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N ível estratégico orga nizacional

5 TOMADA DE DECISÃO ENQUANTO SABER PROFISSIONAL NA ATIVIDADE POLICIAL-MILITAR: perspectiva Histórico-Cultural

5.2 Habilidade e hábito na atividade profissional

A formação de uma habilidade, na THC, necessariamente, é estabelecida por meio de uma atividade, materialmente, surgida em um processo de aprendizagem, que por seu turno é de caráter cognitivo e pode ocorrer por dois meios ou grupos: gerais e específicos.

O primeiro pode ser utilizado em vários contextos, inclusive o de planejamento da própria atividade, forma de execução e seu controle. Ou seja, utilizam-se dos aspectos cognitivos e lógicos, relacionando-se com a “comparação, conceito, dedução, consequência, demonstração, classificação, entre outros (TALIZINA, 2000, p. 67).

Concebe-se, então, que tal processo de aprendizagem mobiliza uma habilidade que desenvolve a metacognição, processo inteligível em que o agente da ação tem consciência de todos os passos da atividade e ações que a compõem.

O segundo grupo, o das habilidades específicas, tem uma área de abrangência limitada, pois tal aprendizagem é executada por meio de uma atividade que desenvolve habilidades restritas a uma determinada área disciplinar. Nesse contexto, esclarece a autora que os hábitos não conferem a mesma possibilidade de aprendizagem como as habilidades (TALIZINA, 2001; p.87-8).

Há, portanto, dois modos de atividade que possibilitam a assimilação dos conceitos e que esse processo é possível por duas vias: a espontânea e a dirigida. No primeiro caso, por meio da assimilação espontânea, os hábitos não proporcionam a construção de um pensamento lógico, pois não são, suficientemente, conscientes, capazes de uma sistematização da apropriação do conhecimento. Portanto, o conhecimento não é retido, tampouco poderá ser utilizado em outra situação, pois se deu de forma inconsciente, não se generalizando a outros contextos.

Na segunda possibilidade, a assimilação por meio de uma atividade orientada, que possibilita a ativação de habilidades do pensamento lógico, vai guiar a atividade de uma forma tal que será possível reduzir o tempo dessa assimilação, proporcionando mais qualidade e possibilidades de generalização a outros contextos. Assim sendo, “[...] la formación exitosa de las acciones se determina por la calidad de su base orientadora”(TALIZINA, 2001, p.88).

Por outro lado, as atividades que, posteriormente, desmembram-se em ações possibilitam a formação de habilidades, pois nessa perspectiva teórica, apenas a realização de uma atividade possibilita deduzir que tal pessoa tem conhecimento do processo e não apenas o executa de forma mecânica. Veja-se quando ela explica sobre o desenvolvimento de habilidades em alunos:

Podemos hablar sobre los conocimientos de los alunos em la medida em que sean capaces de realizar determinadas acciones con estos conocimiento. Esto es correcto, ya que los conocimiento siempre existen unidos estrechamente a unas u otras acciones (habilidades) Los mismos conocimientos pueden funcionar en gran cantidad de acciones diversas (TALIZINA, 1987, p.14).

Hábitos e habilidades jamais podem ser entendidos como sinônimos, pois os primeiros são ações realizadas de forma inconsciente e espontânea. Por outro

lado, as habilidades são desenvolvidas por meio de uma atividade orientada, tributando, assim, para a aprendizagem e desenvolvimento, tanto do homem como do meio no qual este está inserido. Essa teoria foi criada e desenvolvida por P. Ya Galperin (1976) e nominada Teoria da Assimilação dos Conceitos e das Ações Mentais por Etapas, a partir das formulações teóricas filosóficas Histórico-Culturais.

De acordo com esse autor a diferença está, justamente, no processamento da ação, ou seja, enquanto as ações automáticas ocorrem por meio de mecanismo já constituídos na psique humana, como se houvesse uma fórmula preestabelecida, nesse contexto, as ações orientadas estabelecem conexões criando/mapeando o processo de aprendizagem.

Para melhor entendimento, pense-se, por exemplo, em uma fórmula matemática, sem que se saiba o porquê e como se chegou àquele resultado. O mesmo se dá em uma atividade cotidiana em que o ser humano estabelece uma relação com a realidade objetiva inconscientemente ou, dito de outra forma, automaticamente incorporada à sua prática habitual.

Por outro lado, quando da execução de uma atividade (ação) na qual se estabelecem relações por meio de orientações, esses mecanismos funcionam como instrumentos ativadores da capacidade cognitiva do ser humano, que torna possível esse processo, o qual é mediado pelo reflexo psíquico, do plano externo para o interno, possibilitando a apropriação do conhecimento e, também, da habilidade (GALPERIN, 1976, p. 76-7).

A habilidade, de modo genérico, atua em dois campos: o teórico e o prático. Em uma relação dialética são complementares visto que o sujeito de uma atividade, necessariamente, precisa assimilar tanto o conhecimento teórico como os saberes práticos para executá-la (TALIZINA, 1987)

De acordo com Núñez (2009) ao tratar do grau de domínio de determinada atividade, sob o enfoque da Teoria da Assimilação dos Conceitos e das Ações Mentais por Etapas, explica-se que quando o indivíduo atinge este nível de apropriação, assimilou um novo conhecimento e, consequentemente, criou um hábito, pois o conhecimento, agora, internalizado foi automatizado. Para esse autor, “no trânsito pelas etapas, quando programado o processo, as habilidades podem

derivar hábitos, ou seja, ações automatizadas nas quais as operações se realizam inconscientemente” (NÚÑEZ, 2009, p.124).

