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O BRASIL E A CADEIA MERCANTIL DO PETRÓLEO O moderno Sistema-Mundo capitalista, conforme destacado no

2.3 A INSERÇÃO DO BRASIL NA CADEIA MERCANTIL DO PETRÓLEO

2.3.1 Histórico

O desenvolvimento da indústria brasileira do petróleo entrelaça- se, evidentemente, tanto com os movimentos geográficos e históricos da economia-mundo, em geral, como com o processo de consolidação e desenvolvimento da cadeia mercantil do petróleo. Uma importante característica das cadeias mercantis é o fato de serem, necessariamente, transnacionais, abrangendo diferentes Estados: a indústria nacional do petróleo no Brasil, desde seu princípio, esteve inserida na cadeia mercantil global desta mercadoria.

A história do petróleo no Brasil será dividida em quatro períodos: o período Pré-Petrobras (1850-1953); o período de exclusividade da Petrobras (1954-1997); o regime de concessão estabelecido pela Lei do Petróleo (1997); e a descoberta do pré-sal, anunciada em 2007, que possibilitou posteriormente o regime de partilha da região em 201061. Em todas as etapas esteve presente o debate a respeito do papel do Estado brasileiro na atividade petrolífera do país, tomando vieses mais nacionalistas ou mais liberais dependendo do contexto doméstico e internacional.

2.3.1.1 Os Primeiros Tempos (1850-1953)

O início das pesquisas de petróleo no Brasil data da segunda metade do século XIX, período no qual, ainda vigente a Constituição Imperial de 1824, não havia no país um conjunto específico de leis que regulassem a exploração de recursos minerais. Porém, já havia sido estabelecida uma distinção entre propriedade territorial e propriedade mineral, que assegurava o domínio das riquezas do subsolo ao Estado, cabendo-lhe outorgar concessões de exploração para particulares, brasileiros ou estrangeiros (ANP, 2015, p. 14):

Em 1858 foram registradas as duas primeiras concessões para a exploração de carvão, turfa e betuminous shale nos arredores do rio Maraú e em Ilhéus, no estado da Bahia, região hoje

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A divisão dos três primeiros períodos apresentada aqui foi feita por Lucchesi (1998).

denominada Bacia de Camamú, onde algumas emanações de óleo e a ocorrência de folhelho betuminoso eram conhecidas. Em 1859 foram registradas emanações de óleo em cortes da estrada de ferro em construção no Recôncavo Baiano, arredores de Salvador. Em 1864 Thomas Dennys Sargent requereu e recebeu concessão do imperador para pesquisa e lavra de turfa e petróleo na mesma região de Ilhéus e Camamú. Em 1867 foram concedidos direitos de exploração de betume na região das bacias costeiras de São Luís e Barreirinhas. Entre 1872 e 1874 várias concessões foram registradas no interior do estado de São Paulo, nos arredores de Rio Claro, região da Bacia do Paraná conhecida pela ocorrência de emanações de óleo e gás (LUCCHESI, 1998, p. 20).

Não tardaram a surgir conflitos com os proprietários das terras das áreas concedidas para a exploração; porém, para o Estado brasileiro, evidente a falta de recursos e esforços para exploração das riquezas mineiras, “não era de conveniência pública que as riquezas do mencionado solo ficassem sepultadas nas entranhas da terra quando empreendedores ativos e capitais suficientes apareciam para aproveitá- las eficazmente” (BRASIL, 1871 apud ANP, Op. Cit., p. 16).

A primeira fase deste período, até 1939, foi marcada pelo amadorismo e conhecimento não científico, de maneira esparsa, da existência de algumas emanações de óleo e gás em algumas regiões brasileiras (LUCCHESI, Op. Cit., p. 20). Para suprir os problemas de mão de obra mais especializada, em 1875, foram criadas a Comissão Geológica do Brasil, extinta em 1878, que tinha como objetivo a realização de um levantamento preliminar dos possíveis sítios geológicos do Império62; e mais importante, a Escola de Minas de Ouro Preto (EMOP), destinada ao ensino de mineralogia no Brasil (ANP, Op. Cit., p. 17). Aumentaram-se, assim, as referências ao petróleo na legislação e a preocupação com a sua exploração, porém ainda sem consenso a respeito dos direitos de propriedade.

