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2 POLÍCIA: INSTITUCIONALIZAÇÃO E ESTUDOS ANTECEDENTES

2.3 Estudos antecedentes

Monjardet (2003) enfatiza que estudos aprofundados sobre a polícia e, por conseguinte, suas ações, nunca foram alvo dos acadêmicos. Segundo o pesquisador, somente a partir dos anos 1960 é que isso ocorre, quando se nota um aumento, significativo, nos índices de violência e criminalidade.

De acordo com Tonry e Morris (2003, p. 467-8), os escritos produzidos sobre a polícia britânica eram de cunho amador e, especialmente, produzidos por historiadores, sociólogos, jornalistas e, ainda, memórias de policiais. Nos Estados Unidos essa literatura também dava seus primeiros passos, a qual foi, fortemente, influenciada pelos conflitos sociais da época, nos quais a polícia atuou repressivamente.

Destacam os autores que um dos trabalhos pioneiros, de cunho sociológico foi o de Banton, na década de 60, do século XX, que buscou demonstrar as tarefas não-policiais39 que a polícia americana e britânica desenvolviam em prol

da manutenção da paz, que teve repercussão na Europa e em outros continentes (TONRY; MORRIS, 2003, p. 468-9).

Nessas pesquisas a técnica mais utilizada foi a observação participante, que buscava, principalmente, pormenorizar a cultura policial no seu trabalho de policiamento, especialmente, o patrulhamento. A partir dessas pesquisas foi possível desvelar os primeiros constructos teóricos acerca de como era a atividade policial e que parâmetros subsidiavam suas ações em serviço, tomando como referência a polícia americana, conforme citação abaixo:

[...] os bastidores da vida policial que, aparentemente, são o ápice de uma organização burocrática, presa a regras, era um mundo mutável que incorporava infrações às regras, muita espontaneidade e uma série complexa de significados e entendimentos informais. Desse modo um aspecto fascinante de vários estudos foi a documentação de maneiras de “aliviar comportamentos” ilícitos, interpretações

39 Apesar destes autores não detalharem quais seriam essas formas de atuação a partir de tarefas não-policiais para controle da criminalidade, eles citam as pesquisas

desenvolvidas por Bayley e Skolnick (2002), entre outros, que investigaram a performance que alcançou a filosofia de policiamento comunitário, em contraposição ao policiamento reativo. O princípio basilar dessa atuação policial seria a interatividade com a

comunidade, que lhe proporcionaria mais confiança por parte de vários seguimentos sociais e o trabalho voltado para a resolução de problemas, especialmente, aqueles de ordem social, que contribuem para aumento da criminalidade.

engenhosas e variadas dos “modos e tipos de ação” que envolviam várias formas de distinguir a “lei em ação” da “lei dos livros” (TONRY; MORRIS, 2003, p. 470).

Outro estudo que demonstra a mesma perspectiva de informalidade, espontaneidade e ausência de cumprimento de protocolos na atuação policial foi realizado na polícia britânica.

A partir desses registros é possível inferir que as pesquisas acadêmicas eram produto de pesquisadores individuais interessados na cultura organizacional e ocupacional da polícia, e que isso ocorrera quase que, concomitantemente, na Europa, especialmente, no Reino Unido e nos Estados Unidos, pelos idos de 1970. Posteriormente, esses precursores estabelecem-se em centros e institutos de pesquisas e, doravante, passam a coordenar esses órgãos chefiando equipes e/ou departamentos e coordenando grupos de pesquisadores.

Essa constatação vai ao encontro de outros tantos estudos e pesquisas, que no Brasil ocorreram, principalmente, após a CF/1988, pois anteriormente a esse período o acesso aos arquivos e a pesquisas empíricas nas forças policiais eram praticamente inimagináveis, em face do regime militar e seus “atos Institucionais” que tolheram a produção acadêmica daquela época, que tivesse o mínimo de contestação ao poder estabelecido.

