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CAPITALISMO EM FASE DE EXPANSÃO FINANCEIRA

A PETROBRAS EM TEMPOS DE FINANCEIRIZAÇÃO Desde a década de 1970, o ciclo sistêmico de acumulação sob a

3.1 CAPITALISMO EM FASE DE EXPANSÃO FINANCEIRA

A economia se encontra, atualmente, em uma fase de acumulação de capital denominada por Foster e McChesney (2012) de “capitalismo financeiro-monopolista”106

. Segundo dados apresentados pelos autores, desde a década de 1960 a tríade econômica (Estados Unidos, Japão e Europa) vem apresentando taxas cada vez menores de crescimento econômico, ou seja, um estado de estagnação econômica. Este seria o estado normal107 de uma economia capitalista madura, dominada por corporações, na qual o excesso de produtividade geraria um excedente (tanto de capital como de trabalho) grande demais para ser absorvido: ou seja, um estado de superacumulação, ou sobreacumulação.

Em outras palavras, a ascensão das grandes corporações leva à acumulação de capital excedente, altamente concentrado, para o qual os investidores não acham destinos rentáveis na esfera produtiva. Além do mais, como a economia continua crescendo, a taxas decrescentes, forma-se uma estrutura ociosa, contribuindo para a diminuição ainda mais acentuada do investimento produtivo; por fim, como a produção não consegue absorver todo o capital excedente, devido à demanda insuficiente, o capital migra para a esfera financeira (FOSTER; MCCHESNEY, Op. Cit.).

A tendência à estagnação econômica gera, deste modo, uma dependência da financeirização – uma “armadilha estagnação- financeirização” (Ibidem, p. 15); a financeirização, por sua vez, aumenta a incidência de bolhas especulativas, contribuindo para a alta volatilidade e as crises abruptas recorrentes de um sistema altamente dependente dos lucros financeiros. Também a economia se torna cada vez mais dependente dos gastos estatais, em especial os militares108. No

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Apesar de defendermos aqui que os períodos de expansão financeira da economia-mundo não são uma novidade da estrutura econômica mundial atual, mas partes de ritmos cíclicos, a descrição dos autores é deveras elucidativa e condizente com a proposta.

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Chamado “estado normal de Sweezy”, o primeiro autor a apontar a relação da maturidade da economia com o estado de estagnação econômica.

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Pode-se notar que as próprias guerras configuram um importante método de destruição de excedentes, tanto de capital quanto de mão de obra.

entanto, os estímulos governamentais são limitados e apenas postergam as crises, pois no longo prazo apresentam contradições como o aumento da dívida interna. Neste sentido, também o Estado é dotado de novas funções, que passa em grande medida a defender os interesses do capital financeiro:

In these circumstances, the U.S. economy, as we have seen, has become chronically dependent on the ballooning of the financial superstructure to keep things going. Industrial corporations themselves have become financialized entities, operating more like banks in financing sales of their products, and often engaging in speculation on commodities and currencies. Today they are more inclined to pursue the immediate, surefire gains available through merger, acquisition, and enhanced monopoly power than to commit their capital to the uncertain exigencies associated with the expansion of productive activity. Political- economic power has followed the financial growth curve of the economy, with the economic base of political hegemony shifting from the real economy of production to the financial world, and increasingly serving the interests of the latter, in what became known as the neoliberal age (Ibidem, p. 31).

David Harvey (2004) defende que o problema da sobreacumulação pode ser resolvido por ajustes temporais, espaciais, ou por uma combinação entre ambos. Para o autor, a sobreacumulação pressupõe um excedente de trabalho, expresso por um desemprego crescente, ou de capital, “expresso como uma superabundância de mercadorias no mercado que não pode se vender sem perdas, como capacidade produtiva inutilizada, e/ou excedentes de capital, dinheiro que carece de oportunidades de investimento produtivo e rentável” (HARVEY, Op. Cit., pp. 77-78). O argumento de Harvey tem como fundamento a teoria da tendência de queda da taxa de lucro, proposta por Marx, de produzir crise de sobreacumulação. Nestas crises, os excedentes de capital e trabalho existem lado a lado, sem que haja aparentemente uma maneira de conjugá-los lucrativamente a fim de realizar tarefas socialmente úteis (Ibidem, p. 78).

