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Reestruturação da Indústria do Petróleo

A GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA DO PETRÓLEO Apesar das apreensões de muitos, o mundo provavelmente não

1.5 PETRÓLEO E HEGEMONIA, SOB A ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

1.5.4 Reestruturação da Indústria do Petróleo

A crise na indústria do petróleo gerada pela baixa dos preços do petróleo foi imensa, criando a necessidade de uma reestruturação na indústria a nível global. A indústria, para sobreviver ao período, “teria de ser mais eficiente, gerenciar melhor seus custos e alavancar as habilidades e a tecnologia em uma extensão maior. Isso apontava em uma direção: uma escala maior. E a maneira de se chegar lá seria por meio de fusões” (YERGIN, 2014, p. 97).

Os banqueiros [de investimento, Joseph Perella e Robert Maguire] e seus colegas vinham falando sobre algo além das “fusões”, sobre o surgimento iminente do que tinham começado a chamar de supermajors, as gigantes do petróleo. Durante um ano, Doug Terreson, analista do Morgan Stanley, vinha trabalhando em um relatório que declarava que a “era dos supermajors” estava começando. A “globalização e escalonamento incomparáveis” resultantes das fusões – combinados a uma maior eficiência e a um leque muito mais vasto de oportunidades – levariam a “retornos superiores e valorizações inéditas”. Em suma, os acionistas

valorizavam muito mais as empresas maiores. E, implicitamente, as empresas menores e menos valorizadas estariam em risco (Ibidem, p. 98). A primeira grande fusão, que iniciou a fase de reestruturação da indústria, foi a da BP com a Amoco em 1998. A Amoco, antes Standard Oil of Indiana, era uma das maiores empresas petrolíferas dos Estados Unidos, tendo suas atividades localizadas principalmente neste país, porém com importantes projetos também no Mar do Cáspio, onde foi pioneira; ambas as empresas eram as principais parceiras no Azerbaijão (Ibidem, p. 101). Três meses depois, a BP-Amoco (nome da empresa na época) adquiriu a Arco, que, apesar da falta de perspectiva de sobrevivência devido aos preços baixos do petróleo, possuía importantes ativos no petróleo de North Slope, no Alasca. No entanto, a Comissão Federal do Comércio (FTC na sigla em inglês) dos Estados Unidos entendeu que a aquisição permitiria à BP-Amoco manipular os preços do petróleo do Alasca vendido na Costa Oeste dos Estados Unidos, e exigiu que a empresa renunciasse aos ativos de North Slope ao adquirir a Arco (Ibidem, p. 109).

Como “o tabu contra fusões de grande porte foi quebrado, ou pelo menos era o que parecia” (Ibidem, p. 104), outras fusões passaram a ser acordadas. A segunda foi a da Exxon com a Mobil, que reuniu as duas maiores empresas surgidas após a dissolução da Standard Oil Trust em 1911: ou seja, resultou em uma empresa de porte muito maior (Ibidem, p. 106). A maior reticência para os reguladores da FTC era com relação ao downstream da cadeia do petróleo (o custo do combustível para os consumidores) e a razão fundamental para os acordos era o upstream (a busca por eficiência e redução de custos na exploração e produção de petróleo e gás ao redor do mundo, além da busca por maior escala e projetos mais complexos); deste modo, após quase um ano de investigação, a Comissão aprovou a fusão desde que a ExxonMobil se desfizesse de 2.431 postos de combustível (Ibidem, p. 108).