Após esse período e, especialmente, a partir dos anos 1980 e, principalmente, nos anos 2000 há uma adesão considerável com relação a pesquisas nas área, do que acredita-se, como ocorrido nos EUA e Europa, aqui não teria sido diferente, pois houve um aumento desenfreado dos índices de violência e criminalidade (Mapa da violência, 2015)40.

Para a pesquisa da revisão bibliográfica, dois órgãos foram considerados fundamentais para catalogação dessas produções: o Instituto Brasileiro de

40 Disponível em:<

http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf.>.Acesso em: 25 jun 2016.

Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)41, mantido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, onde está disponibilizada a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Na BDTD, criada em 2002, estão disponibilizadas 1.325 (mil trezentos e vinte e cinco) produções, sendo 1.057 (mil e cinquenta e sete) dissertações e 268 (duzentos e sessenta e oito) teses publicadas no país, de 29 universidades, que aderiram à plataforma, que foi utilizada nesta pesquisa, a partir da qual foi confeccionado o Quadro 5, disposto a seguir:

Quadro 5 - Teses sobre polícia disponibilizadas na BDTD (1989-2017)

Ord Quantidade de Teses Palavra-chave IES Ano de publicação

1. 50 Polícia USP 2003-2016 2. 28 PUC-SP 2003-2016 3. 19 UNB 2009-2017 4. 19 UNICAMP 1991-2015 5. 18 UFRGS 2004-2016 6. 15 UFPE 2003-2016 7. 15 UFSC 1989-2015 8. 14 UNESP 1998-2016 9. 13 UFMG 2005-2015 10. 11 PUC-RS 2007-2016 11. 06 FIOCRUZ 2006-2013 12. 06 UERJ 2009-2013 13. 05 PUC-RIO 2003-2015 14. 05 UFBA 2011-2014 15. 05 UFRN 2007-2016 16. 04 FGV 2010-2015 17. 04 UFPR 2011-2014 18. 04 UFSCAR 2007-2014 19. 03 UFES 2013-2015 20. 03 UFPB 2013-2015 21. 03 UFU 2012-2016 22. 03 UNIFESP 1997-2014 23. 02 UFG 2009-2014 24. 02 UFS 2014-2015 25. 02 UNISINOS 2012-2013 26. 01 METODISTA 2016 27. 01 MACKENZIE 2016 28. 01 PUC-GOIAS 2015 29. 01 PUC-PR 2012 30. 01 UFC 2008 Total 268

Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Disponível em:

http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=pol%C3%ADcia&type=AllFields&filter%5B%5D=format%3 A%22doctoralThesis%22. Acesso: mar/2014 a fev/2017.

41 Disponível: http://bdtd.ibict.br/vufind/. Acesso: 23 mar 2014 a fev 2017. Em que pese muitas universidades manterem seus próprios bancos de dados digitais de suas

produções, muitas não disponibilizam o texto completo em PDF, apenas o título, resumo e palavras-chave.

Foi dado destaque no Quadro 5 para a quantidade de teses defendidas na USP, as primeiras que foram defendidas na UFSC, UNESP e UNIFESP, as quais foram produzidas, ainda, nos anos 1990.

Muito embora todas tenham sido analisadas, fez-se uma pequena síntese das mais relevantes e que, efetivamente, pesquisaram e discutiram os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais (BRASIL, 2014) dos conhecimentos, saberes, identidade e cultura da atividade policial como categorias centrais na profissionalização da atividade policial-militar, considerados aspectos centrais para a Tese.

No portal do Banco de Teses e Dissertação da CAPES42, ao se utilizar o termo polícia para busca de teses, o sistema registrou a existência de 2.938, das quais, apenas, 25 estavam com seus respectivos textos disponíveis para pesquisa.