O ajuste temporal configuraria, basicamente, em alocar os excedentes de capital em projetos de longo prazo ou em gastos sociais,

enquanto o ajuste espacial poderia acontecer por meio da abertura de novos mercados, novas capacidades produtivas e novas possibilidades de recursos e trabalho em outros lugares109 (Ibidem, pp. 02-03). Deste modo, em seu processo de expansão geográfica e temporal, o capitalismo cria novos espaços de acumulação de capital, resolvendo as crises de sobreacumulação por meio de criação de uma paisagem física inteiramente nova, mas também destrói outros, numa constante relação de “destruição criadora” (Ibidem, p. 99). Este processo não é isento de contradições: ao serem alocados capitais excedentes em novos locais, surgem novos espaços de acumulação capitalista que, no futuro, gerarão seus próprios capitais excedentes que deverão ser alocados em outros espaços:

A partir do final dos anos 1960, o Japão e a Alemanha transformaram-se em competidores dos Estados Unidos, de modo similar com que a América do Norte havia superado o capital britânico (e contribuído para derrubar seu império) durante o século XX. É interessante observar o momento em que o desenvolvimento interno forte transborda na busca de ajuste espaço- temporal. O Japão fez durante os anos 1960, primeiro através do comércio, depois através da exportação de capital como investimento direto na Europa e nos Estados Unidos, e mais recentemente através de investimentos em massa (diretos e de carteira) no Leste e Sudeste asiático, e finalmente através dos empréstimos ao exterior (particularmente aos Estados Unidos). A Coréia do Sul se voltou repentinamente para o exterior nos anos 1980, seguida quase imediatamente por Taiwan nos anos 1990. [...] Inclusive os países que tiveram sucesso em sua recente adesão ao

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Harvey (2004) retoma as ideias de Hegel e Lênin, assim como exemplos históricos, para demonstrar a dificuldade de solucionar os problemas de excedente de capital por meio da redistribuição interna. Segundo o autor, as relações e a luta de classe impulsionam a busca de ajustes espaço-temporais em outros lugares. Dos exemplos apresentados, Harvey infere que “a virada para uma forma liberal de imperialismo [resultou] da falta de vontade política da burguesia de abrir mão de qualquer um de seus privilégios de classe, bloqueando assim a possibilidade de absorver a sobreacumulação mediante a reforma social interna” (Ibidem, pp. 105-107).

desenvolvimento capitalista tiveram a urgente necessidade de encontrar um ajuste espaço- temporal para seu capital sobreacumulado. A rapidez com que certos territórios, como Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e agora também China, passaram de receptores líquidos a exportadores líquidos, foi bastante assombrosa se a comparamos com o ritmo mais lento em períodos anteriores (Ibidem, p. 101).

Com relação à crise de sobreacumulação atual, destaca-se a China como a localização mais promissora do ajuste espaço-temporal. Este país não só passou a absorver o investimento estrangeiro direto com velocidade fantástica, como também dispõe de um grande mercado interno, sempre em crescimento, e pode colocar a região asiática em posição de liderança com relação aos Estados Unidos.

A China é um dos países mais bem-sucedidos no que se refere ao crescimento econômico nas últimas duas décadas. Essa constatação não seria tão relevante se se tratasse de um pequeno Estado. A RPC [República Popular da China] é o país mais populoso do mundo e ocupa o terceiro lugar no que se refere à extensão territorial, depois da Rússia e do Canadá. Além disso, é uma potência militar e nuclear (VADELL, 2007, p. 155). Por mais que o processo de ajuste espacial em direção à China seja a melhor possibilidade de solução da crise de sobreacumulação atual, é muito provável a resistência dos Estados Unidos a este ajuste, pois “a associação entre ajustes espaciais e mudanças hegemônicas reforça a situação paradoxal que enfrentam sempre os centros dominantes do desenvolvimento capitalista” (ARRIGHI, 2008, p. 230). O desenvolvimento irrestrito de novas regiões leva a desvalorização a esses centros dominantes, por meio da intensificação da concorrência pelo capital circulante110; porém o desenvolvimento restrito limita as

