• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 6 O DIREITO À ORIGEM BIOLÓGICA COMO DIREITO DA

6.5 O DIREITO À ORIGEM GENÉTICA X FILIAÇÃO

Consoante já dito, o direito à origem genética insere-se no grupo dos direitos da personalidade. Em face da evolução pela qual passaram o direito de família e também os direitos da personalidade, explica Paulo Lobo, o núcleo estrutural da família passou por transformações profundas e os direitos da personalidade voltaram-se para os atributos inatos e inerentes de cada pessoa humana, de modo que se pode vislumbrar dois universos: o do direito de família, que se volta para os direitos e deveres das pessoas no grupo familiar e os diretos da personalidade, que dizem respeito à pessoa em relação a si mesma, como indivíduo e, assim, a origem genética deixando de ser o único fato determinante da filiação migrou para os direitos de personalidade, com finalidades distintas.291

Embora a maior parte da doutrina brasileira reconheça o direito ao filho gerado por inseminação heteróloga de saber sua origem genética, em face de sua

289

A Resolução n° 1358/92 do Conselho Federal de medicina estabelece, no item IV-5 que o doador só pode produzir duas gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes. Tal norma visa, exatamente, impedir os incestos.

290

MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no direito de família. Porto Alegre: livraria do advogado, 2000, p. 40.

291

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, n. 19, p. 133-156, ago/set.2003.

natureza personalíssima, impera, ainda, uma certa confusão sobre seus efeitos quanto à filiação.

Consoante já explicitado, atualmente não mais se reconhece apenas a filiação em face do vínculo biológico, sendo certo que prevalece na doutrina civilista o entendimento de que a filiação socioafetiva prepondera sobre o biologismo.

Para Paulo Lobo, portanto, não se deve confundir o estado de filiação com o direito da personalidade ao conhecimento da origem genética. Explica:

[...] O direito ao conhecimento da origem genética não está coligado necessária ou exclusivamente à presunção de filiação e paternidade. (...) a certeza absoluta da origem genética não suficiente para fundamentar a filiação, uma vez que outros são os valores que passaram a dominar esse campo das relações humanas.292

A função de pai não se confunde com a de mero ascendente biológico. Na busca pela identidade genética, há apenas a procura pelo procriador ou genitor, que em nada altera o vinculo de parentesco antes estabelecido.293

A ascendência genética pode ser investigada a partir dos direitos da personalidade . 294

O Estatuto da Criança e do adolescente, por exemplo, prevê no artigo 27 a possibilidade do adotado ter acesso aos dados de seus pais biológicos, sem que isto importe na desconstituição da filiação civil estabelecida pela adoção. 295

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, assim interpretou a questão:

292

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204.

293

LOBO, Paulo Luiz Netto. O exame de DNA e o princípio da dignidade humana. Revista Brasileira de Direito de Família, jurisprudência comentada, n 1, p. 68-78, Abr/Mai/Jun 1999.

294

VILELA, João Batista. O modelo constitucional da filiação: verdade e superstições. Revista Brasileira de Direito de Família. São Paulo, n 2, p.141, jul/set 1999,.

295

BRASIL. Lei n° 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do adolescente, e dá outras providencias. Publicada no Diário Oficial da União de 16 de julho de 1990. Códigos civil, comercial, processo civil, Constituição Federal. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 979-1009.

Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA. 296

De fato, a adoção rompe os vínculos jurídicos, restando, porém, mantida a origem genética do filho adotado, o qual pode querer conhecê-la.

À luz do direito estrangeiro, Paulo Lôbo ensina:

[...] No direito alemão, o Tribunal Constitucional, em decisão de 1994, reconheceu nitidamente o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, mas sem efeitos sobre a relação de parentesco. O direito espanhol, ao admitir excepcionalmente a revelação da identidade do doador do material fecundante, expressamente exclui qualquer tipo de direito alimentar ou sucessório entre o individuo concebido e o genitor biológico. O Código civil argentino não admite o reconhecimento nem a ação de filiação do filho adotado contra a família de origem, mas permite conhecer que é mãe e o pai biológicos, sem fim de parentesco.297

A lei portuguesa que disciplina as técnicas de reprodução humana, por sua vez, prevê a possibilidade de acesso à identidade do doador por razões relevantes, que devem ser reconhecidas por Juiz, em sentença judicial.