Direcionando a pesquisa para artigos científicos, priorizando o mesmo termo, foram encontrados 11.906 periódicos, on line. A partir dessa magnitude de trabalhos, optou-se por restringir a busca, especificando o termo com a adjetivação de militar.

Nesse sentido o sistema da CAPES apresentou 2.627 (dois mil seiscentos e vinte e sete) produções, das quais após leitura detalhada dos respectivos resumos chegou-se aos artigos científicos que, efetivamente, haviam sido produzidos até os dias atuais sobre a profissionalização, identidade e cultura policial-militar, conhecimentos e saberes policiais, práticas, cotidiano e trabalho policial, que juntamente com as teses citadas subsidiaram este trabalho.

Outra fonte de pesquisa foi o banco de dados de Revista Brasileira de Segurança Pública, no qua foi possível encontrar diversos trabalhos, muitos não disponibilizados no banco de dados da CAPES, tendo sido selecionado apenas os que estavam, diretamente, relacionados com as temáticas centrais desta Tese e estão referenciados ao longo e ao final do texto.

É imperativo consignar que muitas pesquisas no campo de estudo da segurança púbica passaram a ser produzidos, por meio de artigos científicos43 elaborados em Universidades Brasil afora, os quais são tratados, por diversos pesquisadores e, também, por profissionais de segurança, interessados em descortinar o conhecimento, saberes e práticas policiais, pois como defendido por muitos autores presentes nesta Tese, os acadêmicos só começam a dar a devida atenção à problemática da segurança pública, nos EUA e na Europa, a partir de 1960 e no Brasil, no final dos anos 80, do século passado. No caso brasileiro, o aumento epidêmico dos índices de violência contribuíram, decisivamente, para tais pesquisas (IPEA; FBSP, 2016).

Doravante, sistematizar-se-á, de forma esquemática, as principais teses que contribuíram com a teorização e problematização de muitos dos posicionamentos defendidos e/ou refutados nesta pesquisa, no Quadro 6 – Teses Sobre a polícia brasileira (1989-2013).

Quadro 6 - Teses sobre a polícia brasileira (1989-2013)

Ord Autor/a Título Palavras-chave IES Ano

1. Nilson Borges Filho Estado e militarização: as Policias Militares como aparelhos repressivos de Estado

Polícia Militar. Aparelho repressor e ideológico de

Estado. Santa Catarina UFSC 1989 2.

Elizabeth Cancelli

O mundo da violência: repressão e Estado policial na era Vargas

(1930-1945)

Violência policial. Ditadura Vargas. Aparelho ideológico

e repressor de Estado UNICAMP 1991

3. Eda Góes Relações entre cidadania e violência caraterizada – representações da polícia paulista (jan/mar

1983)

Cidadania. Repressão policial. Polícia Militar. São

Paulo UNESP 1998 4. Jacqueline de Oliveira Muniz

Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser: cultura e cotidiano da Polícia Militar do Estado

do Rio de Janeiro

Identidade policial. Cultura institucional. Paradigmas

profissionais. PMERJ IUPERJ 1999

5. Paula Poncioni Tornar-se policial: a construção da identidade profissional do policial no RJ Formação policial. Profissionalização da Polícia.

Modelo profissional policial. Academias das polícias do

Rio de Janeiro

USP 2004

43 Muitos desses artigos podem ser acessados por meio da Revista Brasileira de Segurança Pública, disponível desde 2007, pelo link:

Ord Autor/a Título Palavras-chave IES Ano 6. Renato Sérgio de Lima Contanto crimes e criminosos em São Paulo: uma sociologia

das estatística entre 1871-2000

Estatísticas criminais. Segredo. Transparências,

Controle poder público. Coordenação USP 2005 7. Bruno Konder Comparato As ouvidorias de polícia no Brasil: controle e participação

Ouvidoria. Polícia. Controle externo. Participação. Direitos Humanos USP 2005 8. Mônica Carvalho Alves de Cappelle O trabalho feminino no policiamento operacional: subjetividade, relações de poder e gênero na oitava região da PMMG

Representação social. Polícia Militar. Serviço policial.

