• Nenhum resultado encontrado

2 POLÍCIA: INSTITUCIONALIZAÇÃO E ESTUDOS ANTECEDENTES

2.1 A polícia brasileira: resgate histórico

No Brasil, a Polícia Militar é responsável, constitucionalmente, pela segurança ostensiva, que é caracterizada por meio de fardamentos, viaturas, armamentos e equipamentos (BRASIL, 1988), institucionalizando-se enquanto força pública nas últimas décadas do século XVIII.

De acordo com Mendes (2007), o Regimento de Cavalaria, das Capitanias de Minas Gerais, criado em 09 de junho 1775, da qual fez parte o Alferes, Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, teria originado a polícia brasileira.

Conforme Borges Filho (1989, p. 33) essa origem teria sido a partir de 1796, quando o Vice-Rei, o Marquês Lavradio, criou no Rio de Janeiro a Cavalaria, a qual deveria realizar patrulhamento na cidade, regulamentando, também, a polícia municipal e regimento de milícias, o que se infere seja semelhante aos quadrilheiros oriundos de Portugal.

A origem, portanto, da função militar da polícia teria sido originada por meio do “[...]Alvará de 13 de maio de 1809, que surge a "função militar" do serviço de polícia com a criação da Divisão Militar da Guarda Real da República, que veio a ser a atual PM do Rio de Janeiro” (BORGES FILHO, 1989, p. 34).

A Constituição do Império de 1824 é muito tímida em discorrer acerca de uma força policial e/ou segurança pública. Textualmente, não são claras as competências do órgão que atuava nessa área, pois a segurança da qual trata essa Carta Magna é muito mais voltada para a segurança do Império do que a do cidadão, conceito a ser institucionalizado no país, tardiamente. Na Constituição do Império, em seus artigos 145 e 146, respectivamente, retratam-se o seguinte:

Todos os Brasileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a independência e integralidade do Império, defendendo-lo de seus inimigos e externos e internos. Enquanto a Assembléia Geral não designara Força Militar Permanente de mar e terra, substituirá, a que houver então, até que pela mesma Assembléia, seja alterada para mais, ou para menos (sic.) (BRASIL, 1824).

É notório que o Império estava acima dos direitos e das prioridades civis. Tais pressupostos são ratificados no artigo 148, quando o legislador é taxativo, explicitando que o Poder Executivo pode empregar a Força Militar, em terra ou água, “[...] como bem lhe convier à segurança, e defesa do Império” (BRASIL, 1848).

Não obstante a mudança política no regime de governo, o novo texto constitucional não se altera muito, deixando, ainda, muito vago, com relação à segurança pública, no tocante a quais órgãos seriam responsáveis e suas respectivas competências.

“[...] a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e a propriedade [...]” (BRASIL, 1891) estão estabelecidos no artigo 72 da Constituição da República de 1891 e que logo a seguir no parágrafo 8º, deste mesmo artigo, assegura que a polícia não pode intervir contra aqueles que se associarem ou se reunirem, pois a estes era lícito tal ato. Contudo, em nenhum momento estabelece, claramente, qual a polícia ou o corpo policial que teria competência para fazer ou deixar de fazer essas ações.

Em São Paulo, a corporação foi criada em 1891 e como em outras Províncias, a polícia fora denominada, de Força Pública, que devido aos movimentos políticos no Estado, em 1926, passa a ser denominada de Guarda Civil. Em 1949, essa instituição é separada em duas forças policiais, uma civil e outra militar. Em 1970 é unificada dando origem à Polícia Militar (LUIZ, 2008).

A primeira Carta Magna a tratar, efetivamente, das competências da Polícia Militar foi a de 1934, que em seu artigo 167, assegurava que “as Polícias Militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União” (BRASIL, 1934). O que foi mantido pela Constituição de 1946, porém é citada apenas “Forças Policiais”.

Nesse interim, entretanto, a norma específica que regulava as ações policiais era a Lei Federal Nº 192, de 17 de janeiro de 1936, que vigorou até o final da década de 60 do século passado. Além de descrever como deveria ser a atuação das PMs, ela estabelecia, também, que a corporação policial deveria ser criada ou reorganizada nos moldes da Infantaria e Cavalaria do Exército, conforme citação abaixo:

a) Exercer as funções de vigilancia e garantia da ordem: publica, de acordo com as leis vigentes; b) Garantir o cumprimento da lei, a

segurança das instituições e o exercício dos poderes constituídos; c) attender à convocação do Governo Federal em casos de guerra externa ou grave comoção intestina segundo a lei de mobilização. Art. 3º As Policias Militares, formadas por alistamento voluntario de brasileiros natos, serão constituidas de Serviços e Corpos, das armas de infantaria e cavallaria, semelhantes aos do Exercito, e em Unidades especiaes com organização, equipamento e armamento proprios ao desempenho de funcções policiaes. (sic.) (BRASIL, 1936). (Grifei)

Com a redemocratização, a Constituição Federal de 1946 descreve quais eram as competências da Polícia Militar, no artigo 183: “As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército”, sempre mantendo o atrelamento a essa Força Armada.

No período do governo militar foi editada a CF/1967, que sofre uma reformulação logo em 1969, sendo mantido o texto constitucional, relativo à Segurança Pública. Paradoxalmente, é a primeira a citar a essência da atividade policial, no § 4º, do artigo 13: “as Polícias Militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito”, contudo, sem pormenorizar a atividade policial, o que fora normalizado pela criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM)32 e pelo Decreto-Lei Federal das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares (R-200)33.