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A desaceleração da expansão material e a virada para a financeirização vêm acompanhadas de uma intensificação da concorrência pelo capital circulante que se acumulava nos mercados financeiros; o poder hegemônico vigente no momento (holandeses, britânicos ou, no caso agora analisado, norte- americanos), devido à sua centralidade nas redes financeiras mundiais, está mais bem posicionado para ter acesso privilegiado à liquidez superabundante (ARRIGHI; SILVER, 2012, p. 84). Isto ficou claro nos anos 1980 e 1990,

oportunidades de investimento lucrativo do capital (Idem). E se o centro ameaçado pelo maior concorrência também é um centro hegemônico, o resultado pode também levar a uma diminuição no seu poder (Idem), construindo as bases para uma transição hegemônica.

Sendo assim, segue-se destas reflexões o argumento de que os períodos de expansão financeira são marcados pelo aumento da competição no sistema, e neles surgem as estratégias, atores e instituições que encaminharão o ciclo de acumulação seguinte; estes períodos de transição, historicamente, também têm sido associados a crises econômicas severas e guerras generalizadas:

As expansões financeiras não têm sido somente o “outono” da hegemonia existente, elas também têm marcado a “primavera” de uma nova grande fase do desenvolvimento capitalista sob uma nova liderança. Em outras palavras, foi o início de um novo século longo com um centro geográfico diferente. Mas devido ao fato de que este processo não foi nem simples nem tranquilo, as expansões financeiras culminaram em períodos bastante longos de caos sistêmico generalizado (ARRIGHI, SILVER, Op. Cit., p. 85).

Segundo Arrighi e Silver (Op. Cit.), se considerarmos que o desenvolvimento da economia-mundo capitalista apresenta uma tendência de aumento do tamanho, do poder e da complexidade do complexo capital-Estado dominante de um século para o outro, talvez o novo centro dominante seja não apenas a China, destino óbvio da reorganização espacial atual, mas uma região, o Leste Asiático. Segundo os autores, de modo que nenhum Estado atual possui tamanho ou complexidade maior que os Estados Unidos (a China é muito maior, porém também muito mais pobre, apesar de décadas de crescimento econômico) a evolução futura da hegemonia mundial seria em direção a algum tipo de “Estado-mundo” (Ibidem, p. 88). Atualmente, apesar de os recursos militares ainda estarem concentrados maciçamente nos Estados Unidos, o controle dos recursos financeiros globais está décadas nas quais os Estados Unidos foram bem-sucedidos ao atrair o capital internacional para si, alimentando o boom econômico à custa do endividamento em outros lugares do mundo (Idem). No entanto, após o período de crescimento da década de 1990, o “sinal de outono” da hegemonia norte-americana ficou mais aparente a partir da crise financeira de 2008 (Ibidem, p. 80).

concentrado no Leste Asiático, uma bifurcação inédita do período de transição atual (Ibidem, pp. 89-90).

A mobilidade do capital financeiro, com suas contradições, é um elemento crucial para a resolução dos problemas inerentes ao capitalismo – ou, pelo menos, para amenizá-los. É por meio dela, somada à ação reguladora das instituições internacionais, que se torna possível a coordenação da dinâmica de acumulação de capital entre as diversas regiões do sistema. Porém, além do objetivo de sustentar a reprodução ampliada, ou o crescimento econômico, o capital financeiro também atua de forma puramente especulativa, atividade improdutiva na qual o dinheiro é utilizado com o único propósito de obtenção de mais dinheiro mediante especulação em mercados futuros, valores monetários, dívidas, entre outros.

