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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1.1 O PROJETO DA CAPITAL DO ESTADO DO TOCANTINS

O plano básico da cidade de Palmas (GRUPOQUATRO, 1989) refere-se ao projeto urbanístico no perímetro urbano do distrito sede (área macroparcelada original), com aproximadamente 11mil ha, entre a Serra do Lajeado (também conhecida como Serra do Carmo)124 e o Lago de Palmas125, sítio escolhido também pelas qualidades paisagísticas, com potencial urbanístico. Seu projeto teve como princípios norteadores a qualidade ambiental e o ideal ecológico (VELASQUES, 2010), como citado no próprio plano, sob o sonho “ecológico e humanístico” (GRUPOQUATRO, 1989, p. 3), tendo como base do projeto, a integração com a natureza:

[...] nestes espaços, integrados com a natureza através de um traçado simples e lógico, os habitantes devem viver e conviver em harmonia consigo mesmo, com a comunidade e com a natureza. Esta consciência social e ecológica deve refletir-se em ruas tranquilas e praças arborizadas. O casario há que ser variado, personalizando cada esquina (GRUPOQUATRO, 1989, p. 2).

Com relação ao clima, o projeto citou preocupação com a adaptação climática em linhas gerais, sob o tema “respeito ao meio ambiente”, no seu ideal ecológico, destacando a necessidade de proporcionar maior ventilação:

O conjunto das construções deve levar em conta e respeitar o clima local, que é de alto teor de umidade [sic] e com temperaturas elevadas durante todo o ano. Portanto, a disposição das partes edificadas deve considerar a possibilidade de haver entre elas áreas de ventilação, de maneira a haver espaços disponíveis suficientes na cidade para

122 Já no início da sua implantação, semelhantes à Brasília, Palmas foi produzida com um “discurso ‘desenvolvimentista’ — dos ‘cinquenta anos em cinco’ para os ‘vinte anos em dois’ — como no discurso geopolítico de integração do país” (SILVA, 2010, p. 59, grifos da autora). Mais informações sobre a história da criação de Palmas podem ser consultados em Lira (2011) e outros.

123 De acordo com Velasques (2010, p. 211), os motivos que conduziram à contração do Escritório GrupoQuatro, teve “reclamação posterior dos profissionais de arquitetura do país, via Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), por um Concurso Público de idéias [...]”.

124 Segundo Souza, L. (2010, p. 167), a Serra do Lajeado é, “em termos geomorfológicos, um planalto residual, constituído por arenito”.

ocorrer uma boa circulação de ar. Tais cuidados são indispensáveis no escopo dos planos, e projetos que serão desenvolvidos (GRUPOQUATRO, 1989, p. 4).

Da mesma forma, os autores argumentam que o desenho buscou tanto minimizar os impactos das densidades construtivas sobre o clima, como possibilitar o conforto ambiental dos habitantes: “a configuração física da nova cidade, procura minimizar o impacto climático resultante das estruturas construídas, devendo estas respeitar o ambiente [...]” (GRUPOQUATRO, 1989, p. 6); “propicia-se assim, um benefício na distribuição da cidade para o conjunto de habitantes e melhores condições de conforto ambiental” (GRUPOQUATRO, 1989, p. 11). Segundo Paz (2009, p. 17), os autores se basearam “em princípios bioclimáticos para o desenho urbano, tais como: ruas sombreadas, orientação dos edifícios sobre o eixo leste- oeste e com grandes espaços arborizados e áreas verdes de preservação junto aos corpos d’água”.

Sob esses princípios, o plano foi traçado aos moldes do urbanismo funcionalista (VELASQUES, 2010): áreas específicas para cada uso, moradia, comércio, indústria, poder público e áreas mistas; malha ortogonal com largas avenidas no sentido norte-sul (NS) e leste- oeste (LO), para garantir o melhor fluxo do trânsito, com rótulas (rotatórias) em seus cruzamentos; e adaptação da malha ortogonal às áreas de topografia acidentada, margens de córregos, áreas verdes e sujeitas a inundações ou a erosões. Seu desenho urbano foi concebido a partir de um sistema viário principal (ver Figura 10): a rodovia TO-134 (atual TO-050)126 ao leste, margeando a Serra do Lajeado; a Avenida Parque a oeste, margeando o lago (já previsto); a Avenida Teotônio Segurado no sentido norte-sul e a Avenida Juscelino Kubitscheck (JK), no sentido leste-oeste, cruzando a cidade, com a Praça dos Girassóis no cruzamento dessas duas grandes vias, destinada ao poder público estadual, em área elevada. Segundo Teixeira (2009), um dos autores do projeto, a planta linear da cidade foi sugerida pelo arranjo entre o rio e a serra, cruzando com as matas ciliares preservadas junto aos ribeirões, entremeando as quadras. Tal sistema viário demarcou o macro parcelamento da área em quatro grandes setores127,

nordeste, sudeste, noroeste e sudoeste (ver Figura 10). Cada um destes setores é composto por “grandes quadras” destinadas a acomodar as funções da cidade (PALMAS, 1993): Área Administrativa — AA; Área de Comércio e Serviço — ACS; Área de Lazer e Cultura — ALC;

126 Os croquis no documento do plano básico da cidade de Palmas indicam a denominação TO-134, no entanto, nos mapas atuais da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos do Estado do Tocantins (TOCANTINS, 2017), a localização corresponde à indicação de outras rodovias, como o final da TO-010 ao norte, vindo da cidade de Lajeado, e a TO-050 ao centro e ao sul, em direção à cidade de Porto Nacional.

127 O desenho urbano e o zoneamento são descritos em parte no Plano Básico, e detalhadamente em seus anexos: “Palmas: memória da concepção” e “Palmas: manual orientador”, anexos do Projeto da capital do Estado do Tocantins (GRUPOQUATRO, 1989).

Área Residencial — AR; Área Verde — AV (ver Figura 11), imprimindo desta forma mais marcantemente os preceitos do urbanismo funcionalista, mesmo que com certa flexibilidade, como observado por Velasques (2010). Internamente, as “grandes quadras”, denominadas apenas por “quadras”, sofreram micro parcelamento, gerando as “quadras internas”. Foram previstos ainda, no interior das quadras, equipamentos públicos básicos, como praças e escolas, e nos trechos das vias arteriais formadas pelas quadras, o comércio e os serviços de caráter vicinal, de uso mais imediato e cotidiano da população (TEIXEIRA, 2009).

Figura 10 – Estudos esquemáticos do sistema viário principal do projeto de Palmas

Fonte: GRUPOQUATRO (1989)128, adaptado pela autora (2018).

O zoneamento urbano e uso do solo proposto no plano básico previu regras básicas para cada uma dessas quadras funcionais, que derivaram no seu plano diretor (PALMAS, 1994), na lei de uso e ocupação do solo (PALMAS, 1993) e no código de obras (PALMAS, 1990). As áreas residenciais foram planejadas para serem autônomas no atendimento às demandas imediatas, com comércio e serviços locais, áreas de recreação, recantos e bosques (GRUPOQUATRO, 1989). Segundo Velasques (2010), tanto a dimensão (700x700 m), como a densidade (300 habitantes por hectare) da quadra padrão foi definida também a partir de

128 Parte das ilustrações do Plano Básico de Palmas também pode ser consultado no site do escritório de arquitetura Fernando Teixeira, Arquitetos Associados (Grupo Quatro Arquitetura e Urbanismo) (TEIXEIRA, 2017).

consultoria especializada de Juan Mascaró129, considerando a viabilidade econômica, as condições climáticas e sociais locais. Além disso, o projeto, ainda previu “áreas verdes obrigatórias do parcelamento das quadras” (VELASQUES, 2010, p. 68).