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Também foi criada em 1886 a Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo, devido ao interesse preferencial das explorações na Bacia do Paraná, sobretudo em São Paulo (ANP, Op. Cit., p. 20).

Após a Proclamação da República, em 1889, e com a promulgação da primeira constituição republicana, de 1891, as normas vigentes no Império para as atividades de mineração foram profundamente modificadas. Inspirada no modelo norte-americano, com ideário liberal e federativo, a Constituição de 1891 vinculou a propriedade do solo à do subsolo, transferindo para as mãos dos proprietários de terras a pesquisa e a exploração de minérios (BRASIL, 1891 apud ANP, Op. Cit., p. 22). Além do mais, transferiu-se para os estados a outorga de concessões de exploração mineral, reduzindo-se as terras públicas sob a jurisdição da União (Idem). O governo federal, deste modo, afastou-se das atividades de exploração de petróleo e transferiu a pesquisa para a iniciativa privada. Neste quadro, foi descoberto o que foi considerado o primeiro poço de petróleo brasileiro, pelo fazendeiro Eugênio Ferreira de Camargo, em Bofete (São Paulo), onde foram recuperados dois barris de petróleo (LUCCHESI, Op. Cit., p. 20).

Porém, foram poucas as iniciativas privadas, e a nova legislação dificultou ainda mais a pesquisa de minérios: a tendência era a proibição por parte dos proprietários de qualquer tipo de atividade em suas terras (ANP, Op. Cit., p. 22). Devido ao impacto negativo da legislação liberal, o Estados brasileiro aos poucos retomou a regulação das atividades de mineração; o primeiro passo efetivo foi a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB) em 1907 (BRASIL, 1907 apud ANP, Op. Cit., p. 26). O resultado foi um aumento das atividades de perfuração e uma maior profissionalização da atividade, atuando em conjunto com a Escola de Minas de Ouro Preto. Os resultados até 1930, no entanto, foram desanimadores63:

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Em 1904, no governo Rodrigues Alves, por solicitação do presidente, foi organizada a Comissão White, chefiada pelos norte-americanos Israel Charles White e David White. A Comissão apresentou, quatro anos depois, um relatório extremamente cético a respeito das possibilidades de se encontrar petróleo em quantidade suficiente em qualquer parte da região sul do Brasil (ANP, Op. Cit., p. 26). Em 1915, o geólogo Euzébio Paulo de Oliveira publicou um texto refutando o resultado da Comissão White, estimulando a criação da Empresa Paulista de Petróleos, em 1917 por empresários paulistas, inclusive o presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (ANP, Op. Cit., p. 27).

Dispondo de verbas modestas, equipamentos inadequados e pouco interesse governamental, o SGMB não registrou qualquer sucesso efetivo em sua busca por petróleo no Brasil. Em contrapartida, foi possível reunir um imenso volume de informações sobre a geologia do país, que serviria de base para futuras investigações, aperfeiçoamento e treinamento de uma equipe de geólogos brasileiros (ANP, Op. Cit., p. 29). Na primeira década do século XX, sendo assim, gradualmente o processo de maior afirmação do governo sobre o planejamento e execução das atividades relacionadas aos recursos minerais brasileiros vai tomando forma64 – além de ser percebida uma crescente nacionalização das atividades65: o interesse estrangeiro pelo subsolo brasileiro tornou-se motivo de preocupação no Congresso Nacional, devido à “política dos países europeus e dos Estados Unidos em favor de suas companhias e da intromissão destas empresas na política interna dos países latino-americanos” (Idem). Havia a dúvida sobre se o capital estrangeiro poderia contribuir para a industrialização sem ser “um instrumento de dominação econômica puro e simples”, e sobre o papel da “ação soberana do Estado para controlar a força do capital estrangeiro em território nacional” (MOURA, 1986 apud ANP, Op. Cit., p. 34)

A Primeira Guerra Mundial acelerou o processo ao tornar explícita a crescente importância do petróleo para a manutenção da economia internacional e do poder dos Estados, e a progressiva industrialização brasileira já colocava o petróleo como importante questão de interesse nacional. No Brasil, já na década de 1920 a venda

