• Nenhum resultado encontrado

A Formação da Hegemonia Norte-Americana e a Indústria Petrolífera

A GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA DO PETRÓLEO Apesar das apreensões de muitos, o mundo provavelmente não

1.5 PETRÓLEO E HEGEMONIA, SOB A ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

1.5.1 A Formação da Hegemonia Norte-Americana e a Indústria Petrolífera

seguida, apresentaremos a evolução das dinâmicas desta indústria, tendo como contexto os períodos de expansão material e financeira do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano.

1.5.1 A Formação da Hegemonia Norte-Americana e a Indústria Petrolífera

As agentes e estruturas do ciclo de acumulação norte-americano começaram a se formar na expansão financeira que marcou a fase final da hegemonia britânica. A crise iniciada em 1873, em que o aumento da competição intercapitalista culminou nas lutas entre potências imperialistas no século XX, é apontada também por Lênin como o início da era do capitalismo monopolista e imperialista, apoiado em grande medida pela simbiose entre capital bancário e o capital industrial; o capital financeiro, com seu poder fortalecido no período, configuraria o capital bancário (capital em forma de dinheiro) transformado em capital industrial, e os próprios bancos passaram a deter poder de monopólio em nível global26.

26

Lênin resume seus argumentos da seguinte maneira: a) a concentração da produção e do capital criou os monopólios no percurso do desenvolvimento do sistema capitalista; b) o capital bancário se funde ao capital industrial, criando o

Assim como Lênin (2011) havia demonstrado, quando afirmou que a exportação de capitais adquire maior importância que a exportação de mercadorias, as fases de expansão financeira são marcadas por uma sobreacumulação capitalista, definida primordialmente como um excedente de capitais que não encontra um fim lucrativo internamente nos países do centro capitalista, e é exportado para outros países através de uma ordenação espaço- temporal (HARVEY, 2004, p. 44). Na periferia, devido aos lucros elevados, ao capital escasso, aos preços da terra e salários baixos e às matérias-primas baratas, o capital encontra uma alocação lucrativa; os países do centro tornam-se Estados rentistas, definindo uma forma de capitalismo parasitário (LÊNIN, Op. Cit., p. 183).

Ao contrário de Lênin, Arendt afirma que o período foi “antes o primeiro estágio do domínio político da burguesia do que o último estágio do capitalismo” (ARENDT, 1968 apud HARVEY, 2004, p. 43). Já Arrighi (1996), analisando o período através da ótica de longa duração, afirma que o período é uma expansão financeira característica, que ocorre desde os primórdios do sistema: o próprio capitalismo como sistema mundial de acumulação e governo teria surgido da expansão financeira que seguiu o fim da expansão comercial do século XIII e início do XIV.

Assim, no contexto da expansão financeira do fim do século XIX, após a sua Revolução de 1776, os Estados Unidos passaram a desenvolver sua forma própria de imperialismo interno, conquistando “toda a parte do continente norte-americano que era lucrativa e [reorganizando] seu espaço de maneira totalmente capitalista, [resultando em] um compacto “império” territorial doméstico” (Ibidem, p. 60). O surto de desenvolvimento após a Guerra Civil tornou o país tecnológica e economicamente dominante em relação ao resto do mundo, e sua forma de governo, sem resquícios feudais e aristocráticos como a Europa, “refletia em larga medida os interesses corporativos e capital financeiro em posse da oligarquia financeira; c) a exportação de capitais, e não de mercadorias, se torna o fator motor principal do sistema de acumulação; d) formam-se associações internacionais monopolistas de capitalistas, os quais partilham o mundo entre si; e) ocorre a partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. Deste modo, o imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento que culminou na criação e dominação dos monopólios e do capital financeiro, ganhando importância a exportação de capitais e a partilha do mundo pelos trustes e, em seguida, pelas potências capitalistas globais (LÊNIN, 2011, p. 218).

industriais, tendo sido desde a independência, burguês até a medula” (HARVEY, Op. Cit., p. 46).

