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CAPÍTULO 5 A FILIAÇÃO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DAS

5.1 OS CRITÉRIOS DETERMINANTES DA FILIAÇÃO: O

PREPONDERANTE

Até bem pouco tempo, reconhecia-se no Direito Brasileiro apenas a família oriunda do casamento, a chamada família legítima e apenas os filhos nascidos de relação matrimonial eram protegidos.

O casamento acarretava para a filiação uma paternidade jurídica, na medida em que se estabelecia a presunção de que os filhos havidos na constância do casamento eram do casal, desprezando-se a verdade real. O pai, portanto, era o marido da mãe. 169 Tal presunção ocorria por apenas se admitir a procriação no seio do casamento, tanto que aqueles que nascessem de relação extra matrimonial não eram merecedores de proteção e denominados ilegítimos.

Com a Constituição Federal de 1988 e o reconhecimento de novas entidades familiares, consagrou-se o princípio da igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem, proibindo-se qualquer designação discriminatória, positivando-se o princípio da proteção integral da criança e do direito à convivência familiar.

A nova família brasileira passa a priorizar os laços afetivos. A troca de afeto, de cuidado e a solidariedade entre os membros como meio de se realizarem como pessoa humana adquire mais relevância do que o tipo de entidade familiar (matrimonial, monoparental, homoafetiva, etc) no qual tal realização se concretizará. Portanto, seja qual for a espécie de entidade familiar, o individuo é o

169

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 317.

centro em torno do qual gravitam todos os direitos, a fim de que a pessoa se realize sentimentalmente no grupo familiar em que está inserida.

A paternidade e a maternidade passam a ter um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor filial e natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque a paternidade real não é a biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança. 170

Aliás, o afeto é a matéria-prima fundamental nas relações de filiação, de intensidade variável, contudo constante, oxigênio e sobrevida que responde pela adequada formação moral e psíquica dos filhos que são postos neste agitado mundo dos adultos.171

Esta nova perspectiva deu origem a novos conceitos, passando a filiação, da mesma forma, a ser identificada não apenas pelo vinculo biológico, mas também pelo vínculo socioafetivo. Neste sentido, José Boeira explica que:

[...] A própria modificação na concepção jurídica de família conduz, necessariamente, a uma alteração na ordem jurídica da filiação, em que a paternidade socioafetiva deverá ocupar posição de destaque, sobretudo para solução de conflitos de paternidade. 172

João Baptista Villela foi um dos primeiros juristas no país a abordar o tema da desbiologização da paternidade, em artigo de 1979, defendendo que são verdadeiramente mães ou pais aqueles que melhor defendem os interesses da criança. 173

170

MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 40.

171

MADALENO, Rolf. A multa afetiva. Revista Jurídica Del Rey. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, n. 8, p.33, 2002 (numero especial).

172

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade, posse de estado de filho, paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 54.

173

Assim, a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Segundo Paulo Lobo:

[...] o estado de filiação desligou-se da origem biológica e de seu consectário, a legitimidade, para assumir dimensão mais ampla que abranja aquela e qualquer outra origem. Em outras palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica. 174

Cristiano Chaves e Rosenvald muito bem definem a filiação socioafetiva:

[...] A filiação sócio-afetiva não está lastreada no nascimento (fato biológico), mas em ato de vontade, cimentada, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em xeque, a um só tempo, a verdade biológica e as presunções jurídicas. Sócio-afetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de um tratamento em mão dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas pessoas, de fato, são pai e filho. Apresenta-se, desse modo, o critério sócio-afetivo de determinação do estado de filho como um tempero ao império da genética, representando uma verdadeira desbiologização da filiação, fazendo com que o vinculo paterno-filial não esteja aprisionado somente na transmissão de gens. 175

Devido à constitucionalização, no direito de família contemporâneo, vive-se um momento em que há duas vozes soando alto: voz do sangue (DNA) e a voz do coração (AFETO). Isto demonstra a existência de vários modelos de paternidade, não significando, contudo, a admissão de mais um modelo deste elo a exclusão de que a paternidade seja, antes de tudo, biológica. No entanto, o elo que une pais e filhos é, acima de tudo, socioafetivo, moldado pelos laços de amor e solidariedade, cujo significado é muito mais profundo do que o do elo biológico.

