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CAPÍTULO 6 O DIREITO À ORIGEM BIOLÓGICA COMO DIREITO DA

6.2 O POSICIONAMENTO DO DIREITO À ORIGEM GENÉTICA

TIPICIDADE ABERTA

Trava-se controvérsia doutrinária quando se discute a técnica a ser utilizada para introduzir os direitos da personalidade no ordenamento civil. Apresentam-se duas correntes teóricas. A primeira, que defende um direito geral de personalidade, conhecida por teoria monista, para a qual haveria um único direito geral de personalidade que envolvesse todos os valores essenciais da pessoa humana. E a segunda, a corrente pluralista, ou atomística, que, por sua vez, subdivide-se em duas, sendo que uma vertente teórica defende a tipificação das prerrogativas jurídicas personalíssimas e outra a existência de uma pluralidade de direitos indeterminados. 266

Estas duas sub-vertentes da teoria pluralista discutem, justamente, se haveria um número determinado de direitos de personalidade ou se tais direitos são previstos numerus apertus, sendo seu rol normativo meramente exemplificativo. Os que defendem a tipicidade dos referidos direitos afirmam que só merecem tutela aqueles expressamente previstos no texto legal, o que implica dizer que estaria desprotegido qualquer outro aspecto da pessoa humana que, injustamente sofresse violação, à míngua de existência de expressa previsão normativa. Todavia, os que defendem que se tratam de direitos atípicos argumentam que os direitos de personalidade não podem ser reduzidos apenas àquelas categorias legais, porque diversos são os interesses e bens mais elevados do ser humano e, assim, difícil haver uma previsibilidade legal satisfatória e integral.267 Desta feita, os diferentes direitos devem ser tutelados, ainda que não previstos de forma expressa.

266

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. 3 ed, rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 154.

267

BERNARDO, Wesley de Oliveira Luouza. Dano moral: critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 31.

Nas lições de Nelson Nery Junior:

[...] cláusulas gerais são formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado a agir em decorrência da formulação geral da própria cláusula geral, que natureza de diretriz. 268

No pensar de Tereza Arruda Alvim Wambier:

[...] Cláusulas gerais são normas em que vêm explicitados princípios jurídicos e que tem a função de dar ao Código Civil aptidão para acolher ( =passar a abranger) hipóteses que a experiência social ininterruptamente cria e que demandam disciplina. Assim, estas cláusulas, pode-se dizer, têm um potencial de abrangência infinitamente maior do que as regras jurídicas de estrutura tradicional, mais minuciosas e que contem em si mesmas descrita sua hipótese de sua incidência. AS clausulas gerais utilizam em sua formulação linguagem intencionalmente aberta, fluida ou vaga, e esta técnica tem diversas funções. Às vezes, a lei se serve de conceitos precisos e, por outras vezes, cada vez mais frequentemente, de conceitos que linguisticamente têm sido chamados de conceitos vagos ou indeterminados (por exemplo: união; bom pai de família, interesse público, etc). 269

Com efeito, pela consagração do princípio da dignidade humana, a pessoa humana ocupa lugar de destaque, sendo o valor máximo do ordenamento jurídico e, assim, merecedora de tutela em todas as relações jurídicas que integre. Daí afirmar-se que o ordenamento jurídico brasileiro “no tocante à tutela da personalidade humana adotou um sistema de proteção misto, pois traz um sistema geral de proteção da personalidade ao lado de direitos especiais de personalidade, especificados na Constituição”.270

Para Paulo Lobo, os direitos de personalidade não podem ficar sem tutela jurídica ao pretexto de não estarem previstos expressamente na lei, já que defende que existe uma tipicidade aberta em relação aos mesmos. E explica:

268

NERY JUNIOR, Nelson. O novo código civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 6.

269

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as clausulas gerais do código civil de 2002: a função social do contrato. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 831, p. 59-60, jan. 2005.

270

SZANIAKSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 137.

[...] A tipicidade aberta não é incompatível com uma cláusula geral de tutela, que, ao lado da tipicidade social reconhecida, estabelece os limites mais amplos da consideração dos tipos. Significa dizer que são tipos de direitos da personalidade: a) os tipos previstos na Constituição e na legislação civil; b) os tipos reconhecidos socialmente e conformes com a cláusula geral. 271

Desta feita, não se pode determinar aprioristicamente as situações jurídicas subjetivas merecedoras de tutela, tendo em vista que o objeto tutelado é o valor da pessoa humana. A tutela, portanto, deve ser integral, seja qual for a espécie de relação jurídica, seja qual for o atributo. Qualquer previsão exauriente de hipóteses a serem tuteladas excluiria novas exigências e manifestações da personalidade surgidas com o envolver da sociedade igualmente merecedoras de proteção.272

A Constituição Federal de 1988 elegeu como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e previu a não exclusão de outros direitos e garantias, mesmo não expressos, que decorram dos princípios adotados pela Constituição. (art. 5°, §2°).

