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CAPITULO 1 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA À LUZ DA

2.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

O desejo de procriar é antigo. Na Grécia e em Roma a procriação tinha como principal objetivo perpetuar o culto aos mortos. A mulher que não podia procriar recebia o repúdio do marido.

As primeiras manifestações de arte, que remontam à época primitiva, representavam a mulher fecunda, grávida, capaz de gerar novos seres a exemplo da mãe natureza. 48

A esterilidade era motivo de degradação familiar. A impossibilidade de procriar poderia dar causa à anulação do casamento de tão grave que era, considerada um defeito inaceitável. A mulher estéril era considera almadiçoada e merecia ser banida do convívio social. Por outro lado, a fecundidade estava associada à noção de alegria, fartura, dádiva divina. 49

Até o final do século XV não se admitia que pudesse ocorrer a esterilidade masculina. Isto sequer era cogitado, portanto muito menos

48

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 22.

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COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. Jonas Camargo Fonseca. São Paulo: Ediouro, 1993, p. 36-37.

investigado. A mulher, então, com as descobertas terapêuticas procurava a cura através de chás, ervas, rituais religiosos, etc.

Apenas no final do século XVI, com a invenção do microscópio, por Leenwenhoek, a esterilidade passou a ser cientificamente estudada e somente em 1677 admitiu-se a possibilidade de esterilidade masculina, pela ausência ou escassez de espermatozóides. 50

Segundo Eduardo de Oliveira Leite, defensor da utilização das técnicas de reprodução humana assistida, são inúmeros os problemas psicológicos decorrentes da impossibilidade de procriar, seja para mulher ou para homem:

[...] A esterilidade não coloca em xeque só a organização psíquica do individuo, mas atinge também o casal. Se a esterilidade é difícil de viver individualmente para o homem solteiro, ela é mais ofensiva para o homem casado que sofre em não conseguir proporcionar à sua mulher o sonho da gravidez e a alegria de ter um filho. Com efeito, a esterilidade priva-a de três sensações insubstituíveis: a gravidez, a criança e o estado de mãe.51

Prossegue o autor explicando que a esterilidade feminina priva a mulher de um de seus papéis e desejo mais importante: o de ser mãe, no sentido biológico do termo. No caso masculino, em que pesem as conquistas femininas, ainda é muito forte a noção de virilidade e do papel reprodutor do homem, sendo certo que a sua esterilidade provoca intenso abalo psíquico.

Conforme Didier David:

[...] A esterilidade fere como a morte, esta atinge à vida do corpo, aquela à vida através da descendência. Ela rompe a cadeia do tempo que nos vincula àqueles que nos precederam e àqueles que nos sucederão; é a ruptura da cadeia que nos transcende e nos liga à imortalidade. O homem estéril é um excluído, o tempo lhe está contado, a morte que o espera está sempre presente, a vida se abre sobre o nada. Sua rapidez,

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MACHADO, Maria Helena. Reprodução humana assistida – controvérsias éticas e jurídicas. Curitiba: Juruá, 2006, p. 22.

51

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 17-18.

sua brutalidade, sua enormidade levam o homem, quase sempre, a negá- la, num primeiro momento.52

No seio da família, era muito comum a esterilidade provocar sua desagregação, em face do sentimento de incompetência, frustração, culpa, inferioridade e angústia pelo fracasso no projeto parental, principalmente o de perpetuação dos membros da família, quando o biologismo era tido como a única forma de concretizá-lo. Não se pode olvidar, também, as conseqüências para o homem e para a mulher do ponto de vista social, já que as pessoas em geral associavam a esterilidade, seja ela masculina ou feminina à derrota e a um mal incomensurável.

Bem ressalta Eugenio Carlos Callioli:

[...] Se for verdade que a fecundidade confere ao homem a capacidade de se multiplicar, de se imortalizar através dos filhos, a ausência destes, como decorrência da infertilidade, pode desestruturar o casamento, rompendo com a cadeia familiar, não permitindo a perpetuação da vida, pois durante toda a existência, o homem espera continuar vivendo através dos filhos. 53

Neste contexto, de priorizar a reprodução natural e os filhos biológicos, a reprodução humana assistida surge como meio de concretizar o desejo de ter filhos para aqueles que sofrem com a esterilidade.

Embora, conforme será salientado mais adiante, o Direito de Família passe a ressaltar a importância da afetividade nas relações de família, com uma nítida tendência de enfraquecimento do biologismo como critério absoluto de filiação, o argumento de que se recorrer às técnicas de reprodução humana assistida significa vaidade ou egoísmo, em face da possibilidade de adoção de

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DIDIER, David. L´insémination artificielle humaine. Aspects psychologiques. Paris: Editions ESFs, 1984, p. 103.

53

CALLIOLI, Aspectos da fecundação artificial “in vitro”. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: v. 44: 71-95, ano 12, abr.jul.1998, p. 27 apud FERNANDES, Silvia da Cunha. As técnicas de reprodução humana assistida e a necessidade de sua regulamentação jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 25.

crianças abandonadas (que não são poucas no Brasil) não é hábil a elidir a legitimidade do recurso. Neste sentido, defende Eduardo de Oliveira Leite:

.