Na França, às duas grandes companhias de petróleo, Elf e Total, também foi concedida a aprovação do governo para uma fusão. A Elf havia sido privatizada em 1986 e ainda possuía grande participação do governo no seu controle. A Total primeiramente adquiriu a companhia petrolífera belga de downstream, Petrofina, e em setembro de 1999 a TotalFina adquiriu a Elf, ficando conhecida posteriormente apenas como Total, “uma das gigantes do petróleo mundial” (Ibidem, p. 111). Em terceiro lugar, a Chevron, antiga Standard of California e terceira maior

companhia de petróleo nos Estados Unidos, realizou sua fusão com a Texaco, com quem possuía as joint ventures Caltex que realizavam produção de petróleo na Indonésia e refino e distribuição na Ásia (p. 111-112). Por fim, houve a fusão da Phillips Petroleum, minigigante norte-americana que adquiriu os ativos do Alasca da Arco, com a Conoco, formando em 2001 a ConocoPhillips, terceira maior companhia de petróleo dos Estados Unidos e a maior no downstream no país (Ibidem, p. 113-114).

A única empresa que permaneceu alheia às fusões foi a Shell, que antes da reestruturação da indústria era a maior empresa de petróleo de todas; isso ocorreu devido à sua estrutura: apesar de operar como uma só empresa, ela era de propriedade de duas, a Royal Dutch e a Shell Transport and Trading, detendo dois conselhos distintos (Ibidem, p. 115). Porém, em 2015, em uma nova conjuntura de queda histórica dos preços do petróleo, a Shell adquiriu a britânica British Gas (BG) por 64,2 bilhões de euros, primeira grande fusão no setor do petróleo em dez anos, reduzindo a diferença entre a Shell e a líder do mercado, ExxonMobil (G1, 2015). A fusão dará acesso à Shell às operações multibilionárias no Brasil, leste da África, Austrália, Cazaquistão e Egito, e a empresa ampliará suas reservas de petróleo e gás natural em 25% e sua produção em 20% (Idem).

O que ocorreu entre 1998 e 2002 foi a maior e mais importante reconstrução da estrutura da indústria internacional do petróleo desde 1911. Todas as empresas que passaram por processo de fusão tiveram que passar pelo tumulto e pelo estresse da integração, que poderia levar anos. Todas saíram do processo não só maiores, mas também com maior eficiência, mais globalizadas e com capacidade de assumir mais projetos – projetos que eram maiores e mais complexos (Ibidem, p. 115).

Neste ambiente mais volátil e competitivo no qual se insere a indústria do petróleo desde a década de 1970, que incentivou a fusão das grandes companhias e a absorção de empresas menores, também se percebe mais um fator de extrema importância: a ascensão das grandes empresas chinesas de energia – a China National Petroleum Corporation (CNPC), a Sinopec e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC). As três estatais, surgidas em meio à economia fechada da China da década de 1950, expandiram-se no âmbito doméstico durante a década de 1980, e internacionalmente nas duas décadas seguintes.

A expansão internacional das empresas chinesas de energia, como política deliberada do governo chinês (LEWIS, 2007, p. 02), é reflexo, também, do crescimento chinês e da maior demanda energética do país, agora ocupando a posição segundo maior consumidor de petróleo do mundo: a China foi responsável, em 2015, por 12,9% do consumo mundial de petróleo, atrás somente dos Estados Unidos, cujo consumo correspondeu a 19,7% do total mundial (BP, 2016-b, p. 09). A China também ocupou em 2015 a posição de segundo maior importador de petróleo, atrás dos Estados Unidos; com taxas de importação de petróleo sempre crescentes, em 2015 a China importou 10,8% de petróleo a mais do que com relação ao ano anterior (2014), totalizando 8.196 mil barris de petróleo por dia (Ibidem, p. 18).

As petrolíferas chinesas terão que competir por recursos energéticos tanto no ambiente interno quanto internacionalmente, além de competir com outras empresas pelo capital circulante, trabalho, tecnologia e serviços (LEWIS, Op. Cit., pp. 02). Com relação ao capital, devido ao objetivo do governo chinês de desenvolver tanto o setor de energia quanto os demais setores da economia por meio do mercado de capitais doméstico e internacional, com investimentos de indivíduos, bancos, grupos e organizações não governamentais internacionais de ajuda ao desenvolvimento, também domésticos e internacionais, as três empresas chinesas terão de competir com outras estatais e empresas privadas pelo escasso capital circulante e demais ativos financeiros (Ibidem, pp. 02-03); além do mais, como o governo chinês direcionou cada uma das empresas para se tornarem empresas integradas verticalmente, elas irão, cada vez mais, competir umas com as outras (Ibidem, p. 03).