Através de uma interpretação sistêmica permite-se verificar a consagração de uma cláusula geral de tutela da personalidade humana. Assim, embora nossa Constituição não contenha, em seu texto, dispositivo específico destinado a tutelar a personalidade humana, reconhece e tutela o direito geral da personalidade através do princípio da dignidade humana da pessoa, que consiste em uma cláusula geral de concreção da proteção e do desenvolvimento da personalidade do indivíduo. 273

Na realidade, tal discussão foge ao âmbito específico do presente trabalho, para o qual há de se ter em mente que na tutela dos direitos de personalidade deve predominar o princípio da ampla proteção.

271

LOBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4445>. Acesso em: 10 jan. 2008.

272

MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord). In Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 54.

273

A Constituição Federal de 1988, segundo Paulo Lobo, sem prejuízo dos direitos implícitos, prevê os seguintes direitos de personalidade: direito à vida, direito à liberdade, direito à intimidade (privacidade); direito à vida privada (privacidade), direito à honra (reputação), direito à imagem (privacidade), direito moral de autor, direito ao sigilo, direito à identificação pessoal, direito à integridade física e psíquica. 274

Por sua vez, o Código Civil de 2002 contém artigos específicos sobre o direito à vida, à integridade física e ao corpo (arts. 13 e 15), o direito ao corpo após a morte (art. 14), o direito ao nome (arts. 16 a 19), o direito à honra, o direito ao segredo, o direito à voz, o direito à imagem (art. 20) e o direito à vida privada (art. 21). 275

Sobre tais artigos, Maria Helena Diniz ressalva:

[...] Apesar da grande importância dos direitos de personalidade, o Código Civil, mesmo tendo dedicado a eles um capitulo, pouco desenvolveu sobre tão relevante temática, embora, com o objetivo primordial de preservar o respeito à pessoa e aos direitos protegidos constitucionalmente, não tenha assumido o risco de uma enumeração taxativa, prevendo em poucas normas a proteção de certos direitos inerentes ao ser humano, talvez para que haja, posteriormente, desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário e regulamentação por normas especiais. 276

Limongi França apresenta os direitos da personalidade, de acordo com a seguinte divisão:

1.1. Direito à vida: a) à concepção e à descendência (gene artificial, inseminação artificial, inseminação de proveta, etc); b) ao nascimento; c) ao leite materno; d) ao planejamento familiar (limitação de filhos, esterilização masculina e feminina, pílulas e suas conseqüências); e) à proteção do menor (pela família e pela sociedade) f) à alimentação; g) à habitação; h) à educação; i) ao trabalho; j) ao transporte adequado; l) à segurança física; m) ao aspecto físico da estética humana; n) à proteção médica e hospitalar; o) ao meio ambiente ecológico; p) ao sossego; q) ao

274

LOBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4445>. Acesso em: 10 jan. 2008.

275

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Critérios de fixação da indenização do dano moral. . In questões controvertidas no novo código civil. São Paulo: Método, 2003, p. 260.

276

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 124.

lazer; r) ao desenvolvimento vocacional profissional; s) ao desenvolvimento vocacional artístico; t) à liberdade; u) ao prolongamento artificial da vida; v) à reanimação; x) à velhice digna; z) relativos ao problema da eutanásia. 1.2. Direito ao corpo vivo: a) ao espermatozóide e ao óvulo; b) ao uso do útero para procriação alheia; c) ao exame médico; d) à transfusão de sangue; e) à alienação de sangue; f) ao transplante; g) relativos à experiência científica; h) ao transexualismo; i) relativos à mudança artificial do sexo; j) ao débito conjugal; l) à m) liberdade física; n) ao passe esportivo. 1.3. Direito ao corpo morto: a) ao sepulcro; b) à cremação; c)à utilização científica; d) relativos ao transplante; e) ao culto religioso. 2) Direito à integridade intelectual: a) à liberdade de pensamento; b)de autor; c) de inventor; d) de esportista; e) de esportista participante de espetáculo publico. 3) Direito à integridade moral: a) à liberdade civil, política e religiosa; b) à segurança moral; c) à honra; d) à honorificência; e) ao recato; f) à intimidade; g) à imagem; h) ao aspecto moral e religioso; i) ao segredo pessoal, doméstico, profissional, político e religioso; j) à identidade pessoal, familiar e social (profissional, político e religioso; j) à identidade pessoal sexual; m) ao nome; n) ao título; o) ao pseudônimo.277

De acordo com o que foi exposto, dificilmente poderíamos dizer que todos os direitos da personalidade estão ali catalogados, mas a enumeração serve para indicar as varias interfaces que eles podem apresentar.

Diante de tais considerações, não há dúvida de que o direito à origem