Os últimos vinte e cinco anos do século XIX viram surgir companhias de tamanho e alcance sem precedentes, fazendo surgir novas estratégias e estruturas de acumulação de capital. O quarto ciclo sistêmico de acumulação, sob a hegemonia dos Estados Unidos, teve como característica própria a internalização dos custos de transação e a integração vertical das companhias. As empresas buscaram,

Como mostrou Chandler (1977; 1978), internalizar num único campo organizacional atividades e transações antes executadas por unidades empresariais distintas permitiu que as empresas formadas por diferentes unidades e dotadas de integração vertical reduzissem e tornassem mais fáceis de calcular os custos de transação – isto é, os custos associados à transferência de insumos intermediários, através da longa cadeia de domínios organizacionais separados que vinculam a produção primária ao consumo final (ARRIGHI, Op. Cit., p. 247). Surgiu, deste modo, uma economia de velocidade, primeiramente elaborada pelas companhias ferroviárias, as “pioneiras na maioria das inovações organizacionais que iriam revolucionar a estrutura de acumulação nos Estados Unidos” (Ibidem, p. 248). A integração dos processos de produção em massa com os de distribuição em massa em uma só organização fizeram surgir um novo tipo de empresa capitalista, que se encarregava tanto da obtenção de insumos quanto da entrega do produto final, reduzindo os custos, riscos e incertezas, e gerando novas vantagens competitivas decisivas que possibilitaram a expansão para o exterior (Ibidem, pp. 248-249). Foi uma verdadeira revolução organizacional (CHANDLER, 1977 apud ARRIGHI, 1996, p. 250).

No desenvolvimento da etapa atual do capitalismo, a moderna indústria petrolífera ocupou posição de destaque; e, desde seu princípio27 (no mesmo período da formação da hegemonia norte- americana, o fim do século XIX), esta indústria teve fortes incentivos no sentido de reduzir os riscos e garantir do controle dos mecanismos de

27

Importante lembrar que falamos aqui a respeito do surgimento da indústria do petróleo moderna, e não da própria utilização do petróleo pelas sociedades.

oferta e demanda – o que impulsionou um processo de integração vertical e internacionalização das suas atividades (LINDE, 2000, p. 03).

A Standard Oil Co. foi, no período, o principal exemplo da concentração das atividades em torno da produção, transporte e refino de petróleo nos Estados Unidos no início do século XX. Em 1860, John D. Rockefeller, seu idealizador, havia saído de Cleveland com um plano que objetivava “transformar a volátil, caótica e individualista nova indústria do petróleo nos Estados Unidos em uma indústria organizadíssima, operando sob sua liderança” (YERGIN, 2014, p. 98). Deste modo, como resultado das ambições de Rockefeller,

A Standard Oil, que dominou completamente a indústria petrolífera americana no fim daquele século, ocupava um dos primeiros lugares entre as maiores empresas multinacionais. A expansão dos negócios depois disso – abrangendo tudo, desde perfuração de poços petrolíferos em áreas pouco exploradas até vendedores com boa lábia e diretores tirânicos da burocracia da grande empresa e das companhias estatais – encarna o modo como eles evoluíram, a estratégia conjunta, a mudança tecnológica, o desenvolvimento do mercado e, claro, a economia nacional e internacional (YERGIN, 2010, p. 13).

As práticas de concorrência predatória e aquisição de competidores já eram comuns nas estratégias da empresa na década de 1870; “depois de adquirir as empresas rivais, Rockefeller fechava as que julgava ineficientes ou pouco rentáveis e investia naquelas que seriam mais propensas a alcançar resultados satisfatórios” (QUINTAS; QUINTANS, 2010, p. 36). Além disso, a Standard detinha uma extensa rede de empresas afiliadas ou coligadas, incluindo até mesmo construtoras de gasodutos e ferrovias: estas empresas praticavam preços diferenciados entre si e se uniam contra empresas de fora do grupo, conseguindo, através da integração vertical e a pressão sobre os competidores, preços mais competitivos no mercado (Ibidem, p. 37). Determinando os preços de venda, transporte e refino, criou-se, assim, a moderna indústria do petróleo integrada:

[A Standard Oil] controlava até 90% da indústria do petróleo dos Estados Unidos e dominou o mercado mundial. Ao fazer isso, Rockefeller na realidade havia criado a moderna indústria petrolífera. Ele também inventou a companhia “integrada” de petróleo, na qual o produto fluía dentro dos limites corporativos do momento em que jorrava até quando chegava ao consumidor (YERGIN, 2014, p. 98).

