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A GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA DO PETRÓLEO Apesar das apreensões de muitos, o mundo provavelmente não

1.1 O MUNDO ESTÁ FICANDO SEM PETRÓLEO?

A primeira aparição do “fantasma da escassez” ocorreu logo nos primeiros anos de surgimento da indústria petrolífera moderna, na Pensilvânia, Estados Unidos, no final do século XIX – período em que o petróleo era utilizado tão somente para iluminação e sua natureza ainda era envolvida em mistério; devido especialmente à falta de conhecimento acerca dos hidrocarbonetos, acreditava-se que o “óleo negro” poderia ser um fenômeno apenas temporário: “os poços poderia jorrar petróleo e depois secar por razões totalmente desconhecidas” (YERGIN, 2014, p. 241).

Porém, logo foram descobertos novos campos em Ohio e Kansas, e posteriormente os enormes campos de Oklahoma e Texas, justamente quando o automóvel ultrapassava o mercado de iluminação como maior fonte de demanda. As inovações da mobilidade – carros, aviões e caminhões – foram amplamente adotadas na indústria militar, e com a Primeira Guerra Mundial o petróleo foi elevado à categoria de recurso estratégico; a crescente demanda, no entanto, gerou escassez nos Estados Unidos, e o “fantasma da escassez” voltou a assombrar pela segunda vez.

Novamente, porém, com as novas tecnologias, em especial a sísmica, a escassez não durou muito tempo: foram descobertas novas

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Tais mecanismos serão tratados com mais detalhes no decorrer dos dois primeiros capítulos.

reservas nos Estados Unidos e em outros países, transformando o excedente em choque de oferta. Este excedente tornou-se uma enorme reserva estratégica, principalmente aos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial: dos sete bilhões de barris usados na guerra pelos Aliados, seis bilhões eram provenientes dos Estados Unidos (Ibidem, p. 243). Sendo assim, “a Segunda Guerra Mundial terminou, como a Primeira, com um profundo reconhecimento da importância estratégica do petróleo – e, pela terceira vez, com o medo disseminado de que ele fosse acabar” (Idem).

Na década de 1950, mais da metade da produção mundial de petróleo se concentrava nos Estados Unidos, porém esta havia crescido muito pouco desde 1930 (KLARE, 2013, p. 25). Além disso, o medo de esgotamento do petróleo no pós Segunda Guerra foi intensificado pelo fato de que os Estados Unidos se tornaram importador de petróleo, após décadas de autossuficiência7. Apesar dos temores, entretanto, as décadas de crescimento econômico após a Segunda Guerra Mundial foram acompanhadas pelo aumento da oferta de petróleo e a descoberta de enormes reservas no Oriente Médio, por exemplo. A crescente demanda de energia, impulsionada pela industrialização de diversos países, principalmente na Europa e o Japão, incentivou as grandes corporações a buscarem novas fontes de petróleo em locais antes inexplorados.

Entre 1950 e 2001, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial aumentou 600% em termos reais, saltando de 5,3 para 37,2 trilhões de dólares8 (MADDISON apud KLARE, Op. Cit., p. 23). Este aumento promoveu uma “necessidade insaciável de recursos de todos os tipos: energia para transporte, manufatura e geração de eletricidade; minerais para construção, infraestrutura e produtos de consumo; e comida e água para sustentar uma crescente (e urbanizada) população” (KLARE, Op. Cit., p. 23). No que diz respeito ao petróleo, especificamente, de 1950 a 2000 evidenciou-se um aumento na produção em 618%, saltando de 3,8 para 27,3 bilhões de barris (Ibidem, p. 24).

Em outras palavras, a crescente demanda tornava necessária a exploração para além das reservas bem estabelecidas na América do Norte, Europa e União Soviética. Deste modo, foram descobertas

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Apesar de terem se tornado um país importador de petróleo, após décadas de autossuficiência, durante vários anos, o estabelecimento de cotas nos Estados Unidos limitou as importações a cerca de (10% do consumo total de petróleo (YERGIN, 2014, p. 243).

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reservas importantes, como os gigantes campos de Ghawar, na Arábia Saudita, e Cantarell, no México, campos essenciais para a oferta de petróleo na economia mundial até hoje. A partir da década de 1960, com a maioria das reservas em terra já descobertas, e a demanda ainda crescente, as empresas passaram a explorar reservas em águas costais, usualmente adjacentes a camposonshore já existentes9.