Relações de gênero e poder UFMG 2006

9. Sairo Rogério da Rocha e Silva Os saberes em potencial da atividade policial ostensiva: sistematizando modelos a partir da experiência potiguar Saberes/conhecimento. Profissionalização policial.

Polícia ostensiva. Casos

críticos Ação da polícia militar UFRN 2007

10.

Ronilson de

Souza Luiz Ensino policial militar

Polícia militar. Educação policial. Capacitação profissional de policiais militares. Matriz Curricular

Nacional PUC-SP 2008 11. Antônio dos Santos Pinheiro Polícia Comunitária e cidadã: entre velhas e novas práticas policiais

Polícia Militar. Policiamento comunitário. Conselhos comunitários. Corregedoria UFC 2008 12. Windson Jeferson Mendes de Oliveira A policialização da violência no meio escolar

Escola. Polícia Militar de Minas Gerais. Violência

escolar UFMG 2008 13. Emmanuel Nunes de Oliveira Júnior Letalidade da ação policial e teoria interacional: análise integrada do sistema paulista de segurança

Polícia. Letalidade. Crime. Teoria interacional. Políticas

públicas USP 2008 14. Cristiane do Socorro Lourenço Lima Direitos Humanos e o dilema da democracia no Brasil: um estudo sociológico do trabalho policial 1985-2009 Cidadania. Democracia. Direitos Humanos. Polícia.

Segurança Pública UFRN 2009 15. Juniele Rabêlo de Almeida Tropas em protesto: o ciclo dos movimentos reivindicatórios da PMs

no ano de 1997

Polícia Militar. Ciclo de protestos. Repertório da ação

coletiva. História oral de vida USP 2010

16.

Romeu Machado Karnikowski

Do exército estadual à PM: o papel dos oficiais na policialização da BM

1892 – 1988

Brigada Militar. Polícia Militar. Exército Estadual. Oficiais,

profissionalismo e especialização militar. Elite

militar. Cultura militar. Policialização. Polícia ostensiva. Destacamento de

polícia. Profissionalismo Especialização e policial

Ord Autor/a Título Palavras-chave IES Ano 17. Márcia Esteves Calazans Policiais migrantes: identidades profissionais em movimento Identidade profissional. Migrações. Policial militar

Policiamento. Relações sociais. Sociologia das profissões. Sociologia do trabalho. Trajetórias de vida

UFRGS 2010

18. Tânia Maria Pinc

Treinamento policial: um meio de difusão de políticas

públicas que incidem na conduta individual do

policial de rua

Abordagem policial. Polícia Militar. Procedimento operacional padrão. Reforma

da polícia. Treinamento policial

USP 2011

19. Antônio Alberto

Brunetta Reforma intelectual na Polícia Militar

Polícia Militar. Reforma Intelectual. Formação Policial. Escolas de Polícia. Reforma do Ensino Policial

UNESP 2012 20. Vera Lúcia Bezerra dos Santos Formação de oficiais da PMMA: uma visão paraláctica acerca da

segurança pública

Polícia. Segurança pública. Cidadania. Direitos humanos.

Curso de Formação de Oficiais. Universidade FGV 2012 21. Wilquerson Felizardo Sandes Dimensões da ação policial em uma troca de

tiros: um estudo psicossociológico da decisão pelo uso da

força letal

Ação policial. Decisão pelo uso da força letal. Confronto

armado UNICAMP 2013 22. Letícia Freire da Rocha Transtorno no estresse pós-traumático nos policiais militares do Rio

de Janeiro

Polícia Militar do RJ. Policiais Militares. Adoecimento metal. Transtorno do estresse pós-

traumático

UERJ 2013

Fonte: http://bdtd.ibict.br e http://bancodeteses.capes.gov.br

A partir do Quadro 06, destaca-se que Borges Filho (1989), logo após a promulgação da atual Constituição Federal, defendeu a tese “Estado e militarização: as policias militares como aparelhos repressivos de Estado”, na UFSC. O trabalho dessa pesquisa se deteve a investigar a Polícia Militar como aparelho repressor e ideológico de Estado no país, desde o seu surgimento até aquela época.