Na Alemanha, já se reconheceu o direito ao conhecimento da ascendência, sem que houvesse alteração na relação de parentesco, uma vez que tais direitos possuem dimensões autônomas. 298

Segundo Belmiro Pedro Welter, se existente a paternidade ou a maternidade socioafetiva, a investigação da origem estará restrita a três efeitos jurídicos, que são a necessidade psicológica do conhecimento da origem genética;

296

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n° 127.541/RS. 3ª Turma. Rel. Ministro Eduardo Ribeiro. Decisão unânime. Brasília, 10.04.2000, DJ 28.8.2000 p. 72. Disponível em: < www.stj.jus.br>. Acesso em: 22 abr. 2008.

297

LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204-205.

298

para afastar os impedimentos matrimoniais e para preservar a saúde e vida dos pais e do filho biológico, nas graves doenças hereditárias. 299

Por este raciocínio, o filho gerado pela inseminação heteróloga, uma vez estabelecida a filiação socioafetiva com os pais não biológicos, não mais caberia investigar a paternidade ou a maternidade, para a produção dos efeitos típicos da relação de filiação, tais como nome, alimentos, direitos sucessórios, etc. em relação ao doador do sêmen ou à doadora do óvulo, mas, apenas, na esfera do direito da personalidade.

Impende distinguir ação de investigação de paternidade de ação de investigação de origem genética, embora se utilize o termo investigação de paternidade, indistintamente. A diferenciação em terminologia seria adequada, em termos processuais, já que nas ações de investigação de paternidade, com a sentença de procedência do pedido, já se terá o comando de alterar o registro civil, efeito este que não existe quando apenas se declara à origem biológica de alguém, não tendo o escopo de gerar direitos ou obrigações sejam eles pessoais (como direito ao sobrenome e ao registro civil) ou patrimoniais (direito à herança, alimentos etc). Na investigação da origem genética, pretende-se apenas ver declarada sua ascendência genética, com fundamento no exercício de um direito de personalidade, totalmente desatrelado de uma relação de família, sendo a pretensão igualmente imprescritível e o direito em disputa inalienável. 300

Para Maria Berenice Dias, trata-se de ação de investigação de paternidade, cujo conteúdo será meramente declaratório, sem efeitos jurídicos outros. 301 O objeto da tutela do conhecimento da origem genética é assegurar o

299

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 232.

300

FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p, 535.

301

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,p. 358.

direito de personalidade enquanto o objeto da tutela da paternidade é o estado de filiação. 302

A ação declaratória da origem genética não produzirá efeitos sobre o vinculo de filiação já existente. Não terá o condão de estabelecer vinculo parental entre a pessoa que já tem uma família socioafetiva e pessoa que está sendo investigada. Do mesmo modo, reconhece-se o direito da pessoa que não tem uma família socioafetiva, mas pretende saber quem é seu genitor, sem que deseje estabelecer qualquer vinculo de filiação.

Para Olga Krell, significa dizer que não se busca o estado de filho, por intermédio de ação de investigação de paternidade, mas sim, o direito ao conhecimento de sua origem genética, entendida apenas como dados necessários para evitar ou tratar de doenças hereditárias e para se impedir os casos de incestos. 303

Inegável, portanto, que os efeitos causados pelo reconhecimento do direito à origem genética não se confundem com os próprios da relação de filiação. Por conseguinte, o filho que busca conhecer seus pais biológicos, no caso da inseminação heteróloga, não pode esperar que sejam imputadas aos mesmos às obrigações decorrentes da filiação, tais como a obrigação alimentar, os direitos sucessórios, o direito ao nome etc.

As novas perspectivas do direito de família não mais permitem confundir a verdade biológica com a filiação. A presunção de paternidade do marido ou companheiro que autorizou sua mulher a engravidar com sêmen de outro homem, em relação ao filho assim concebido demonstra que o biologismo não se sobrepõe à socioafetividade. O fato de se conhecer sua origem genética não é hábil a desconstituir um estado de filiação já existente.

Por tudo isto, devem ser diferenciados o direito à origem biológica e o direito à filiação.

302

DONIZETE, Leila. Filiação socioafetiva e direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 124.

303

CAPÍTULO 7 O DIREITO À IDENTIDADE DO FILHO GERADO POR

TÉCNICA DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA EM FACE DO

DIREITO À INTIMIDADE DO DOADOR DO MATERIAL GENÉTICO