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CAPÍTULO 6 O DIREITO À ORIGEM BIOLÓGICA COMO DIREITO DA

6.4 A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DA ORIGEM

Consoante já expendido linhas atrás, a chamada inseminação artificial heteróloga, realizada com material genético de um terceiro, traz a discussão a respeito do direito do filho assim gerado de saber a sua origem. Tal debate também se trava nos casos de adoção.

Ora, se se trata de direito de personalidade, ainda que não previsto de forma taxativa, não há como se negar tal direito. Não se pode impedir, via de regra, que o filho gerado possa investigar e ter acesso a sua origem genética, tendo em vista ser este um direito personalíssimo, indisponível e intransferível.

Na maioria das vezes, pretende-se ter acesso à origem genética por questões psicológicas, pela necessidade de se conhecer. Em certos casos concretos, o fato de não se saber de onde veio, do ponto de vista biológico, pode comprometer a integração psíquica da pessoa.

Muito bem explica a situação, José Roberto Moreira Filho:

[...] Ao legar ao filho o seu direito de conhecer sua verdadeira identidade genética, estamos reconhecendo-lhe o exercício pleno de seu direito de personalidade e a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as mais variadas dúvidas e questionamentos que surgem em sua vida, como, por exemplo, as explicações acerca da característica fenotípica, da índole e do comportamento social, das propensões ou resistências a certas doenças, etc.. 283

282

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 203.

283

MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. Jus navigandi. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?ide=2744>. Acesso em: 02 jun. 2008.

Nos casos de filhos adotivos, por exemplo, é comum o interesse pela origem biológica. Noticiou a revista época que existe uma associação chamada Filhos Adotivos no Brasil, que conta com 300 membros, cujo objetivo comum é encontrar os pais biológicos. Além da questão médica, invocam também a necessidade de saber a razão do abandono. 284

Porém, é preciso salientar que a base fática da adoção não se confunde com a da reprodução medicamente assistida: naquela, a pessoa já existe e o Estado interfere visando melhorar a vida do adotando. Nesta, por sua vez, a solução visa o bem estar do casal. Na adoção, tem-se a teoria do fato consumado: a criança já existe. É por isso que o Estado interfere visando à melhoria de vida do adotando. Na reprodução assistida, como está sendo praticada, a solução não visa, a princípio, ao bem estar da criança que ainda não existe, mas ao do casal. Na adoção, a posição do Estado pode ser permissiva desde que ela represente efetivamente o bem da criança — princípio da interpretação mais amiga da criança —, uma vítima de circunstâncias as mais diversas, inclusive o destino. Na reprodução medicamente assistida, a posição do Estado deve ser restritiva, de modo a evitar que a busca de satisfação para os pais acabe por criar mais um candidato à adoção. E se os adotandos podem ser vítimas do destino, os filhos da medicina poderão ser vítimas do Estado.

O reconhecimento da origem genética também tem importância em casos de doenças somente solucionáveis através de compatibilidade consangüínea, tal é o caso de certos transplantes de órgãos e certas doenças, como a leucemia.285

A medicina preditiva é um novo ramo da medicina cuja prática consiste em analisar a possibilidade, no plano fenótipo, do desenvolvimento de alguma

284

MENDONÇA, Martha. Em busca dos pais biológicos – filhos adotivos se unem em todo pais em busca das próprias origens. Revista Época: Rio de Janeiro: Editora Globo, edição n° 571, de 14.04.08, p. 56.

285

MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. Jus navigandi. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?ide=2744>. Acesso em: 02 jun. 2008.

enfermidade, com base em testes diagnósticos realizados no plano genótipo 286. Salienta Reinaldo Pereira e Silva:

[...] O diagnóstico pré-sintomático das enfermidades monogênicas, situação em que existe grande previsibilidade, porém baixa possibilidade de modificação do risco de surgimento da enfermidade; e diagnóstico de enfermidades multifatoriais poligênicas, situação em que um único teste tem baixa previsibilidade, porém as opções de ser manipulado o ambiente para evitar o surgimento da enfermidade são grandes.287

É irrefutável, desta forma, a importância do conhecimento de tais dados, a fim de resguardar o direito à vida e a saúde do filho e dos pais biologicos, no tocante a ter ciência das doenças e males que acometem seus ascendentes e poder tratá-las eficazmente.

Outrossim, diante da globalização e evolução tecnológica que minimizou o óbice da distância aos relacionamentos pessoais e ampliou a informação, através da internet, não se pode olvidar a importância de se conhecer os dados genéticos a fim de evitar a ocorrência dos impedimentos matrimoniais, tal como, o casamento ou uniões entre ascendentes e descendentes ou entre irmãos.

Reportagem exibida em programa televisivo da Rede Globo288 narrou a história de cinco irmãos de mães diferentes, concebidos por meio de inseminação heteróloga na qual as mães utilizaram um doador anônimo de sêmen. Eles se encontraram através de um site da internet que cruzou os seus DNA´s e constatou que possuíam o mesmo pai. Embora morassem em locais totalmente diversos, seu encontro foi possível por meio da internet. Uma das possíveis conseqüências seria a hipótese da manutenção de relações incestuosas entre esses irmãos, ou mesmo entre pai/doador e filha, sem que os mesmos soubessem da sua

286

SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao Biodireito: investigação político-jurídica sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: Ltr, 2002. p. 296.

287

Idem, p. 296.

288

Programa Jornalístico Fantástico. Data de 11.12.2005. Disponível em: <www.globo.com/fantastico>. Acesso em: 23 jan.2008.

consangüinidade. Portanto, a dificuldade de que, na prática, tais pessoas se encontrem diminuiu sensivelmente, em face desta quebra de fronteiras. 289

Ao se reconhecer o direito à origem genética faz-se prevalecer a dignidade da pessoa humana, e esse é, certamente, o espírito apreendido pela Constituição Federal, de modo que também se tornou direito de toda criança poder conhecer sua origem, sua identidade biológica, sua família de sangue”.290

Nesta senda, seja pelas razões acima expostas, não há como se negar a importância da origem genética para a pessoa, dos pontos de vista psicológico, sociológico, médico ou jurídico.