados por Gil (2010) e Moreira (2002); Sanders (1982), citado por Moreira (2002); e Moustakas (1994), citado por Creswell (2014). Gil (2010) cita ainda como populares no Brasil os procedimentos descritos pela professora Maria Aparecida Viggiani Bicudo (BICUDO et al., 2011).

Muitos destes são estudos voltados à psicologia, como Van Kaam (1959), que é considerado pioneiro na aplicação do método fenomenológico às pesquisas empíricas, e Giorgi (1985), um dos mais conhecidos e utilizados nesse campo (MOREIRA, 2002). Porém, a contribuição desses autores não se limita ao seu próprio campo de atuação, como exemplificado por Souza (2017), o trabalho de Giorgi (1985) traz a construção de uma trajetória metodológica em fenomenologia descritiva que se estende a estudos com orientação humanista. Segundo Gil (2008, p. 14), o método fenomenológico “propõe-se a estabelecer uma base segura, liberta de proposições, para todas as ciências”. Nas palavras de Giorgi (2012b, p. 11), “[…] the

phenomenological method is generic enough to be applied to any human or social science”118.

115 VAN KAAM, Adrian. Phenomenal analysis: exemplified by a study of the experience of “really feeling understood”. Journal of Individual Psychology, v. 15, n. 1, p. 66–72, 1959.

116 COLAIZZI, Paul F. Psychological research as the phenomenologist views it. In: VALLE, Ronald S.; KING, Mark (orgs.). Existential phenomenological alternatives for psychology. New York: Oxford University Press, 1978. p. 48–71.

117 GIORGI, Amedeo (org.). Phenomenological and psychological research. Pittsburgh: Duquesne University Press. 1985.

118 [...] o método fenomenológico é genérico o suficiente para ser aplicado a qualquer ciência humana ou social (Tradução nossa).

Exemplos de aplicação empírica do método fenomenológico

Muitos apresentam suas pesquisas como fenomenológicas, no entanto, não esclarecem o método fenomenológico ou o referencial fenomenológico utilizado, mas diferentes abordagens perceptivas. Segundo Gil (2010), muitas pesquisas não apresentam esse esclarecimento porque a fenomenologia não é uma abordagem uniforme, mas flexível. Alguns exemplos podem ser citados, principalmente sob o enfoque da Geografia Humanista, e também, aplicados à percepção de espaços urbanos e arquitetônicos. Kashiwagi (2004), em sua dissertação de mestrado, abordou a questão das comunidades marginais urbanas, utilizando como aporte teórico-metodológico a fenomenologia para a abordagem do espaço, buscando identificar uma nova paisagem, consolidada pelas experiências e vivências do lugar, desvendando elementos urbanos por meio das representações do mundo vivido. Mantilla (2011), utilizando fenomenologia bachelardiana, analisou o lúdico na arquitetura, sua relação com o corpo e as sensações e percepções que este tem com os espaços, para criar uma arquitetura mais sensorial e significativa.

Dentre as pesquisas mais recentes, Bula (2015), sob uma abordagem fenomenológica hermenêutica de Heidegger, buscou uma síntese arquitetônica que considera os princípios fenomenológicos — totalidade, retorno às essências, intencionalidade e experiência. A autora definiu categorias de análise fenomenológicas: conexão com o lugar: ancoragem; espaço e tempo: movimento; material e imaterial: qualidades sensíveis; e atmosfera. De Paula (2016), junto ao Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultural119, a partir de um método descritivo- fenomenológico, analisou as dinâmicas cotidianas que animavam os lugares estudados, a partir do conceito de “dança-do-lugar” (placeballet), com o objetivo de indicar os motivos pelos possíveis declínios dos usos desses espaços públicos urbanos. No Tocantins, a dissertação de Bezerra (2013) analisou a felicidade no imaginário social dos migrantes em Palmas, utilizando o método fenomenológico, especialmente a fenomenologia bachelardiana, partindo da felicidade subjetiva em busca da felicidade intersubjetiva.

Em exemplos conduzidos para explorar a experiência humana do conforto, a tese de doutorado de Burris (2014) explorou as suas multi-dimensões no ambiente doméstico. Não foi aplicado ao conforto térmico em específico, mas ao conforto doméstico, segundo o autor, visto de forma holística. Tomando uma abordagem fenomenológica interpretativa, o autor envolveu uma exploração focalizada e aprofundada das dimensões psicológicas do conforto doméstico a

119 O referido Grupo de pesquisa é formado por pesquisadores de diversas universidades brasileiras, dentre elas a Universidade de Campinas (UNICAMP) e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), e integra nomes como Lívia de Oliveira e Werther Holzer.

partir de entrevistas com os chefes de família, e elicitação fotográfica, com ferramentas etnográficas auto-relato (SenseCams e diários). Segundo o autor, as entrevistas face-a-face e semi-estruturadas com perguntas abertas foram as técnicas mais adequadas para permitir a flexibilidade necessária para que os entrevistados se expressassem.

Possibilidades de articulação das estratégias whyteanas e do método fenomenológico

No Programa de Pós-graduação em Ciências do Ambiente da UFT (PGCIAMB/UFT), as pesquisas demonstram a possibilidade de articulação das técnicas de Whyte (1977) ao método fenomenológico descritivo, voltadas à percepção ambiental, orientados pelo geógrafo Dr. Lucas Barbosa e Souza.

Dentre os trabalhos, Silva (2012) teve como objetivo analisar as atividades de planejamento e de gestão ambientais desenvolvidas na área urbana de Palmas, por parte do poder público municipal, considerando-se a percepção de gestores e técnicos, ou seja, dos próprios indivíduos que realizam esse tipo de trabalho, os que detêm o poder de decisão apontado por Whyte (1985). Ainda como exemplos, Teixeira (2012) realizou uma investigação sobre as práticas da economia ecológica e da economia solidária em comunidade quilombola; e Santos (2013) apresentou pesquisa que disserta sobre a percepção da qualidade ambiental da cidade Luís Eduardo Magalhães, BA.

Em todos esses trabalhos, foram aplicados os procedimentos de Giorgi (2012a). Souza (2017) destaca a necessidade de habilidade do pesquisador tanto na coleta dos relatos, como na descrição. Na coleta, há necessidade de um maior cuidado ao realizar enunciados para que não configurem perguntas, mas pedidos para que o sujeito possa descrever uma dada experiência ou ambiente vivido; e na redução, é preciso manter a fidelidade em relação à descrição original. O caráter interdisciplinar dessas pesquisas identifica-se na posterior utilização de outras técnicas de pesquisa, baseadas no “perguntando” e no “observando”, não se esgotando as possibilidades de pesquisa com o “ouvindo” pelo método fenomenológico. Os resultados obtidos por meio da redução fenomenológica orientaram a formulação de questões para o “perguntado”, e guias para o “observando”.

Uso de abordagens objetivas e subjetivas interdisciplinares

Pouquíssimos trabalhos foram encontrados com a preocupação de abordar tanto os aspectos objetivos, como os aspectos subjetivos envolvendo conforto térmico e clima, em sua perspectiva dinâmica. Dentre os raros trabalhos, destaca-se a tese de doutorado de Sartori

(2000), como pioneira nas discussões entre clima e percepção climática. A autora destaca a importância da percepção humana do tempo e do clima, assim como as reações psico- fisiológicas humanas a certas condições atmosféricas, e aliado à percepção, destaca também a importância do ritmo climático na análise geográfica, identificando 15 tipos de tempo básicos, em especial as situações de tempo em que se define o vento norte na região Sul do Brasil. Baseada no triângulo metodológico de Whyte (1977), a autora propõe diferentes estratégias de investigação em meio urbano e rural. Em situações por ela estudadas, como ondas de frio, ondas de calor, veranico de maio e vento norte, a autora identificou em estudos de campo, com as estratégias, que tais situações de tempo eram lembradas pelos entrevistados, evidenciando que são esses eventos que marcam a percepção climática das pessoas.

Segundo Zavattini (2004), a autora alcançou resultados no tocante às alterações do clima local de Santa Maria, RS, e à sensitividade de seus habitantes no que diz respeito às modificações em função de um processo de intensa urbanização, atingindo plenamente seus objetivos em um trabalho interdisciplinar, juntando a Geografia e a Medicina. Apesar da autora não utilizar índices de conforto térmico, discute sua importância como mais um elemento no entendimento do clima.

Influenciados pelo trabalho de Sartori (2000), as dissertações de mestrado de Ruoso (2007) e Ribeiro (2012), sendo o primeiro orientado pela própria Sartori, e o segundo orientado pelo geógrafo Zavattini, envolveram análise rítmica e percepção do meio ambiente. Ruoso (2007) busca avaliar o grau de percepção climática no meio urbano em conjunção com duas abordagens: a climatológica, por meio da análise rítmica episódica, e a da percepção, por meio de entrevistas com a população urbana, segundo estratégias de Sartori (2000) dentro da abordagem “perguntando”, inspirada no triângulo metodológico de Whyte (1977). Ribeiro (2012) relaciona os resultados dos trabalhos de campo em percepção com a análise têmporo- espacial das chuvas na região. O autor aplicou técnicas da percepção do meio ambiente, dentro do “perguntando” e do “ouvindo” de Whyte (1977), e técnicas de análise das chuvas e estiagens na região de estudo, relacionadas aos riscos naturais, utilizando a análise rítmica em episódios secos e chuvosos. Ribeiro (2012) utiliza os formulários elaborados por Sartori (2000) para ambiente rural e urbano, denominados de Estratégias A, B, C e D.

Outros exemplos foram encontrados, mas apenas na área de conforto, como as pesquisas do projeto RUROS e algumas pesquisas específicas com aspectos subjetivos (muitas vezes denominados psicológicos). As pesquisas do projeto RUROS apresentam uma preocupação com os aspectos subjetivos do conforto térmico, porém, somente sob a questão da adaptação, por influência de métodos adaptativos, como relatado nas primeiras pesquisas que originaram

o projeto (NIKOLOPOULOU; BAKER; STEEMERS, 1999b). Apesar de não incluir o conceito dinâmico de clima, as pesquisas no âmbito desse projeto foram consideradas importantes dentro do caráter interdisciplinar das abordagens objetiva e subjetiva, pois incluíram enfoques não quantitativos de avaliação dos processos adaptativos no conforto térmico. Além disso, influenciaram diversos outros trabalhos subsequentes com dados subjetivos, segundo Cheng e Ng (2012), em uma revisão de pesquisas com conforto térmico em áreas externas na primeira década do século XXI.

Nikolopoulou e Steemers (2003, p. 96, grifos dos autores) descrevem que “the term

‘adaptation’ can be broadly defined as the gradual decrease of the organism’s response to repeated exposure to a stimulus, involving all the actions that make them better suited to survive in such an environment”120. Nesse sentido, são descritas três categorias de adaptação: adaptação física (physical adaptation), que pode ser reativa (reactive) ou interativa (interactive); adaptação fisiológica (physiological adaptation); e adaptação psicológica (psychological

adaptation) (NIKOLOPOULOU; BAKER; STEEMERS, 1999b; NIKOLOPOULOU;

STEEMERS, 2003; NIKOLOPOULOU; LYKOUDIS, 2006).

A adaptação física envolve todas as mudanças que uma pessoa faz para se ajustar ao ambiente ou alterar o ambiente para suas necessidades. Os parâmetros da adaptação física reativa são sempre pessoais, como vestimenta (clothing), calor metabólico (metabolic heat), por ingestão de alimentos que alteram o metabolismo, e variação espacial (spatial variation), que envolve variação de posição ou postura; enquanto a adaptação física interativa refere-se ao controle do ambiente (environmental control), que é muito limitado ou nulo em áreas externas. O parâmetro da adaptação fisiológica é a aclimatação (physiological acclimatization), mas, segundo os autores, confunde-se com as experiências passadas, um parâmetro psicológico.

A adaptação psicológica refere-se a informações individuais para situações particulares. Foram descritos seis parâmetros: naturalidade do espaço (naturalness of a space), em que as pessoas podem tolerar grandes mudanças que ocorram de forma natural no ambiente físico; expectativas (expectations), o que se espera do ambiente térmico; experiência de curto e longo prazo (experience short/long-term), pois afeta diretamente as expectativas, tendo relação com a memória; tempo de exposição (time of exposure), uma vez que a exposição ao desconforto é menor se for de curta duração; controle pessoal da percepção (perceived control), relativo a pessoas que toleram grandes variações, pois tem a oportunidade de escolha; e estimulação

120 O termo ‘adaptação’ pode ser definido, de forma abrangente, como a diminuição gradual da resposta do organismo à exposição repetida a um estímulo, envolvendo todas as ações que tornam este organismo mais adequado para sobreviver em determinado ambiente (Tradução nossa).

ambiental (environmental stimulation), que reflete a preferência das pessoas a ambientes variáveis, e não estáticos.

As pesquisas desse projeto foram realizadas em locais de descanso em áreas externas, ou seja, em locais que as pessoas escolheram para se sentar e não em caminhos transitórios, o que refletiu no grande percentual de conforto identificado nas diversas cidades pesquisadas (NIKOLOPOULOU; LYKOUDIS, 2006). Os pesquisadores do projeto RUROS reconhecem que os parâmetros da adaptação física e fisiológica são mais facilmente quantificáveis, ao contrário dos parâmetros da adaptação psicológica. No entanto, apesar de sua complexidade, apresentam uma tentativa, tanto de avaliar o impacto relativo de cada um dos parâmetros da adaptação psicológica, como de compreender a inter-relação entre eles para fins de comparação de sua importância relativa no projeto e no planejamento urbano (NIKOLOPOULOU; STEEMERS, 2003).