Considerada como uma tese clássica que subsidiou tantas outras, o autor faz uma vasta pesquisa bibliográfica e documental que lhe deu fundamentação teórica para defender que a doutrina militar adotada pelas polícias militares brasileiras se embasou na premissa de que o poder local se utilizou das PMs, que ele denomina de “exército urbano” para manutenção e naturalização da hegemonia política e econômica das classes dominantes.

Esse trabalho buscou avaliar o grau de militarização das polícias e que desdobramentos esse modelo alcançou, considerando, nesse contexto, os aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos do país.

A tese de Borges Filho defende que esse modelo de polícia militarizada e atrelada às Forças Armas teve seu ápice por ocasião do governo militar no período de 1964-1985, quando o aparelho repressor e ideológico de polícia foi mais incisivo na busca da manutenção do poder instituído, afastando-se dos preceitos democráticos da segurança pública, em prol de uma cultura de segurança nacional.

Por ocasião da defesa de sua Tese, que pesquisou a identidade policial, a cultura institucional e os paradigmas profissionais na Polícia Militar do Rio de Janeiro, Muniz (1999) apontou sua preocupação acerca da pouca atenção dispensada pelos acadêmicos sobre a forma de pensar e, principalmente, o exercício da prática dos trabalhadores da segurança pública.

Muniz (Idem), em seu doutoramento, defendido no IUPERJ, destaca que a invisibilidade das ações cotidianas da polícia brasileira, em especial, da PM do Rio de Janeiro, tem custado caro à democracia no país.

Por meio do recurso etnográfico utilizado para o contexto empírico, Muniz defende que as práticas da polícia ostensiva nas ruas, sobressai-se às ações formativas, extremamente, precárias e, fortemente, marcada por um paradigma militarista (BORGES FILHO, 1989), dando concreção a ações discricionárias, na maioria das vezes, de violação de direitos, em detrimento à legislação existente, ainda que deficitária. Segundo a autora, mesmo não institucionalizadas, as práticas do cotidiano policial-militar são tacitamente aceitas, tornando paradoxal o trabalho policial, em pleno Estado democrático.

A inexistência de instrumentos eficazes de controle e avaliação do complexo trabalho policial (MUNIZ, 1999) causa um misto de sensação de invisibilidade do trabalho preventivo prestado cotidianamente, desmotivando e desvalorizando o profissional de segurança pública e, por outro lado, a sensação de descontrole e impunidade, apesar dos inúmeros casos de violência policial muitas

vezes divulgados banalmente pela mídia contribui para a reverberação desses fatos nas demais corporações policiais país afora.

Destarte, a autora considera que pelo contexto formacional, extremamente marcado por valores militares do culto ao combate do inimigo (neste caso o infrator), aliado a esse misto de ambiguidades da atuação policial, o uso desmedido da força passa a ser o aspecto central da ação policial, o que contribui para banalização da violência praticada por integrantes das forças policiais, inclusive, daquelas corporações que não são alvo de denúncias de práticas violentas, mas que acabam por ser inclusas nessa mesma perspectiva, tendo em vista o alto poder de alcance da mídia, que contribui para reforçar/criar o mito desse modelo de aparelho policial, como o único capaz de “salvar a sociedade do mal da criminalidade”.