Com uma estrutura quase bicentenária e de caráter administrativo e operacional, intrinsecamente, relacionada às Forças Armadas, particularmente, ao Exército Brasileiro (EB), as Polícias Militares do país são sedimentadas em legislação própria34, que ao longo de sua história vem se adequando às demandas sociais, muito embora, como defendem alguns especialistas, tal adequação possa parecer dissonante ou aquém em determinadas circunstâncias da realidade brasileira (BALESTRERI, 2002).Conforme estudiosos da corrente civilista (BORGES

32 Criada por meio do Decreto-Lei Nº 317 de 13 de março de 1969, sendo, posteriormente, revogado pelo Decreto-Lei Nº 667, de 02 de julho de 1969, reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares.

33 Decreto-Lei Nº 88.777, de 07 de setembro de 1983, que regulamentou as PM e os CBM, especificando suas respectivas áreas de atuação, forma seleção, inclusão, formação e aquisição de armamentos e equipamentos.

FILHO, 1989); (MUNIZ, 1999, 2001); (ZAVERUCHA, 2005), as corporações policiais militares, em virtude do seu modelo militarista, sua forma de organização e acolhimento da doutrina de segurança interna, em detrimento da segurança pública, foram utilizadas em larga escala como aparelho repressor de Estado (ARE) para manutenção do sistema vigente (ALTHUSSER, 1974).

No caso brasileiro, em particular, o regime militar de 1964/85 deixou algumas sequelas no sistema de segurança pública, notadamente, no que concerne às Polícias Militares, visto que com o advento da IGPM, período mais contundente do regime militar brasileiro, as instituições militares estaduais ficaram bem mais explicita, sob a tutela do Exército, o que teria contribuído de forma prática, mas também, ideologicamente, para a construção da cultura do combate ao crime, em detrimento de ações de cunho preventivo (MUNIZ, 2001).

As Polícias Militares permaneceram, doravante, sob a fiscalização direta da IGPM, no tocante à aquisição de materiais e equipamentos, armamentos, efetivos, bem como a formação dos profissionais de segurança pública35 (SILVA,

2009). Destaca-se, nesse ínterim, que a maioria das PMs foram comandadas por oficiais do Exército Brasileiro, o que, em certa medida, pode ter contribuído para apropriação da cultura daquela corporação, em detrimento das questões relativas à segurança pública.

Na atual Constituição, o artigo 144, descreve quais são as instituições policiais que devem atuar na prevenção, controle e repressão da criminalidade. No entanto, ao contrário do que ocorre com outros direitos fundamentais, como educação e saúde, para os quais a União define percentuais financeiros constitucionais específicos, para a segurança pública não há essa previsão legal, apenas um compartilhamento de responsabilidades, quando a CF/1988 define que:

35 Algumas nomenclaturas da segurança pública foram se adequando à nova conjuntura do país. Isso se torna mais evidente com o processo de redemocratização, que se inicia já em 1985, culminando com a promulgação da Constituição de 1988.

[...] a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos”, I – Polícia Federal; II – Polícia Rodoviária Federal; III – Polícia Ferroviária Federal; IV – Polícias Civis; V – Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (BRASIL, 1988).

Na medida em que não se estabeleceu, constitucionalmente, percentuais financeiros semelhantes aos das outras instituições públicas, acima referenciadas, cabendo às Unidades Federativas criar e manter as Polícias Civil e Militar, restou apenas aos Estados arcar com toda a responsabilidade de prover segurança pública ao cidadão.

O Estado brasileiro divide a responsabilidade da segurança pública na CF/1988, inclusive, com a sociedade, contudo, não prevê por meio de leis os recursos para Estados e Municípios acerca de quais seriam suas cotas constitucionais, disponíveis para serem aplicadas nessa área. Essa responsabilização constitucional gerou grande expectativa social da operacionalização desses serviços, a qual, na maioria das Unidades Federativas, é frustrada, especialmente, porque os recursos são parcos, ficando os executivos estaduais a mercê de acordos políticos para se estabelecer se haverá algum percentual que a União vai repassar para investimento no setor.

Pós-ditadura, conforme Caldeira (2002), a sociedade brasileira clamava por um aparelho policial rígido, capaz de combater a criminalidade. Outrora, a violência policial foi desejada e/ou pelo menos tolerada, tacitamente, pela população em uma lógica perversa de dominação, a qual foi submetida ao longo de sua história. Nessa perspectiva, segundo Souza Filho (2003), essa legitimação de autoritarismo na formação sociocultural brasileira internalizou no ideário social mecanismos de inferioridade e autopenalização, inculcados no imaginário brasileiro, produzindo uma pseudoideia de lei e de direitos, especialmente, para as classes mais populares, principais vítimas da falta de profissionalismo de alguns operadores da segurança pública (SILVA, 2017).

Conforme Jorge da Silva (1990, p. 1983-86), por terem suas competências constitucionais definidas como de segurança interna, é somente com alteração do Decreto-Lei 667/69 pelo 1.072/69, dando exclusividade do policiamento ostensivo às Polícias Militares, que essas, efetiva e, gradativamente, vão deixando os quartéis, como lhes era peculiar, pois seguiam as rotinas, tanto práticas, como administrativas do Exército.

Antes dessa modificação outras instituições tais como Polícias Civis, Guardas Civis, Guardas de Vigilância e Polícia de Trânsito realizavam as funções de polícias nas ruas, enquanto as PMs se mantinham a maior parte do tempo, aquarteladas.

Assim, defende o autor que, atualmente, é constante uma crise de identidade que sofrem as Polícias Militares, pois não se parecem com a força de primeira linha (o Exército) que, por força de lei foram obrigadas a seguir, tampouco com a função policial de segurança pública, a qual lhe é tanto cobrada pela sociedade, em face dos altos índices de criminalidade que assolam o país.