Para Noreng (2007), o controle do refino e do transporte de petróleo pela Standard Oil foi mais importante do que o controle da produção para o domínio e monopólio da indústria, pois estabelecia o elo imprescindível entre os produtores individuais e os consumidores nos Estados Unidos (NORENG, 2007, p. 162). Assim, a empresa era o único comprador para diversos vendedores, e o único vendedor para diversos consumidores; além disso, a escala das operações de refino e transporte permitia custos mais baixos dos que seus competidores poderiam alcançar (Idem).

A integração vertical, conforme destacado anteriormente, vai de acordo com a necessidade que historicamente marcou as relações de países e empresas com relação ao petróleo: a imprescindibilidade desta fonte de energia tornava essencial a garantia da segurança da oferta: “a forma de organização da cadeia produtiva fazia com que a integração fosse almejada em todos os níveis do processo, para que houvesse um fluxo contínuo e seguro de óleo em todas as etapas da produção” (QUINTAS; QUINTANS, 2009, p. 39). Em 1904, além do mercado dos Estados Unidos, a Standard Oil também controlava a produção, comercialização e refino de petróleo no mercado internacional (Idem).

A Standard Oil foi desmantelada em 1911 pela Lei Sherman Antitruste nos Estados Unidos28, dividindo-se em diversas entidades separadas – porém, ainda controladas pelo mesmo grupo, respeitando os respectivos mercados e continuando com suas antigas relações comerciais (YERGIN, 2010, p. 123). A maior de suas partes era a Standard Oil of New Jersey, com quase metade do valor líquido, que mais tarde passaria a ser a Exxon e nunca perdeu sua liderança (Ibidem, pp. 122-123). A segunda maior, a Standard Oil of New York, viria a ser

28

No ano de 1890, foi concebido o Sherman Act, primeira lei antitruste do planeta, que se dirigia às práticas monopolistas da Standard Oil. Os Estados Unidos, apesar de tradicionalmente liberais, passaram a ver com preocupação o poderio e abrangência da Standard (QUINTAS; QUINTANS, 2010, p. 38).

a Mobil; a terceira, Standard Oil of California, se tornou a Chevron; a quarta, a Standard Oil of Ohio se tornou a Sohio e, posteriormente, o braço americano da BP; a quinta, Standard Oil of Indiana, se tornou a Amoco; a Continental Oil viria a ser a Conoco; e a Atlantic, que depois integrou a ARCO e, mais tarde, a Sun (Idem).

Na virada do século, porém, em vez de um enfraquecimento das diversas entidades do antigo império, o aquecimento da indústria do petróleo, propiciado pelas novas tecnologias e a ascensão do automóvel, por exemplo, dobraram o valor das ações das maiores companhias sucessoras da Standard; no caso de Indiana, elas haviam triplicado (Ibidem, pp. 125-126). “Ninguém se saiu tão bem ou tão rico desse negócio quanto o homem que tinha um quarto de todas as ações, John D. Rockefeller” (Ibidem, p. 126).

A integração vertical também foi o motor propulsor da proeminência internacional da anglo-holandesa Royal Dutch Shell. Esta resultou da integração da Royal Dutch, empresa holandesa produtora de petróleo na Indonésia e que encontrava dificuldades de alcance dos mercados europeus, com a Shell Transport, empresa que desenvolveu tanques para transporte de petróleo a longas distancias (NORENG, 2007, p. 162). Deste modo, o controle de suprimentos, transporte e mercados facilitava e coordenação, o uso do capital e a geração de lucros (Idem).

O mesmo ocorreu com a BP. A antiga Anglo-Persian, apesar de possuir um alto estoque de petróleo, não possuía compradores para seus produtos, e se encontrava em vias de falência. Por outro lado, a necessidade de garantia da oferta de petróleo e energia às vésperas da Primeira Guerra Mundial levou o governo inglês a adquirir a empresa, conforme tratado anteriormente. Deste modo, a Anglo-Persian passou a fazer não só a operação, mas as fases de refino e distribuição na Grã Bretanha, vendendo a “gasolina BP” – que seria a sigla da empresa a partir de 1954, com a mudança do nome para The British Petroleum Company (BP, 2016-b).

Para Lênin (Op. Cit., p. 121), a integração, ou a “reunião em uma única empresa de diferentes ramos da indústria que possam abranger fases sucessivas da elaboração de uma matéria-prima” é uma “particularidade extremamente importante do capitalismo, chegado ao seu mais alto grau de desenvolvimento”. O capitalismo gerou um rápido desenvolvimento da indústria e, com ela, a concentração da produção; esta, devido à grande proporção das empresas e a dificuldade de concorrência, induz inevitavelmente ao monopólio (Idem).

Além de evitarem a concorrência pelo monopólio de matérias- primas, as grandes empresas criam associações entre si, como cartéis e trustes, a fim de defenderem seus lucros e posições, estabelecem preços e repartem os mercados entre si (Ibidem, p. 127). Primeiramente, as associações de capitalistas monopolistas – cartéis, sindicatos, trustes – partilham entre si o mercado interno; no capitalismo, a criação de um mercado mundial e o entrelaçamento entre ambos os mercados cria o ímpeto para, em seguida, a partilhar do mundo entre tais associações e a concentração em escala mundial do capital e da produção. (Ibidem, pp. 188-189).

Tal afirmação é exemplificada, na indústria petrolífera, pela divisão do mundo durante décadas pelas grandes companhias internacionais: em 1928, no Castelo Achnacarry, Escócia, os presidentes da Exxon, BP e Royal Dutch Shell formularam um acordo para regular o mercado internacional de petróleo, estabelecendo um cartel entre as grandes empresas e restringindo a competição entre elas (LINDE, 1991, p. 69). Estabeleceu-se a estabilização dos market shares29 aos níveis vigentes, assim como os níveis de produção, que só seria aumentada se houvesse aumentos na demanda; também foi acordado o uso cooperativo nas refinarias, evitando duplicações de investimentos (NORENG, Op. Cit., p. 162). O documento, denominado “Associação do Pool”, se tornou mais conhecido como Acordo de Achnacarry ou Acordo “Como Está” (do inglês, ‘As Is’) (YERGIN, 2010, p. 295).

O acordo incorporou as sete grandes empresas internacionais de petróleo (BP, Chevron, Esso, Gulf, Mobil, Shell e Texaco, posteriormente incorporando a francesa CFP-Total) e institucionalizou o controle das maiores companhias de petróleo sobre o mercado mundial por décadas (NORENG, Op. Cit.,p. 162). As sete grandes empresas, de origem norte-americana e inglesa, foram denominadas as Sete Irmãs (SAMPSON, 1988 apud LINDE, 2000, p. 15), e dominaram o mercado internacional de petróleo de 1945 a 1973. Na década de 1980, A Exxon, Shell e BP eram as empresas de “primeira camada” (LINDE, 2000, p. 15), devido ao maior porte.

No período de formação da hegemonia norte-americana, em suma, os Estados Unidos possuíam sob sua jurisdição, ou sediavam, a Standard Oil, uma poderosa empresa de petróleo integrada verticalmente de alcance global, além de gigantescas reservas de petróleo em seu

29

Market Share, em português, significa participação de mercado, ou a fatia ou quota do mercado que uma empresa tem em seu segmento ou no segmento de um dado produto.

próprio território. Na indústria do petróleo, baseada no setor extrativo, a acumulação de capital depende não só das tecnologias e da alocação do capital, mas também do controle das fontes; e normalmente, no que se trata de recursos naturais, os Estados que possuem o capital não são os mesmos que possuem a soberania sobre os recursos.

Em outras palavras, o que existe na indústria do petróleo é “uma delimitação dual do caminho da acumulação: pelos Estados-produtores e companhias de petróleo” (BROMLEY, 1991, p. 85. Tradução nossa). No caso da formação da hegemonia dos Estados Unidos, estes possuíam uma combinação de ambos; e durante o período de expansão material do ciclo sistêmico de acumulação sob sua hegemonia, os Estados Unidos possuíam tanto o controle da indústria quanto, depois da Segunda Guerra Mundial, a dominação política das principais regiões produtoras e exportadoras (América e Oriente Médio), o que propiciou os recursos necessários para a acumulação de capital em larga escala e a segurança energética norte-americana na fase de expansão material, até a década de 1970.

Além de a indústria petroleira ter propiciado os insumos que tornaram possível a acumulação de capital no novo momento do capitalismo, possibilitando inovações como o motor de propulsão interna, ela foi reflexo da revolução organizacional pela qual passava o capitalismo sob o ciclo de acumulação norte-americano, apresentando- se altamente monopolizada e dotada de integração vertical, como ilustra o exemplo da Standard Oil Co. Essa monopolização da indústria concentrou o capital em alguns países desenvolvidos (ou, de acordo com os conceitos que serão trabalhados posteriormente, dos países do centro capitalista).