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CAPÍTULO 5 A FILIAÇÃO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DAS

5.2 A DETERMINAÇÃO DA FILIAÇÃO DECORRENTE DO

5.2.1 A filiação decorrente da fertilização homóloga

A reprodução artificial é considerada homóloga quando o embrião é formado por sêmen e óvulo do marido e da mulher, respectivamente, ou dos conviventes.

O casal que se submete, conjuntamente, as técnicas de reprodução humana assistida, fornecendo seus gametas, assume a paternidade e maternidade do filho gerado sob tal condição.

Haverá, portanto, coincidência entre a filiação biológica e a filiação jurídica, nos casos em que se estabelece o vínculo socioafetivo, razão pela qual não enseja maiores discussões. Ressalte-se que nada impede que os filhos gerados pela reprodução assistida homóloga venham a ser, posteriormente, adotados, (em face da perda do poder familiar por parte dos pais biológicos) deixando, assim, da haver tal coincidência.

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DIAS, Maria Berenice. Direito das famílias. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 318.

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FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 498.

A alegação de que a inseminação homóloga desfigura o processo natural reprodutivo que se dá com o relacionamento sexual não procede diante da vontade maior do casal de ter seu filho. Segundo Marciano Vidal o filho nasce num contexto de amor de onde a procriação e a união conjugal constituem senão uma unidade temporal, sim um todo realmente humano. 186

A Resolução n° 1358/1992, do Conselho Federal de Medicina, estabelece a necessidade de haver o consentimento livre e informado de ambas as partes para realização do procedimento.

Tal regra presta-se a evitar eventuais alegações de erros ou vícios de vontade, como forma de questionar a filiação.

Na realidade, o maior questionamento ético das técnicas de reprodução humana assistida, seja homóloga ou heteróloga, diz respeito ao destino dos embriões excedentários, que o Direito Brasileiro respondeu mediante aceitação da Lei de Biossegurança, permitindo-se a realização de experiência com células- tronco embrionárias, provenientes de tais embriões.

5.2.1.1 A filiação decorrente da fertilização homóloga post mortem

Os incisos III e IV do artigo 1597 do Código Civil em vigor atribui a paternidade dos filhos havidos por inseminação artificial homóloga ao marido ou companheiro, mesmo que o nascimento tenha ocorrido após o falecimento deste e utilizados os embriões excedentários.

Assim, segundo a lei, se o marido consentiu na realização da inseminação artificial com seu material genético aceitou a paternidade do filho, independentemente da época de sua concepção e de seu nascimento. Desta feita, os filhos que resultarem de embriões com material genético do marido e da mulher gozam da presunção de paternidade, pois a procedência do material é conhecida.

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Realizada, pois, a inseminação artificial com sêmen do marido ou companheiro estabelece-se a presunção de filiação.

Note-se que a Resolução n° 1358/92 do Conselho Federal de Medicina exige que o casal autorize a utilização do material genético após a morte de um deles ou de ambos. Assim sendo adverte Rolf Madeleno que:

[...] conseqüentemente, a possibilidade de a viúva proceder à inseminação artificial homóloga após a morte do marido, prevista no inciso III, do art. 1597 só poderá ser levada a efeito se já constar de autorização expressa deixada pelo esposo sucedido em documento de consentimento de precedente posse da clínica, centros ou serviços especializados na aplicação das técnicas de reprodução assistida, ou se em vida o marido se expressou por testamento ou por documento autêntico.187

Efetivamente, parece que o inciso em apreço (III) se refere aos casos em que o sêmen do marido ou o embrião tenha sido criopreservado e somente fecundado ou implantado no corpo da mulher, após o falecimento do mesmo.

Outrossim, o Código Civil não menciona a necessidade de autorização para utilização dos embriões excedentários, pressupondo que como o homem se submeteu, em vida, à reprodução artificial, ele teria assumido a paternidade dos filhos assim concebidos, independentemente da época do nascimento. Na esteira do que dispõe a resolução supra citada é de bom alvitre exigir a autorização expressa do marido em tais situações.

A Lei de Biossegurança permite que os embriões congelados há mais de três anos sejam utilizados em pesquisas com células-tronco, desde que haja autorização do casal.