[...] não há egoísmo nenhum em querer ter seu próprio filho. Além disso, o ato de amor, apontado por alguns psicanalistas, quanto à adoção, ocorre igualmente - e, talvez, até em dose maior - nas inseminações artificiais, onde o casal renuncia integralmente sua privacidade no ato de procriação e aceita a participação de um terceiro estranho.54

Para solucionar a impossibilidade de procriar, vários estudos foram realizados. No século XX, aconteceram grandes descobertas no campo da genética. A partir da descoberta das leis de Mendel e dos estudos de Morgan55 despertou-se o interesse pelas pesquisas genéticas, cujo marco, no que diz respeito à engenharia genética foi o trabalho apresentado por James Dewry e Francis Harry Compton Crick, descobridores da estrutura do DNA. 56 Da engenharia genética, conjunto de técnicas para leitura e manipulação do código genético, foi possível evoluir para a reprodução assistida, conjunto de técnicas para superar a esterilidade. 57

Nos anos 70, intensificaram os estudos sobre a fertilização in vitro, mediante a coleta de óvulos e de espermatozóides, a fertilização dos mesmos e a formação de embriões fora do corpo humano, para posterior implante no corpo da mulher. Assim, em 1978, no Oldham General Hospital, em Manchester, nasceu o

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LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 32.

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Mendel foi considerado o pai da genética, em face dos estudos com ervilhas, que estabeleceu regras previsíveis para o processo da hereditariedade, que se chamaram as leis de Mendel. Segundo as mesmas, no processo de reprodução havia uma passagem de elementos físicos que controlavam características hereditárias distintas, dos genitores para a prole, que mais tarde foram denominados genes. As descobertas de Mendel não foram reconhecidas na época e a importância de suas pesquisas só foram compreendidas em 1900. ALBANO, Lílian Maria Jose. Biodireito: os avanços da genética e seus efeitos éticos jurídicos. São Paulo: Editora Atheneu, 2004, p. 1.

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Três grupos de cientistas disputaram a descoberta da estrutura do DNA: a) James Watson e Francis Crick, do laboratório Cavendish, em Cambridge; b) Marice Wilkins e Rosalind Franklin, do King´s college, em Londres; e c) Linnus Pauling, o maior do mundo naquela época, da Caltech, na Califórnia. Wilkins e Rosanlind descobriram o modelo espacial e formularam a estrutura helicoidal do DNA, em 1953, mas apenas Watson e Crik forma agraciados com o premio nobel de fisiologia e medicina, nove anos depois por essa descoberta. ALBANO, Lílian Maria Jose. Op, cit, p. 4.

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primeiro bebê de proveta do mundo, uma menina chamada Louise Brown, deixando perplexo o mundo, diante do poder da ciência.

Impende destacar a infertilidade não se confunde com esterilidade. O termo infertilidade indica que a condição pode ser tratada e revertida, podendo ser um problema temporário. Já o termo esterilidade é aplicado a uma incapacidade permanente e irreversível. Na maioria das vezes, no entanto, os termos são utilizados indistintamente, como o fazemos no presente estudo.

As causas da infertilidade do homem e da mulher têm as mais diversas origens. No homem, apontam-se a ocorrência de varicocele (inversão na direção do sangue nas veias, de modo a acarretar acúmulo de sangue no testículo que influi na produção de espermatozóides), infecções do trato genital, causas congênitas (malformações congênitas, tal como a criptorquidia, que é o posicionamento dos testículos fora do escroto, etc); causas genéticas, tais como a azoospermida e a oligozoospermia severa; causas hormonais e causas idiopáticas, que são todas as causas desconhecidas até o presente momento, após concluída a investigação e não tendo sido encontrada qualquer alteração. Na mulher, podem ser apontadas como causas da esterilidade, disfunções na ovulação, doenças das tubas de falópio, endometriose pélvica, doenças congênitas e genéticas.58

Se o marido, ou companheiro, não tem espermatozóides ou os tem em número insuficiente, pode-se recorrer à doação de esperma. Se há esterilidade tubária, em face da mulher não possuir trompas ou estas apresentarem deficiências, pode-se socorrer da fertilização fora do corpo da mulher e introdução do embrião diretamente no útero. Se o problema é nos espermatozóides, estes podem ser colhidos, tratados e auxiliados no percurso até o útero, podendo também ser transferido diretamente para o útero da mulher. Em caso de ausência de óvulos, pode haver a doação dos mesmos e a fertilização extracorpórea.

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CORREA, Marilena V. Novas tecnologias reprodutivas. Disponível a partir de: <www.scielosp.org.br>. Acesso em: 25 set.2007.

Pode-se, ainda, recorrer à maternidade de substituição, em caso de doenças no útero ou de sua ausência. 59

Desta feita, a procriação artificial surge como meio legítimo de satisfazer o desejo efetivo de procriar em benefício de pessoas estéreis, as quais podem se utilizar da técnica adequada ao problema. Vejamos a seguir as técnicas utilizadas.

2.2 PRINCIPAIS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA