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A formação da consciência para o estabelecimento da habilidade

N ível estratégico orga nizacional

5 TOMADA DE DECISÃO ENQUANTO SABER PROFISSIONAL NA ATIVIDADE POLICIAL-MILITAR: perspectiva Histórico-Cultural

5.3 A formação da consciência para o estabelecimento da habilidade

A formação da consciência orienta as atividades não automatizadas, desde que outrora tenham sido assimiladas de forma dirigida, e está, intrinsecamente, relacionada ao desenvolvimento do trabalho como atividade humana, sendo estabelecida no processo de comunicação do homem com o mundo objetivo e envolve a consciência (LEONTIEV, 1978, p. 114).

A consciência, nessa perspectiva, é um atributo do cérebro humano. É a unidade dos processos psíquicos que participa, ativamente, nas relações do sujeito com o mundo exterior e com seu próprio eu e, ao mesmo tempo, é o grau superior do desenvolvimento da psique humana que surge no processo de trabalho e da comunicação (NÚÑEZ, 2009, p.67-68).

Em uma Tomada de Decisão, portanto, de ocorrências, tipicamente, policiais, seus integrantes devem dominar, integralmente, as três esferas de competência definida Perrenoud (1999), quais sejam cognitiva, procedimental e atitudinal (BRASIL, 2010) e transportá-la para os saberes policiais-militares. Nesse sentido, o desenvolvimento de uma habilidade, como é o caso da Tomada de Decisão na atividade policial, implica em sistematização de um processo de aquisição de conhecimento e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento de competências.

Como defendida pela Teoria Histórico-Cultural, as condições materiais que circundam uma categoria profissional contribuem, significativamente, para sua constituição sociocultural (ideologias, valores, normas e costumes, institucionalizados ou não), e seus integrantes são demandados e agem, profissionalmente, influenciados, socialmente, por esses aspectos.

Essas condições materiais, por seu turno, ao mesmo tempo provocaram inúmeras avanços, mas também, retrocessos, e impõem ao homem e à sociedade posturas e posicionamentos, muitas vezes, conflitantes. Nesse sentido, as desigualdades e vicissitudes que permeiam o mundo objetivo, também, estão imbricados nessa teia social.

Aliados a outros fatores geradores de desregramento e anomia social dão vazão ao surgimento de condutas que não são aceitas socialmente, podendo ser apenas conduta antissocial ou um ato criminoso (DURKHEIM, 2001). Esse é, portanto, o objeto abstrato, pelo qual ocorrerá a interação da ação/ou não ação policial com o meio em que ele está inserido.

Está ação/não ação (e, às vezes, omissão), que enseja uma Tomada de Decisão é motivada pela necessidade profissional e individual que o policial precisa atuar e, para tal, sua habilidade de decidir deve estar desenvolvida. Segundo Núñez (2009, p. 66), esse processo ocorre por meio da atividade, sendo considerada uma atividade de estudo, de caráter consciente, orientada a um objetivo definido.

De acordo com esse pressuposto, o objetivo é a finalidade pela qual se executa a atividade, devidamente, acionada por um motivo, a força motriz, que impulsiona a ação. Isto é, atua como manifestação concreta da necessidade (PETROVSKI, 1980, p.100).

Em uma sequência esquemática devem ser desenvolvidas ações que são denominadas como:

[...] proceso subordinado a la representación que se tiene del resultado que debe lograrse, es decir, al proceso subordinado a un fin concíente. Del mismo modo que el concepto de motivo se correlaciona con el concepto de actividad, el concepto de fin se correlaciona com el concepto de acción. (LEONTIEV, 1978, p.82)

De forma sistêmica, a atividade policial é composta de ações e devem se desdobrar em operações, que são os meios pelos quais essas ações são executadas (LEONTIEV, 1978, p.85).

Quando um policial está imbuído de fazer determinada atividade profissional, essa ação tem um motivo, explícito ou tácito. Explícito, pode ser entendido quando em um procedimento técnico-profissional que ele promove em uma diligência, como o de capturar alguém que praticou um crime ou está na iminência de cometê-lo.