As três empresas petrolíferas chinesas surgiram dos ministérios do Petróleo e da Indústria Química, na tentativa do governo chinês na década de 1980 de sair do rígido sistema de planejando central e adotar um sistema de empresas enraizado no mercado (YERGIN, Op. Cit., p. 213). Como um segundo passo, na década de 1990, as empresas foram reestruturadas, tornando-se mais modernas, independentes e tecnologicamente avançadas, para assim terem sua estrutura societária aberta parcialmente para acionistas do mundo interno (Ibidem pp. 213- 214). A subsidiária de CNPC ganhou o nome de PetroChina (Idem).

Hoje, estas empresas são consideradas híbridas, situando-se no meio do espectro entre as tradicionais empresas privadas e estatais de petróleo. Ao mesmo tempo em que o governo ainda é o acionista majoritário e define a pauta de negócios, cumprindo objetivos nacionais em termos de energia, desenvolvimento econômico e política externa, as

empresas são movidas por fortes objetivos comerciais e procuram atender aos interesses dos seus investidores (Ibidem, pp. 217-218).

A CNPC é a maior produtora e distribuidora de petróleo e gás da China, seguida pela Sinopec; esta última, por sua vez, é a maior produtora e distribuidora de derivados de petróleo e produtos petroquímicos (LEWIS, Op. Cit., p. 11). A CNOOC é responsável pela exploração e produção offshore de petróleo e gás no exterior (Idem). Como inicialmente a CNPC centrava suas atividades na exploração e produção de petróleo, enquanto a Sinopec focava suas atividades no downstream da cadeia, como parte da reestruturação das empresas em 1998, a fim de criar duas empresas integradas verticalmente, foram transferidos oito campos de petróleo da CNPC para a Sinopec, e quatro refinarias da Sinopec para a CNPC (Idem).

A China tem uma presença cada vez maior na exploração e produção de petróleo em nível global, e sua estratégia de garantia da segurança energética também abrange a construção de uma rede extensas de dutos para reduzir a dependência de rotas marítimas e fortalecer suas relações com países fornecedores (YERGIN, Op. Cit., pp. 214-215). O impacto da abertura está evidente no mundo todo, e hoje as empresas chinesas competem com sólidas empresas americanas, europeias, do Oriente Médio, russas, asiáticas e latino-americanas (Ibidem, p. 219):

Existem companhias de petróleo chinesas em atividade em países da África e da América Latina (a exemplo de empresas chinesas de outros setores). Mais perto de casa, elas adquiriram ativos petrolíferos significativos no vizinho Cazaquistão e, depois de algumas tentativas, alcançaram algumas posições na Rússia. Estão desenvolvendo gás natural no Turcomenistão. Retardatários na indústria internacional do petróleo, os chineses chegaram armados não apenas com habilidades nos campos de petróleo, mas também com a disposição e os recursos financeiros necessários para pagar um preço mais elevado para entrar no jogo. Além disso, particularmente na África, se tornaram parceiros por escolha ao oferecer um “valor agregado” muito significativo. Ou seja, levam consigo pacotes de desenvolvimento financiados pelo governo – ajudando a construir ferrovias, portos e estradas -, algo que não costuma fazer parte da caixa de ferramentas das empresas ocidentais

tradicionais41. [...] Os bancos chineses, coordenados com as companhias de petróleo chinesas, também concederam empréstimos multibilionários a diversos países que serão pagos com petróleo e gás ao longo de vários anos (YERGIN, Op. Cit., p. 215).