A tendência de queda dos preços nos anos de 1959 e 1960, gerada pelo aumento da produção em novos locais, culminou em cortes no preço mundial pelas grandes companhias petrolíferas – fato este que levou à formação da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) por cinco países10 que objetivavam defender suas receitas. Ao mesmo tempo em que a oferta abundante propiciou o crescimento econômico do período, principalmente da Europa e do Japão, a crescente demanda passou a pressionar a produção; esta, no início da década de 1970, começou a se aproximar do limite da sua capacidade. Também crescia o nacionalismo e as tensões no Oriente Médio, e o choque do petróleo de 1973 pareceu comprovar a tese da escassez iminente que começava a tomar vulto no período: a teoria do “pico do petróleo”, ou “pico de Hubbert”, defendia que a produção mundial de petróleo encontrava-se no nível mais alto que poderá alcançar (ou, pelo menos, próximo a este) e que o mundo estaria se encaminhando para um período de declínio na produção de petróleo.

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A exploração de petróleo pode acontecer em dois diferentes locais: onshore e offshore. Os termos referem-se à produção em terra (onshore), de onde a maior parte do petróleo mundial é extraída, e à produção em qualquer profundidade no oceano (offshore), que vem ganhando cada vez mais importância nas últimas décadas. A maioria dos países que começaram sua exploração offshore são países costais, que simplesmente direcionaram a exploração para o mar assim que as inovações tecnológicas tornaram possível (FALOLA; GENOVA, 2005, p. 09).

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A OPEP foi formada em 1960 por cinco países produtores de petróleo, a Venezuela, Arábia Saudita, Kuwait, Iraque e Irã, em uma tentativa de adquirir maior controle sob as atividades das companhias privadas de petróleo que produziam em seu território. Após a Segunda Guerra Mundial, os países produtores de petróleo se encontravam cada vez mais dependentes das receitas provenientes de tal indústria, porém o governo não possuía controle direto sobre o setor, dominado por poucas empresas internacionais que capturavam a maior parte das rendas (LINDE, 2000, p. 25). A sensação de dependência impulsionou a criação da OPEP e a tentativa de maior apropriação das rendas petrolíferas.

Esta teoria, proposta pelo geofísico estadunidense Marion King Hubbert em 1956, se baseia em um modelo de produção do petróleo cujas pesquisas haviam sido realizadas desde a década de 1940, considerando os 48 estados continentais dos Estados Unidos. Hubbert constatou, por meio de seus estudos, que a produção de petróleo nos Estados Unidos atingiria seu pico entre 1965 e 1977, com o ponto médio entre 1969 e 1971. Conforme explicado por Kerr (2007),

Este modelo, baseado no cálculo do volume das reservas disponíveis e na velocidade da extração deste recurso, permitiu a Hubbert criar um modelo matemático da produção do petróleo. Se os dados do volume das reservas estivessem corretos, seria possível projetar a curva da produção de um único poço de petróleo, de campos ou de províncias petrolíferas inteiras ou mesmo de um país inteiro. Teoricamente, a posse dos dados completos sobre as reservas globais permitira projetar a curva de produção mundial (KERR, Op. Cit., p. 47). A curva de produção de um poço consistiria em uma etapa de crescimento de produção, seguida de um ponto em que se alcançaria o auge da sua capacidade (o pico de Hubbert), mantendo-se assim por um tempo, e por fim uma fase de depleção ou declínio, levando ao esgotamento do poço (Idem); a curva assumiria a forma simétrica de um sino: “o lado do declínio seria a imagem espelhada do lado ascendente” (YERGIN, 2014, p. 251). E, de fato, apesar da controvérsia, a produção do petróleo nos Estados Unidos chegou ao seu pico em 1970, comprovando a teoria de Hubbert;

Ao longo de toda a década de 1960, mesmo com importações, a produção doméstica havia suprido 90% da demanda. Agora não mais. Para suprir suas necessidades cada vez maiores, os Estados Unidos deixaram de ser um pequeno importador para se tornar um grande, profundamente envolvido no mercado mundial de petróleo (Ibidem, p. 248).

Neste contexto de apreensão ocorreu o Choque do Petróleo de 1973, uma resposta dos países árabes exportadores à ajuda dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur. As consequências foram estrondosas: “o mercado de petróleo entrou em pânico e, em questão de meses, os preços quadruplicaram. Voltaram a dobrar entre 1978 e 1981,

quando a Revolução Iraniana derrubou o Xá do Irã, pró-Ocidente, e provocou disrupções no fluxo de petróleo” (Ibidem, p. 244). Iniciou-se, também, uma nova corrida por fontes alternativas de petróleo:

O temor de uma escassez permanente provocou uma busca frenética de novas fontes e o acelerado desenvolvimento de recursos. Novas províncias foram descobertas e desenvolvidas, em North Slope, Alasca, e no mar do Norte. Ao mesmo tempo, políticas governamentais nos países industriais promoveram maior eficiência de combustível em automóveis e estimularam as indústrias de energia elétrica a se afastarem do petróleo e aumentarem o uso do carvão e da energia nuclear (Idem).