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A Lei Calógeras (BRASIL, 1915 apud ANP, Op. Cit., p. 34) de 1915 foi a primeira intervenção do Governo Federal para regulamentar as atividades de mineração do país e estabelecer limites aos direitos absolutos dos proprietários do solo, conferidos pela Carta de 1891. Na década de 1920, novas alterações deram início às bases legais para a intervenção do Estado no setor mineral: a Lei de Minas (BRASIL, 1921 apud ANP, Op. Cit., p. 34) autorizava o Governo Federal a promover pesquisas a partir de apenas uma comunicação ao proprietário das terras (ANP, Op. Cit., p. 34).

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Destaca-se a proibição, em 1926, da transferência para estrangeiros de “minas e jazidas minerais necessárias à segurança e à defesa nacionais” e as terras onde essas minas estivessem situadas (ANP, Op. Cit., p. 34).

de gasolina, óleo combustível, óleo diesel e lubrificantes eram controlados pelo oligopólio formado pela Standard Oil e Anglo- Mexican (subsidiária da Shell), num primeiro plano, secundadas pela Atlantic (descendente da Standard), Texaco e Caloric. No entanto, nos anos seguintes as empresas menores foram absorvidas pelas grandes companhias, que em 1928 respondiam por 98,56% da gasolina e 95,88% do querosene que o Brasil importava (ANP, Op. Cit., p. 33).

O consumo da gasolina crescia no Brasil: “enquanto a importação de querosene se estabilizou em torno de 130 mil m³ por ano, entre 1915 e 1930, as compras de gasolina aumentaram mais de dez vezes (de 28 mil para 345 mil m³) e as de óleo combustível cresceram de 80 mil para 355 mil metros cúbicos no mesmo período” (Idem). As grandes companhias petrolíferas internacionais não tinham interesse em investir na prospecção de jazidas no Brasil, e o refino acontecia principalmente no Golfo do México e nas Antilhas Holandesas, em refinarias norte-americanas e inglesas (Ibidem, p. 49). Devido aos altos riscos de exploração do petróleo no Brasil, o interesse das grandes petrolíferas internacionais era a manutenção do país como mercado consumidor (RODRIGUES NETO, 2012, p. 03):

Na primeira metade do século XX, essas corporações fizeram o reconhecimento de quase todas as regiões do planeta e avaliado suas possibilidades petrolíferas. Descobriram, nesse período, algumas das mais importantes áreas produtoras do mundo, como na Venezuela, no México, no Oriente Médio e, naturalmente, nos Estados Unidos e no Canadá. A principal causa do desinteresse das grandes companhias e da demora em transformar o país em produtor de petróleo foi à natureza pouco generosa de nossas bacias sedimentares, que exigem grande esforço e perseverança para identificar os campos de petróleo, tornando a exploração de petróleo no Brasil uma atividade de elevado risco. A estratégia das grandes empresas multinacionais do setor petrolífero - ESSO, SHELL e TEXACO - seria a manutenção do Brasil como mercado, potencialmente, consumidor de petróleo como matéria-prima para a indústria, bem como, os subprodutos derivados dessa fonte energética, ou seja, manter a atividade de distribuição dos derivados do petróleo (Idem).

O processo de centralização e nacionalização culminou, já sob o governo de Vargas, na Nova República, na criação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em 1934, que centralizou todas as atividades relacionadas com a exploração dos bens do subsolo, e na Constituição de mesmo ano, nacionalista e intervencionista, que colocou as riquezas do subsolo sob o controle da União a partir do Código de Minas (ANP, Op. Cit., p. 38-40). As autorizações ou concessões para aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, além disso, poderiam ser dadas exclusivamente a brasileiros ou empresas organizadas no Brasil – deste modo, as concessões anteriores foram canceladas, necessitando de autorização federal para serem renovadas, e todas as atividades dos governos estaduais foram transferidas para o federal (Ibidem, p. 41).