Por outro lado, o motivo tácito seria quando nessa mesma ação, por meio de medidas preventivas, também, em uma diligência, esse mesmo profissional evita que o crime ocorra. Ou seja, para a sociedade apenas o primeiro motivo fica evidente, a decisão de capturar um infrator, pois houve a materialização por meio da ação (captura da pessoa que cometeu dado ato criminoso). Já na ação preventiva, a Tomada de Decisão, também, ocorreu, o motivo estava implícito e o crime fora evitado, muito embora essa não seja a percepção social, pois não se materializou, pelo menos, não concretamente aos olhos da sociedade.

Para analisar a consciência no caso da atividade profissional policial- militar, na perspectiva da THC, toma-se como exemplo um patrulhamento, que tem seu objetivo já determinado pela instituição policial, ou seja, a prevenção do crime.

É importante frisar que, dependendo da forma de execução de uma atividade, esta pode perder seu motivo. Isto é, quando um policial que deveria executar seu trabalho com consciência, realizando todas as partes constituintes da ação, não o faz, esse patrulhamento deixa de ser uma atividade orientada a um fim, para ser somente um ato de deslocar-se em uma viatura policial, como, o de caminhar, conduzir uma motocicleta ou guiar um veículo, entre outros.

Portanto, ao não se concretizar enquanto essência da função policial, orientada para prevenir o crime, essa atividade perdeu o sentido. Por outro lado, [...] la acción pelo contrário puede adquirir una fuerza impulsora propia y llegar a ser una actividad particular (LEONTIEV, 1978, p. 87). Isso ocorreria, quando em situação análoga, o policial que apenas guia um veículo policial, interessado em outras questões que não as de segurança pública, passa a fazê-lo no intuito de capturar um infrator, por exemplo.

É nesse contexto de ação/omissão que a Tomada de Decisão da atividade policial, operacionaliza-se. E, em sendo operacionalizado, o processo de realização consciente da atividade é que, na perspectiva da THC, desenvolve a habilidade humana, que neste caso específico é da Tomada de Decisão na Atividade policial-militar.

De acordo com Núñez (2009, p. 74), a aprendizagem deve ser considerada como uma atividade humana, consciente e orientada a um fim, ou seja, a apropriação de conhecimento. Nesse sentido, a aprendizagem como atividade é um termo equivalente ao termo ação, e assim, aos estruturarmos o sistema de ações que o estudante deve realizar para assimilar os conceitos, estar-se-ia, também, organizando as condições (operações) adequadas para formação de habilidade. Por conseguinte, as etapas que constituem uma aprendizagem de uma nova habilidade são:

[...] conocimiento preliminar de la tarea, reproducción material del objeto (con modelo de arena en crudo) raciocínio verbal cuidadoso de las particularidades de cada lugar y conclusión sobre caráter de éstos; a continuación, realización de éste mismo processo, ya no em forma verbal, sino interna y parcial, y por último, la realización mental de todas las operaciones com sola verbalización del resultado final. [...] más tarde se denomino la formación por etapas de los actos mentales [...] (GALPERIN, 1976, p,30)

De acordo com a Teoria da Formação das Ações Mentais por Etapas, organizando as operações adequadas para realização da atividade, esta alcança um grau de automatização, consciência, solidez e, consequentemente, generalização, momento em que a habilidade está formada. Ainda, conforme Núñez (2009, p. 74), quando uma pessoa assimila uma experiência das gerações anteriores, assimila não somente os objetos do mundo exterior (conceitos), como também a parte operativa que se encontra por trás desses conhecimentos e objetos.

Outro aspecto que, obrigatoriamente, deve ser observado é a classificação das habilidades. São gerais aquelas que são utilizadas em diferentes

áreas de conhecimento. Já as específicas refletem as particularidades do objeto, isto é, só podem ser aplicadas em uma determinada área de conhecimento (TALIZINA, 2001).