Quando enormes quantidades de capital se tornam disponíveis para esses propósitos, os mercados abertos de capital se tornam veículos para atividades expeculativas, algumas das quais, como vimos durante a década de 1990 com as “bolhas” das empresas virtuais de do mercado de ações, se tornam profecias autorrealizadoras, como foi o caso quando os fundos de derivativos, armados com trilhões de dólares de dinheiro levantado em empréstimos, puderam empurrar a Indonésia e ate a Coreia rumo à falência por mais forte que fosse a economia de base desses países. Muito do que acontece em Wall Street nada tem a ver com facilitar o investimento em atividades produtivas; são apenas ações especulativas (donde suas descrições como um “cassino” [ciranda financeira] ou um capitalismo “de rapina”). Mas essa atividade tem profundos impactos na dinâmica geral da acumulação do capital e, de modo mais específico, na recentração do poder político econômico primordialmente nos Estados Unidos, mas também nos mercados financeiros de outros países nucleares (Tóquio, Londres, Frankfurt) (HARVEY, Op. Cit., p. 111. Grifos nossos). Além do mais, se as estratégias de reprodução expandida falharem, busca-se a acumulação de capital por outros meios. Em uma “diabólica aliança com os poderes do Estado e os aspectos predatórios do capital financeiro” (Ibidem, p. 114), ancorado no sistema de

instituições financeiras por eles erguido111, um destes meios é a acumulação via espoliação112. Todas as características da acumulação

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Harvey também realiza um amplo debate acerca das relações entre os Estados e os fluxos de capital. Segundo o autor, “o Estado constitui a entidade política, o corpo político, mais capaz de orquestrar arranjos institucionais e manipular as forças moleculares de acumulação do capital para preservar o padrão de assimetrias nas trocas mais vantajoso para os interesses capitalistas dominantes que trabalham nesse âmbito (HARVEY, Op. Cit., p. 111). Os países de núcleo capitalista, em especial a hegemonia vigente, possuem influência desproporcional na arquitetura financeira moldada por eles mesmos: “o surgimento nos Estados Unidos de um complexo “Wall-Street-Tesouro”, capaz de controlar instituições como o FMI e projetar um vasto poder financeiro por todo o mundo, mediantes uma rede de outras instituições financeiras e governamentais, tem tido enorme influência sobre a dinâmica do capitalismo global em anos recentes” (Ibidem, p. 112).

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A ideia de “acumulação via espoliação” de Harvey parte da teoria geral da acumulação de capital de Marx: nesta, a primeira etapa é chamada de acumulação “primitiva” ou “originária”, que cria as bases para a acumulação se desenvolver como reprodução ampliada (através da exploração do trabalho vivo na produção). A acumulação primitiva descrita por Marx envolve diversos processos, entre eles a mercantilização e a privatização da terra e a expulsão forçada de populações camponesas; a conversão de diversas formas de direitos de propriedade (comum, coletiva, estatal, etc.) em direitos de propriedade exclusivos; a supressão do direito aos bens comuns; a transformação da força de trabalho em mercadoria e supressão de formas de produção e consumo alternativos, incluindo os recursos naturais; a monetarização das trocas e a arrecadação de impostos; o tráfico de escravos; a usura, a dívida pública e o sistema de crédito (HARVEY, Op. Cit., p. 121). Segundo Harvey, porém, longe de ser sido apenas a etapa inicial da acumulação de capital, que daria início ao processo de reprodução ampliada, estas práticas ainda estão comumente utilizadas hoje em dia. Para referenciar estas práticas nos dias de hoje sem utilizar o termo de “acumulação primitiva”, Harvey criou o termo “acumulação via espoliação”. O autor ainda retoma as ideias de Rosa Luxemburgo, Lênin e Hilferding para a formulação de seu argumento: estes observaram no começo do século XX uma onda de predação, fraude e roubo. A financialização a partir de 1973 por em tudo espetacular por seu estilo especulativo e predatório, destacando-se valorizações fraudulentas de ações, falsos esquemas de enriquecimento imediato, destruição estruturada de ativos por meio da inflação e a promoção de dívidas até mesmo em países capitalistas avançados, para não dizer fraude corporativa e desvio de fundos decorrentes de manipulação de crédito e ações (Ibidem, pp. 122-123).