Graças ao SGMB e ao DNPM, a atividade petrolífera no Brasil se tornou mais organizada, porém ainda carente de recursos (LUCCHESI, Op. Cit., p. 21). A partir de 1934, estabeleceram-se como prioritárias a faixa costeira do nordeste, de Ilhéus (Bahia) a Aracati (Ceará), e a bacia do rio Javari, no Acre (ANP, Op. Cit., p. 42). Antes, as explorações se davam majoritariamente em São Paulo e nos estados sulistas da Bacia do Paraná. Como resultado, a descoberta do campo de Lobato (Bahia) iniciou uma segunda fase do período Pré-Petrobras, de 1939 a 1953 (LUCCHESI, Op. Cit.), na qual a pesquisa concentrou-se no Recôncavo Baiano, onde foram descobertos novos poços: de 1941 até 1953, foram descobertos os campos de Candeias, Aratú, Dom João e Água Grande, até hoje os maiores campos terrestres já encontrados no Recôncavo Baiano (Ibidem, p. 21).

A atividade do petróleo a partir do Estado Novo e da Constituição de 1937 passou por uma fase de reestruturação e fortalecimento, refletindo a tese nacionalista e o corporativismo adotado pelo Estado brasileiro no período: “a inovação estadonovista estava na exclusividade para brasileiros e na progressiva nacionalização dos recursos minerais e das indústrias consideradas básicas ou essenciais” (ANP, Op. Cit., p. 52). Ou seja, se a Constituição de 1934 autorizava concessões para empresas organizadas no Brasil, a partir de 1937 determinou-se que tais autorizações somente seriam atribuídas a brasileiros ou empresas constituídas por acionistas brasileiros66. Em

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O intervencionismo estatal no período 1937-1945 tinha uma visão estratégica de desenvolvimento do país que objetivava propiciar o salto qualitativo na industrialização brasileira; as políticas também resultaram na criação de grandes empresas e órgãos estatais como: o Conselho Nacional de Petróleo (CNP)

1938, o presidente Getúlio Vargas, também assinou o decreto que nacionalizava a indústria do refino de petróleo (RIBEIRO, 2001 apud ZANIRATO; ZULATO, 2009, p. 18). O nível de consumo de derivados no Brasil já causava uma “dependência incômoda” (LUCCHESI, Op. Cit., p. 21) de produtores externos:

O mercado interno brasileiro era modesto (representava apenas 25% do mercado argentino em 1935), havia sofrido os efeitos da crise de 1929, mas em 1933 já se recuperava. Nesse ano, as importações de gasolina registraram o mesmo volume de 1929 (2.496.000 barris). Entre 1931 e 1940, a demanda nacional de petróleo aumentou a uma taxa média anual de 6,4% (ANP, Op. Cit., p. 49).

Além do mais, a Segunda Guerra Mundial exacerbava a urgência da questão do abastecimento de petróleo; sendo assim, em 1939 foi criado o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) e o abastecimento nacional de petróleo foi elevado à categoria de interesse público, sob controle do órgão recém criado67 (ANP, op cit, p. 58-59). O CNP era bem mais flexível que o DNPM e dispunha de verbas maiores, o que permitiu, por exemplo, a contratação de firmas prestadoras de serviços, como as norte-americanas Drilling and Exploration Co., encarregadas de perfurar poços, e a United Geophysical Co. (DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 23).

Com relação à pesquisa exploratória, o CNP representou também algum avanço. Se nos anos iniciais da exploração do petróleo no Brasil, a pesquisa utilizava-se principalmente da geologia de superfície, praticada por curiosos nas proximidades das emanações de óleo e gás, com o SGMB e o DNPM houve a incorporação de geólogos, engenheiros de minas e, posteriormente, da geofísica; a partir da criação do CNP, a exploração também passou a contar com a importante ferramenta da sísmica e sondas com maior capacidade de perfuração (LUCCHESI, Op. Cit., p. 21).

(1938); o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (1939); a Companhia Siderúrgica Nacional (1940); a Companhia Vale do Rio Doce (1942); a Companhia Nacional de Álcalis (1943) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945) (RODRIGUES NETO, 2012, p. 03).