Devido à alta dos preços do petróleo na década de 1970, como veremos a seguir, locais inéditos e desafiadores começaram a ser explorados: novos desenvolvimentos em campos offshore e ambientes semiárticos, conforme citados acima, tornaram-se economicamente viáveis devido a inovações tecnológicas e investimento em pesquisa e desenvolvimento pelas grandes empresas. Também se iniciou, por conseguinte, uma reorganização no posicionamento dos Estados Unidos com relação ao Oriente Médio, maior região produtora de petróleo até os dias atuais. Até a década de 1960, os Estados Unidos, após “herdarem” o controle da região dos ingleses, preferiam agir indiretamente, usando a Arábia Saudita e o Irã como representantes de seus interesses, além do apoio a Israel a fim de estabelecer “um sólido posto avançado de poder norte-americano por procuração” (HARVEY, 2004, p. 26).

Entretanto, ambos os eventos da década de 1970 mostraram a fragilidade de tal estratégia, impulsionando a chamada Doutrina Carter na década de 1980, segundo a qual seriam utilizados todos os meios necessários, inclusive a força militar, para assegurar o fluxo contínuo de petróleo para os Estados Unidos (KLARE, 2004, p. 207)11. Estabeleceu-

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A Doutrina Carter foi articulada pelo Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter em janeiro de 1980, após a invasão da União Soviética do Afeganistão e a queda do Xá do Irã, e desde então continuou sendo a política do país nas questões relacionadas ao petróleo. O princípio foi posto em práticas em diversas ocasiões: a primeira vez em que os Estados Unidos usaram a força militar foi em 1987-1988, para proteger os tanques petrolíferos do Kuwait dos mísseis e ataques navais iranianos (Operação Earnest Will), e depois em 1990-1991, para

se o compromisso de manter aberto o estreito de Hormuz e manutenção de uma presença militar constante na região (HARVEY, Op. Cit., p. 27).

Outros dois importantes desdobramentos da década foram a retomada das preocupações com segurança energética, e o consequente esforço pela criação de um regime internacional que a sustentasse: sendo assim, tendo em vista este objetivo, em 1974, surgiu o Tratado Internacional de Energia, que se desdobrou na criação da Agência Internacional de Energia (AIE) – organização que objetivava a defesa dos interesses dos países consumidores de petróleo12 (YERGIN, 2014, p. 282). O petróleo passou a ocupar, como nunca antes, o centro dos holofotes na geopolítica e geoeconomia mundial.

Após os choques da década de 1970, a instabilidade dos preços do petróleo passou a ser um elemento constante da economia política internacional13. As relações entre a demanda e a oferta de petróleo mundial às vezes geram crises econômicas, e às vezes são afetadas por elas; somam-se ainda os fatores tecnológicos e geopolíticos, que influenciam fortemente nas dinâmicas dos preços mundiais do petróleo. Ou seja, a grande questão a ser ressaltada neste momento é que a história da indústria do petróleo, em sua totalidade, é dominada por diversas destas forças, que interagem em um ambiente político e econômico global. No século XXI, as expectativas novamente retirar as forças iraquianas do Kuwait (Operação Tempestade no Deserto) (KLARE, 2006, p. 207).

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A Agência Internacional de Energia (AIE), fundada após o primeiro choque do petróleo na década de 1970, é uma organização internacional com sede em Paris que tem como objetivo da garantia de segurança energética para os seus membros. A AIE foi concebida como um meio de os países consumidores de petróleo fazerem frente ao poder da OPEP (YERGIN, 2014, p. 283).

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O impacto das medidas governamentais tomadas na década de 1970 e o desenvolvimento das novas províncias de petróleo foi enorme e rápido: em cinco anos, o que deveria ser a escassez permanente transformou-se em um enorme choque de oferta (YERGIN, 2014, p. 244). Os preços do petróleo despencaram novamente em 1986 (devido ao aumento da concorrência e à queda da demanda que se seguiu às crises da década de oitenta) para depois recuperarem-se no final de 1980 e atingirem seu pico durante a crise do Golfo de 1990, seguindo-se um período de estabilização na década de noventa. Após a crise asiática do final de década de 1990, que causou uma queda generalizada nos preços, no início do século XXI os preços voltaram a subir.

convergiram para, pela quinta vez, o “fantasma da escassez” voltar a fazer parte dos debates em torno da oferta mundial do recurso do qual a economia mundial tanto depende.