No caso da definição feita pelo autor durante a apropriação ou assimilação do conhecimento houve uma abreviação em virtude do conhecimento de todas as etapas que se adquiriu, não sendo mais necessário repetir algumas delas.

Para Talizina (2001), quando os hábitos ocupam o lugar dos meios, sendo, portanto, uma ação inconsciente dessa atividade, esses “hábitos” não possibilitam a apreensão do conhecimento.

Na perspectiva de Núñez (2009) o processamento da atividade, devidamente, orientada possibilita que a habilidade se torne uma ação automatizada, pois pelo, domínio que o agente tem em executá-la, algumas etapas são abreviadas, tornando-se um hábito, nesse caso, inconsciente, pois se tornaram automatizados.

Partindo do pressuposto epistemológico apresentado, para analisar a habilidade e o hábito na atividade policial-militar, infere-se que, ora esse profissional pode estar agindo utilizando suas habilidades cognoscitivas para Tomada de Decisão, ora pode agir, deliberadamente, tomando sua decisão em função de um hábito que fora de forma automatizado, incorporado às suas práticas profissionais, sem que este tenha, efetivamente, consciência do que está/permanece fazendo.

Para melhor elucidar essa questão, apresenta-se outro caso hipotético, no qual policiais militares em atuação de rotina são demandados a exercerem sua atividade, pela força do ofício e pelo mandate e licence (DUBAR, 1997), que os autorizam e, ao mesmo tempo, os cobram para agirem em nome da lei.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, cabe às Polícias Militares o policiamento ostensivo para o controle e preservação da ordem pública. No entanto, a própria Carta Magna estabelece que a segurança pública é dever do Estado, contudo, é direito e responsabilidade de todos (BRASIL, 1988).

Contudo, ainda, a despeito da forma exclusiva de atuação das Polícias Militares brasileiras, esta, fora definida no Decreto-Lei Federal Nº 667 de 1969, circunscrevendo que, além da prevenção, às Polícias Militares, também, caberiam a repressão contra a perturbação da ordem pública, conforme citação abaixo, e que em circunstâncias atuais, implicitamente fico extensivo à criminalidade, em geral,

observando-se, necessariamente, os limites legais para o uso da força e de armas de fogo88, recentemente, normatizado no país:

Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; b) atuar de maneira preventiva, como força de

dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; d) atender à convocação,

inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial; [...] (BRASIL, 1969)89.(Grifos do autor).

O ponto crucial a ser analisado na atividade policial-militar, como mecanismo de desenvolvimento da habilidade, é abordado a partir de um certo encontro (des)concertante (PINC, 2006) entre o público e a instituição policial, que ocorre, na medida em que uma equipe de policiais, atuando no policiamento ostensivo precisa tomar a decisão acerca da flagrância de um ato delituoso. Nesse sentido, retomar-se-á o caso hipotético dois adolescentes flagrados portando determinada quantidade de entorpecentes, na Praia de Ponte Negra, em Natal, para que se possa aproximar, em tese, a teoria da prática cotidiana policial-militar.

De acordo com as leis em vigência no país, dependendo da forma como o agente infrator é apresentado em uma delegacia de polícia, este pode passar de

88 O Brasil é signatário do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (CCFRAL), da ONU (1979), e editou a Portaria Interministerial nº

4.226/2010, do MJ e da Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, que regula a ações dos policiais, no tocante ao uso de força e de armas de fogo, mas também como os entes estatais devem prover condições necessárias, fiscalização e capacitação contínua para os profissionais da segurança pública (BRASIL, 2010).

89 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-667-2- julho-1969-374170-normaatualizada-pe.pdf. Acesso em 28 out 2017.

transgressor da lei a dependente químico, sendo desobrigado da privação de liberdade. Veja-se abaixo o que estabelece a Lei Federal Nº 11.343 de 2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (Grifei) (BRASIL, 2006.)

Nessa perspectiva hipotética, de precisarem apresentar as pessoas flagranteadas pelo uso de entorpecentes à delegacia de polícia, os policiais militares, necessariamente, devem fazer o registro dessa ocorrência e, assim sendo, essa atividade está sistematizada de forma a ser realizada, conscientemente e, por ser uma rotina do contexto policial, é feito de forma automática.

Enfatiza-se, entretanto, que se trata de dois jovens, sendo um negro e um loiro. O primeiro, maltrapilho, que se comunica precariamente – destaca-se, pela própria falta de não haver frequentado uma escola e, também, por medo da repressão policial (ALTHUSSER, 1974). O outro, bem vestido, comunica-se bem, sendo possível perceber que estudou em boas escolas, quiçá já frequentando, também, uma boa universidade e deve pertencer à classe social abastarda.

Então, diante das circunstâncias postas, o que moverá ou instruirá a ação policial-militar na sua Tomada de Decisão? Um hábito ou uma habilidade? Hipoteticamente, não é possível dizer qual seria a Tomada de Decisão policial- militar. No entanto, tal reflexão serve como mecanismo de análise para enfatizar que há uma linha tênue entre a Tomada de Decisão orientada pela habilidade e aquela que é orientada pelo hábito, pois este último, por estar automatizado, no cotidiano da

profissão, e neste estudo, específico, é razoável considerar que as ações policiais, podem ser influenciadas, também, pela subjetividade do profissional de segurança, muito embora, que na primeira hipótese (no caso da habilidade) isso, também, possa acontecer.