176

174

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, n.19, p. 133-156, ago/set. 2003.

175

FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 517.

176

ALMEIDA, Maria Christina. A paternidade socioafetiva e a formação da personalidade. O Estado e os estados de filiação. Revista Jurídica. Belo Horizonte/IBDFAM, n. 8, p.24, maio 2002 (numero especial).

Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha feito referência expressa à filiação socioafetiva, quando redefiniu a noção de família e adotou a igualdade entre os filhos, valorizou o afeto e a solidariedade como aspectos fundamentais dos núcleos de convivência familiar.

O fato de o biologismo não ser mais determinante da filiação demonstra- se pela presunção de paternidade do marido que autoriza a inseminação artificial heteróloga em sua mulher, baseada na verdade afetiva.

Destaca Paulo Lobo:

[...] No direito brasileiro atual, consideram-se estados de filiação ope legis: a) a filiação biológica, em face de ambos os pais, havida de relação de casamento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental; b) filiação não biológica em face de ambos os pais, oriunda de adoção regular, ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o filho e c) filiação não biológica, em face do pai que autorizou a inseminação heteróloga. 177

Parte da doutrina e da jurisprudência, no entanto, reluta em aceitar a socioafetividade como critério para estabelecimento da filiação em detrimento do critério biológico, talvez pelo deslumbramento com a prova científica (teste de DNA) que trouxe a certeza de origem genética, como forma de solucionar todos os conflitos de filiação.

Vale ressaltar, no entanto, que o reconhecimento da filiação socioafetiva não importa em desprezo à filiação biológica. Ambas convivem no direito de família, sem que haja qualquer hierarquia entre elas, posto que apenas no caso concreto é possível determinar qual critério a ser utilizado, o biológico ou o sócio- afetivo, no estabelecimento da relação de filiação.

Desta feita, preleciona Fachin:

177

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, n.19, p. 133-156, ago/set. 2003.

[...] É tempo de encontrar na tese biologista e na socioafetiva espaço de convivência, isso porque a sociedade não tem o interesse de decretar o fim da biologização clara e estampada na superação do modelo patriarcal codificado e nas estruturações de novos paradigmas para família na constitucionalização.178

Por conseguinte, pode-se dizer que a filiação não é apenas determinada por laços biológicos, apesar de se reconhecer que, na maioria dos casos, decorre da relação biológica. O sistema familiar contemporâneo nos leva a crer que é o afeto a base de uma entidade familiar, que cresce com a convivência e não deixa de exigir a solidariedade e responsabilidades inatas dessa instituição.

Assim, Cristiano Chaves e Rosenvald afirmam que existem três critérios para a determinação da filiação:

[...] i) o critério legal ou jurídico, fundado em uma presunção relativa imposta pelo legislador em circunstâncias previamente indicadas no texto legal; ii) o critério biológico, centrado na determinação do vínculo genético, contando, contemporaneamente, com a colaboração e certeza científica do exame de DNA; iii) o critério sócio-afetivo, estabelecido pelo laço de amor e solidariedade que se forma entre determinadas pessoas.179

Entre tais critérios inexiste hierarquia, devendo prevalecer, em cada caso, o que melhor concretize os interesses da criança, tutelando-se como fim último a dignidade da pessoa humana.

178

FACHIN, Edson Luiz. Paternidade e ascendência genética. In LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Grandes temas da atualidade. DNA como meio de prova da filiação. Rio de janeiro: Forense, 2000, p. 172.

179

FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 493.

5.2 A DETERMINAÇÃO DA FILIAÇÃO DECORRENTE DO