Figura 11 – Desenho urbano do Projeto Básico de Palmas

Fonte: GRUPOQUATRO (1989); Palmas (2017), organizado pela autora (2018).

Segundo Rodrigues (2016), para alcançar a densidade recomendada, as quadras residenciais foram projetadas para conter, além das habitações unifamiliares (residências isoladas), as habitações multifamiliares (geminadas e verticais entre quatro e dez andares), localizadas nas bordas das quadras, próximas do sistema viário secundário da malha ortogonal, visando à melhoria do tráfego. Atendendo às diretrizes básicas de ocupação, a forma de distribuição das construções nas áreas residenciais seria livre e cada quadra teria um desenho particular, em consonância com o princípio da flexibilidade adotado no projeto (RODRIGUES, 2016).

129 Juan Luis Mascaró é engenheiro civil e autor de diversos livros considerados clássicos em urbanismo, a exemplo: MASCARÓ, Juan Luis. Loteamentos Urbanos. 2. ed. Porto Alegre: Masquatro Editora, 2005.

As áreas comerciais diferem entre si, de acordo com sua localização: central (ACSC, no entorno da Praça dos Girassóis); urbano (ACSU, ao longo da Avenida Teotônio Segurado); ou vicinal (ACSV, nas avenidas NS e LO) (PALMAS, 1993). As ACSU são destinadas a edifícios com gabarito de até 45 metros (de 15 a 16 pavimentos), enquanto as demais possuem dois pavimentos com balanços ou marquises de 2,5m (ver Figura 12), para proporcionar sombra aos transeuntes. As centrais diferem-se ainda pelas vias de pedestres130.

Figura 12 – Marquises características de áreas comerciais centrais e vicinais no projeto de Palmas

Fonte: GRUPOQUATRO (1989), adaptado pela autora (2018).

As áreas destinadas ao comércio de maior porte e às indústrias foram localizadas na margem da TO-134 (atual TO-050), tanto pela facilidade de acesso de veículos de outras cidades e de outros estados, como para permitir o fluxo de transporte pesado, além da possibilidade de manter um cinturão verde na margem oposta à via. As áreas de lazer foram destinadas a clubes, parques etc., com baixa densidade de ocupação (GRUPOQUATRO, 1989). Entretanto, o projeto original sofreu grandes desvirtuações, reconhecidas pelos próprios projetistas, um verdadeiro tinkering131 urbano, cada vez mais distanciado do seu plano inicial.

O seu projeto previa uma ampliação gradual da cidade, por meio de um traçado proposto para se desenvolver em etapas, por no mínimo duas décadas (GRUPOQUATRO, 1989). Contudo, “apesar de ficar clara a intenção de promover uma ocupação ordenada e sequenciada, o que se observou foi um processo desordenado de ocupação do território” (CORIOLANO; RODRIGUES; OLIVEIRA, 2013, p. 133). Segundo Teixeira (2009), esse processo deveu-se, em grande parte, a políticas de governo deliberadamente de segregação da população mais

130 Atualmente, a maior parte das vias de pedestres das áreas comerciais centrais transformaram-se em vias de automóveis, algumas inclusive com esquinas de ângulos retos, sem curvas, inadaptado para o percurso do carro. 131 A expressão em inglês, utilizada originalmente por Walfredo Antunes de Oliveira, “denota a ideia de remendo ou bricolagem, fazendo referência à soma de intervenções pontuais que desvirtuam a concepção original dos projetistas” (SOUZA, L., 2010, p. 168).

pobre, incorrendo em invasões em áreas públicas e privadas, em áreas industriais e em área de preservação ambiental, mas também antecipando uma forma de especulação do mercado imobiliário. Em contrapartida, Bessa e Oliveira (2017) descrevem que o resultado socialmente fragmentado e espacialmente disperso na ocupação urbana de Palmas não resulta apenas do desvirtuamento do projeto original, nem do livre funcionamento do mercado de terras, mas de um processo ordenado de apropriação político-econômico-territorial. Segundo as autoras, tais ações impuseram uma nova ordem intencional a partir da cooperação de agentes e instituições político-econômicos, por meio de intencionalidades cambiantes, que sabotaram o plano inicial, rompendo com as intencionalidades propostas e produzindo novas intencionalidades, em um contexto marcado por conflitos e contradições.