Poncioni, em sua Dissertação (1995), na UFRJ e, também, no seu Doutorado (2004), na USP, pesquisou as representações sociais e a identidade, o que redundou em artigos de sua autoria ou em parceria que retratam o “modelo policial profissional” na polícia brasileira. Segundo essa autora apesar de alguns esforços institucionais, por parte do governo federal, levados a cabo, especialmente, a partir dos anos 1990, com a criação da SENASP, para atuar como fomentadora de uma política de formação profissional junto aos Estados. Na prática, muito do que fora implementado nos currículos dos operadores de segurança pública do país, pouco se efetivou no desempenho da atuação policial ajustado com o Estado democrático, seja em capacidade para reduzir os índices criminais, seja para o respeito aos direitos constituídos. Assim, sendo,

[...] os programas de ensino e treinamento profissional dos policiais nas academias de polícia exemplificam uma das estratégias fundamentais de transmissão de idéias, conhecimentos e práticas de uma dada visão do papel, da missão, do mandato e da ação deste campo profissional, que necessariamente envolve a transmissão de valores, crenças e pressupostos sobre este campo específico e que é revelada, particularmente, nas diretrizes teóricas e metodológicas dos currículos dos cursos oferecidos para a socialização do novo membro, em um contexto sócio-histórico determinado (PONCIONI, 2005, p.590).

Pesquisando, especialmente, as Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, a autora defende que, resguardando, as devidas especificidades a polícia brasileira guarda semelhanças consideráveis na sua forma de atuar nos demais Estados do país. Com uma formação profissional orientada para o controle do crime, o que em grande parte, inclina-se para o combate, o policial brasileiro é levado a crer que ele não é um trabalhador da segurança, mas um guerreiro que tem uma missão a cumprir: livrar a sociedade da criminalidade.

Esse fazer policial está, fortemente, marcado pelos valores militares e, até mesmo, na Polícia Civil, quando os agentes assumem posturas de grupos operacionais especializados para o combate ao crime. Ou seja, a formação profissional das polícias brasileiras, ainda, carece de um debate sistemático, na perspectiva de ampliar a concepção desses trabalhadores (gestores e executores) enquanto membros de um seguimento social, extremamente, complexo e, por essas especificidades devem ser selecionados, formados e, constantemente, recapacitados para a formação/desenvolvimento de competências e habilidades enquanto profissional de segurança pública em uma ótica democrática (PONCIONI, 2005, p. 599-600).

Silva (2007) foi o precursor, no RN, a teorizar, em nível de doutoramento, acerca dos saberes e conhecimentos policiais-militares, sob a perspectiva de investigar como tais categorias se operacionalizavam a partir da representação social que um grupo de capitães em, formação continuada, no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, realizado em 2006 na Polícia Militar do RN.

Apoiando-se nos documentos oficiais que regiam a atividade de polícia ostensiva naquele período, quais sejam, Plano Nacional de Segurança Pública (BRASIL, 2000) e a Classificação Brasileira de Ocupações (BRASIL, 2002), o autor defende a tese que os saberes policiais-militares se relacionam com as variáveis do policiamento ostensivo, devidamente orientados por eixos centrais. Nesse sentido, por meio da aplicação de questionários buscou verificar como esse oficiais sistematizavam seus saberes e conhecimentos profissionais para resolução de casos críticos, organizando seis saberes que eram utilizados em três áreas de atividades atendidas pela Polícia Militar: a ação reativa ou repressiva, a ação preventiva, e terceira (assistência ao público), que em sua interpretação destoava da

competência policial, enquadrando-se na mesma perspectiva da tarefas não- policiais, defendida por Tonry e Morrys (2003).

Luiz (2008) em sua tese de doutoramento na PUC-SP buscou analisar o processo formacional do “Ensino policial militar” no Estado de São Paulo, sob a perspectiva de identificar qual paradigma era utilizado para a capacitação profissional naquela corporação, especialmente, para os cargos de soldados, após a Constituição Federal de 1988.

Nessa incursão investigativa tomou como parâmetro teórico a abordagem freireana da educação humanizadora, não bancária, e como referencial técnico- normativo fundamentou-se na Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2003). Como