A habilidade de tomar decisões é uma habilidade geral, pois é utilizada em toda e qualquer área de conhecimento, pois mobilizam outros conhecimentos. Essas habilidades são conteúdos das ações que o sujeito domina, estruturados em operações e orientados a um objetivo. Possibilitam, portanto, a interação com os objetos e com outros sujeitos (NÚÑEZ, 2009, p, 84).

Ao se analisar um evento hipotético, no qual um policial precise fazer uso de sua arma fogo para evitar a morte de um refém que está sob a mira de um sequestrador, este profissional, além de dominar a habilidade específica de manusear, com extrema técnica sua arma, precisará antes disso, dominar a habilidade geral da Tomada de Decisão. Ou seja, precisará elaborar uma análise lógica situacional, em frações de segundos, ancorando-se, obrigatoriamente, em todo arcabouço, legal, técnico e ético de sua formação profissional (SILVA, 2017b).

Como dito anteriormente, todo desenvolvimento profissional pelo qual passou este policial é a marca registrada da sua personalidade como sujeito social, mas, também, particular, que em um momento de crise precisa mobilizar os conhecimentos necessários ao desempenho adequado de sua profissão. E é, consequentemente, nesse contexto de assimilação do trabalho, como práxis humana, que se forma a consciência, que é ao mesmo tempo individual e coletiva.

Nesse sentido, segundo Núñez (2012), o desenvolvimento de habilidades gerais pode ser estabelecido por meio de atividades orientadas, como, anteriormente, explicitado. Defende o autor que se deve constituir uma base orientadora que possibilite a sistematização dessas atividades, criando meios e condições de execução de ações apropriadas a esse fim. Sendo assim, enfatiza que devem ser formalizados objetivos gerais para instrumentalizar o processo de ensino/aprendizagem, pelo autor, denominado de unidade didática, definindo, assim, alguns indicadores de qualidade, conforme abaixo:

a) o grau de generalização (nível de transposição do conhecimento a outras áreas dentro do limite de abrangência desse conhecimento);

b) grau de independência (que mediaria a capacidade individual do aprendiz em realizar atividade);

c) grau de consciência (que avaliaria a capacidade do aluno refletir sobre a atividade que está sendo desenvolvida, demostrando sua capacidade meta- cognitiva); e

d) por fim, o grau de assimilação da ação (ou seja, a avaliação do nível de apropriação da própria ação).

A partir desses pressupostos, infere-se que todos esses princípios norteadores ao serem transpostos para área de atuação profissional, como a da atividade policial-militar, possibilite o desenvolvimento de habilidades gerais. Ou seja, instaurar uma unidade didática90 que possa pôr em prática a habilidade da Tomada de Decisão na atividade policial-militar que contemple o desenvolvimento da própria atividade profissional (SILVA, 2017a).

Essa formação/transformação da personalidade profissional pode estabelecer um nível de consciência necessária para o desempenho funcional, ancorados em procedimentos legais, técnicos e éticos (BRASIL, 2010; 2014).

Para tanto, tomar-se-á como referência o que é mais peculiar à atividade profissional policial-militar: o uso da força e, em casos mais extremos, o da arma de fogo, obviamente, quando devidamente amparado pela legislação, fazendo uma análise de quais competências devem estar mobilizadas durante uma ação, tipicamente, policial.

A partir do Quadro 12 – Competências policiais-militares acerca do uso da força, pode-se fazer algumas inferências, pois é por meio de instrumentos normativos, institucionalizados, que os profissionais de segurança pública devem nortear seu mister.

90 No caso da atividade profissional policial-militar esta unidade didática deve ser

denominada de Procedimento Operacional Padrão (POP), que após testado e validado, deve ser institucionalizado como parâmetro a ser adotado pelos integrantes na

corporação, como a Portaria Interministerial 4.226/2010 (BRASIL, 2010), muito embora esta última seja apenas diretrizes e não parâmetros técnicos.

Fonte: Autoria própria, sistematizado durante a produção da Tese

Referência: Matriz Curricular Nacional/MJ/SENASP (BRASIL; 2014, p. 21-9)