Segundo Bazolli (2007), a forma de ocupação de Palmas tem resultado numa cidade espraiada, com a área central de quadras totalmente urbanizadas, de densidade extremamente baixa e com elevado preço da terra, obrigando a população a se deslocar para espaços distantes. Esse processo na porção ao sul pôde ser constatado desde o início da implantação da cidade, em 1991, fazendo surgir uma cidade maior do que o plano original de Palmas (correspondente à área macroparcelada, denominado atualmente como Palmas-centro). Além disso, Palmas passou ainda por uma expansão urbana desnecessária e com interesses apenas políticos ao norte da área macroparcelada, numa extensão de quase 12 km (BAZOLLI, 2007). A exemplo, Bessa, Lucini e Souza (2018) destacam o lançamento, em 2003, do condomínio horizontal fechado Polinésia Residence, na área de expansão urbana norte, fora da área macroparcelada, inserindo- se nesse processo de expansão urbana. A especulação e a ocupação indevida de muitas áreas também incidiu em outros problemas, decorrentes principalmente da forma como se deu essa ocupação, apontados pelo Diagnóstico de arborização urbana de Palmas (PINHEIRO et al., 2015), como o descaso com as espécias arbóreas nativas, a insuficiência e a inadequação da arborização urbana, além de uma grande presença de solos expostos.

Em período mais recente, a cidade tem visto acentuar outro processo, o de verticalização. Segundo Rodrigues (2016), apesar de estar previsto desde o projeto, o processo de verticalização foi acentuado a partir de 2011, contribuindo para isso, diversos fatores: a liberação de linhas de crédito estatais para os setores da construção e da habitação; a ampliação e estruturação dos setores construtivos e imobiliários; o amparo legal por meio da aprovação de um novo plano diretor em 2007 (PALMAS, 2007), que potencializou a área construída dos terrenos. Como resultado, entre 2011 e 2015 foram construídos mais edifícios que a soma dos construídos entre 1989 e 2010, o que, além de representar uma mudança na morfologia da

cidade, tem implicações diretas na ampliação do processo de segregação sócio espacial, nos impactos ambientais e nas características climáticas locais (RODRIGUES, 2016).

Recentemente, foi instituído pela Lei n. 400, de 2 de abril de 2018, o novo Plano Diretor Participativo da cidade de Palmas (PALMAS, 2018), que estabelece Macrozonas, subdivididas em Regiões de Planejamento (RP), como podem ser vistas na Figura 13. A RP Centro (equivalente à área Macroparcelada, com limite um pouco maior que o original ao Norte) e RP Sul I (que abrange os bairros de Taquaralto, Aureny I a IV, entre outros) fazem parte da Macrozona de Ordenamento Controlado. A RP Norte, RP Leste e RP Sul II estão contidas na Macrozona de Ordenamento Condicionado, enquanto a RP Rural e RP São João fazem parte da Macrozona de Ordenamento Rural. A Macrozona de Conservação Ambiental abrange a RP Serra do Lajeado (onde estão localizados os Parques Estadual e Municipal da Serra do Lajeado), RP Taquaruçu, RP Buritirana e RP Taquaruçu Grande. As Macrozonas urbanas atuais apresentam algumas expansões territoriais em relação ao plano diretor aprovado anteriormente em 2007.

Figura 13 – Mapa das Regiões de Planejamento e Perímetro Urbano do Plano Diretor Participativo de Palmas, de 2 de abril de 2018