De outro turno, o Código Civil em vigor silenciou o estado civil da mulher que desejasse utilizar o material genético de seu falecido marido. Visando dirimir a controvérsia, o Enunciado 106, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, aprovada por ocasião da I Jornada de Direito Civil, realizada no

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ano de 2002, estabelece para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a sua morte. 188

O intuito é evitar que surja dúvida sobre a paternidade, pois se a mulher mantém nova relação, o filho pode não ser do marido falecido, mas do seu novo marido ou companheiro. Pode, ainda, acontecer um conflito entre o critério biológico e o socioafetivo, no caso de a mulher viver em união estável com outro homem, que assumiu a posição de pai afetivo em relação ao filho fruto da inseminação homóloga post mortem.

Assim, entendeu-se que, como preceitua a Resolução n°1358/92 do Conselho Federal de Medicina, deve haver autorização escrita do marido, expressando seu consentimento de que seu material genético seja utilizado após sua morte.

Por outro lado, o Código Civil também silenciou sobre a hipótese de a sociedade conjugal ou a união estável se dissolver, permanecendo o embrião congelado. Para evitar a má-fé, ou seja, que a mulher, por exemplo, utilize-se do embrião e engravide de seu ex-cônjuge, quando o filho não mais faça parte do projeto familiar, exige-se a autorização escrita do mesmo. O Enunciado 107, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, também proveniente da I Jornada de Direito Civil, neste sentido, estabelece que finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.189

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PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito Civil – Enunciados aprovados. Disponível a partir de: <www.justicafederal.jus.br>. Acesso em: 22 abr. 2008.

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PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito Civil – Enunciados aprovados. Disponível a partir de: <www.justicafederal.jus.br>. Acesso em: 22 abr. 2008.

Procura-se evitar o arrependimento de modo a se por em xeque sua paternidade. Portanto, ainda que se arrependa após a realização da implantação dos embriões excedentários, juridicamente será o pai do filho concebido e não poderá voltar atrás.

Do ponto de vista biológico, tais hipóteses não apresentam maiores indagações quanto à paternidade, já que o material utilizado pertence ao casal, de forma que o filho gerado será biologicamente filho do marido e da mulher, embora provoque discussões no âmbito do direito sucessório, considerando que o filho, fruto da inseminação artificial homóloga, pode nascer e até mesmo ser concebido após a morte de seu genitor.

Neste aspecto, adverte Caio Mario:

[...] não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem, uma vez que a transmissão da herança se dá em conseqüência da morte e dela participam as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1798.). 190

Portanto, se o embrião ainda não havia sido introduzido no útero materno, o filho nascido posteriormente não teria direito à sucessão legítima. Configurar-se-ia a situação de um filho vivo se ver preterido na sucessão de seu pai por outros filhos, ou caso fosse o único filho, por outros herdeiros na ordem da vocação hereditária. Nada obsta, porém que o futuro filho seja contemplado em testamento, conforme estabelece o art. 1799, I do Código Civil em vigor que permite a sucessão testamentária para a prole eventual de pessoa indicada pelo testador desde que viva esta ao abrir-se a sucessão.

Tal situação importa em desigualdade para filho gerado mediante técnica de reprodução humana assistida, já que estaria privado dos direitos sucessórios em relação ao seu pai.

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SILVA, Caio Mario Pereira da. Instituições de direito civil. V. 5. 14ª ed Atualização de Tania Pereira da Silva. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 318.

Pelo fato do filho já nascer órfão e pelos problemas causados no âmbito do Direito das Sucessões é que se critica veementemente a inseminação post

mortem. Neste sentido, Carlos Bittar:

[...] O homem deve respeitar a natureza, a vida humana e seus limites e os valores que, ínsitos em sua personalidade, lhes possibilitam uma existência normal e compatível em sociedade. Daí a satisfação de caprichos pessoais e de anseios egoísticos deve, sempre, ceder à prudência, à cautela e ao respeito aos valores maiores do Homem e da Sociedade, que a tanto custo pode o ser humano detectar e alcançar na presente quadra de sua evolução. 191

Neste sentido, sobreleva Maria Berenice Dias que a inseminação post

mortem não é proibida e que a Constituição consagra a igualdade entre os filhos,

de forma que não se pode admitir que a legislação infraconstitucional restrinja o direito do filho, devendo-se reconhecer amplos direitos sucessórios. 192

Cumpre salientar que, ausente a autorização expressa, a presunção não se aplica, porém o filho não ficará sem pai, pois poderá ingressar com ação de investigação de paternidade, comprovando o vinculo biológico, estabelecendo-se, assim, a filiação, se já não há outra, de cunho socioafetivo.