As pesquisas do projeto RUROS representaram um marco na avaliação do conforto em espaços abertos, principalmente por identificar características subjetivas que influenciam no conforto. Em outro estudo ligado a esse projeto, Katzschner (2006) verificou que o comportamento das pessoas depende não apenas das condições térmicas externas, mas também das expectativas individuais. Segundo Chen e Ng (2012), a descoberta mais importante neste projeto foi a grande discrepância entre a sensação de conforto térmico descrita pelos entrevistados (interpretado pelo autor como dados subjetivos) e a condição de conforto térmico teoricamente prevista a partir do índice PMV (descrito pelo autor como dados objetivos). Em sua revisão, Chen e Ng (2012) citam ainda como exemplos de importantes pesquisas em áreas externas com dados subjetivos, as pesquisas de Zacharias, Stathopoulos e Wu (2001), Thorsson, Lindqvist e Lindqvist (2004),Thorsson et al. (2007a),Eliasson et al. (2007) e Lin (2009), a maior parte deles com influências das pesquisas do projeto RUROS.

Nos estudos de Zacharias, Stathopoulos e Wu (2001), foram examinadas praças públicas para descobrir a relação entre microclima local e nível de uso. Os autores verificaram que a presença de pessoas no local não necessariamente implica sua satisfação e sugeriram que a percepção de conforto fosse complementada com níveis e tipos de atividade. Semelhante aos estudos de Nikolopoulou, Baker e Steemers (2001), Thorsson, Lindqvist e Lindqvist (2004) e Thorsson et al. (2007a) também demonstraram uma discrepância entre a sensação das pessoas e o PMV, no caso da primeira pesquisa, e o PET, na segunda, sugerindo que modelos de estado estacionário podem não ser apropriados para a avaliação do conforto térmico ao ar livre. Além disso, verificaram que a exposição transitória e expectativas térmicas podem ter uma grande influência na avaliação subjetiva do conforto térmico.

O estudo de Eliasson et al. (2007) revelou influências de avaliações estéticas distintas em termos de sensações de beleza e prazer nas praças estudadas, e também confirmou a importância do planejamento sensível ao clima em projetos urbanos. Lin (2009) desenvolveu projeto em clima quente e úmido, bem diferente dos climas em que foram aplicadas as técnicas do projeto RUROS, e utilizou o índice PET. O autor identificou que, no verão, 90,0% das pessoas optavam por ficar sob árvores ou em abrigos, revelando a importância da sombra em ambientes externos, além da preferência por temperatura fria e a luz solar fraca. A partir da revisão destes estudos, Chen e Ng (2012) sugerem um quadro para avaliação da percepção do conforto térmico ao ar livre em termos de aspectos comportamentais, pelo menos quatro níveis, físico, fisiológico, psicológico e social/comportamental, conforme Figura 8.

Figura 8 – Quadro geral para avaliação do conforto térmico ao ar livre baseado em aspectos comportamentais

Fonte: Chen e Ng (2012, p. 123, tradução nossa).

Uma característica comum em todas essas pesquisas são as análises de dados por meio de testes estatísticos, como análise de regressão múltipla e testes ANOVA, mesmo tratando de dados subjetivos focados na relação entre conforto térmico e características individuais das pessoas, como seus locais de origem e suas diferenças culturais. Preocupado com a aplicação prática desses estudos, Lenzholzer e Van Der Wulp (2010) investigaram como a forma, os materiais e as cores dos edifícios que compõem os ambientes externos influenciam no conforto

térmico, concluindo e sugerindo que o design influencia a experiência térmica, mas também utilizaram testes estatísticos, especificamente testes ANOVA. Fuller e Bulkeley (2013) estudaram como as atividades cotidianas contribuem para a compreensão de como as pessoas se adaptam a novos climas, incluindo mudanças na vestimenta, no uso do ar condicionado, entre outros, destacando a importância da compreensão da adequação cultural ao calor em lugares específicos. Os autores destacaram ainda, a importância de flexibilidade nas rotinas e atividades cotidianas, como estratégia de adaptação sob novas condições climáticas.

A pesquisa Yin et al. (2012) avaliou de forma abrangente os diversos fatores que influenciam no conforto térmico em áreas externas por meio da adaptação, explorando algumas correlações entre sensação térmica e quantidade de exercícios, a experiência térmica (comparação com o microclima de domicílios anteriores), o humor, o vestuário, a saúde e os parâmetros microclimáticos. Os autores concluíram que a maior parte das variáveis analisadas apresentou influência na tolerância ao ambiente meteorológico, encontrando forte relação entre as condições microclimáticas e de conforto. Assim como as pesquisas do projeto RUROS, as análises de dados de Yin et al. (2012) também se deram por meio de testes estatísticos, como análise de regressão.

Na Nova Zelândia, o trabalho desenvolvido por uma brasileira, Tavares (2015), também reflete o caráter interdisciplinar das abordagens objetiva e subjetiva. A pesquisa investigou a relação entre microclima e cultura urbana com base no conceito de conforto urbano. Segundo Tavares (2015, p. ii),

Urban comfort is defined as the sociocultural (therefore collective) adaptation to microclimate due to satisfaction with the urban environment. It involves consideration