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De 1938 a 1943, o general Horta Barbosa ocupou o cargo de presidente do CNP. Reconhecendo a importância militar e estratégica do petróleo, defendia que a indústria do petróleo deveria ser exclusivamente estatal; além disso, propunha que os investimentos brasileiros na cadeia mercantil do petróleo se concentrassem no refino, mais lucrativo e “vulnerável ao interesse do capital estrangeiro” (ANP, Op. Cit., p. 54), e, posteriormente, a receita obtida fosse investida na exploração e produção nacional de petróleo. Em outras palavras, a priorização do setor de refino decorria tanto do temor de que a atividade ficasse sob o controle das companhias estrangeiras, como do entendimento de que seria mais fácil chegar à produção de petróleo percorrendo-se a cadeia mercantil às avessas, integrando os elos a partir do refino. Na década de 1930, o Brasil possuía apenas três refinarias:

Duas ficavam no Rio Grande do Sul: a Destilaria Rio-Grandense de Petróleo S.A., em Uruguaiana, fundada em 1934, e a Companhia Brasileira de Petróleos Rio Grande, da Ipiranga S.A., fundada em 1937, em Rio Grande, ambas associadas a grupos uruguaios e argentinos. A terceira funcionava em São Caetano, nas proximidades da cidade de São Paulo: era a refinaria das Indústrias Reunidas F. Matarazzo S.A. (IMÊ), fundada em 1936, resultado da associação do Grupo Matarazzo com capitais italianos, e voltada exclusivamente ao abastecimento das empresas do grupo. Juntas, as três refinarias processavam apenas 1.650 barris de petróleo bruto por dia. Há ainda informações sobre uma quarta refinaria, a Refinaria Brasileira de Petróleo S.A., também localizada em São Paulo, que teria encerrado suas atividades em 1941 por dificuldades na obtenção de óleo cru (Ibidem, p. 65).

Todo o período Pré-Petrobras foi marcado por conflitos de ideias entre as propostas nacionalistas e liberais de condução da política econômica nacional, além de embates também entre empresários nacionais, as grandes petrolíferas internacionais e os órgãos públicos. Na década de 1930, o jornalista e escritor Monteiro Lobato foi um dos protagonistas da polêmica que se travou entre o capital privado nacional e os órgãos oficiais do governo, especialmente o DNPM, que passou a ser acusado de submissão aos interesses das petroleiras internacionais.

Para Lobato, na posição de um “agitador petrolífero” 68

(ALMEIDA, Op. Cit., p. 07), os trustes internacionais e as autoridades internacionais estavam agindo contra a extração de petróleo no Brasil, a fim de manter o país na posição de importador de óleo:

O petróleo está hoje praticamente monopolizado por dois imensos trustes, a Standard Oil e a Royal Dutch Shell. Como dominaram o petróleo, dominaram também as finanças, os bancos, o mercado do dinheiro; e como dominaram o dinheiro, dominaram também os governos e as máquinas administrativas. Esta redede dominação constitui o que chamamos os Interesses Ocultos. O Brasil, como o seu imenso território marcado em mil pontos de indícios de petróleo, constituía um perigo para esses trustes. [...] Os trustes sabem de tudo e sorriem entre si. Sabem que a partir de 1930 o brasileiro cada vez menos se utiliza do cérebro para pensar, como fazem todos os povos. Sabem que os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro... E lá entre si combinaram: – Nada mais fácil do que botar um tapa-olho nessa gente. Com um bom tapa-olho, eles, que vegetam de cócoras sobre um oceano de petróleo, ficarão a vida inteira a comprar o petróleo nosso; enquanto isso, iremos adquirindo de mansinho suas terras potencialmente petrolíferas, para as termos como reservas futuras. Quando nossos atuais campos se esgotarem, então exploraremos os “nossos”

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Monteiro Lobato foi um dos primeiros e mais importantes defensores da exploração do petróleo no Brasil. Em 1918, fundou a Empresa Paulista de Petróleo, que carecia de capitais, equipamentos e competências para efetuar atividades concretas (ALMEIDA, 2008, p. 06). No final dos anos 1920, durante sua estada como adido comercial do Brasil em Nova Iorque, Lobato aprofundou seus conhecimentos sobre o setor do petróleo, reconhecendo o mesmo como de grande importância para o tão almejado desenvolvimento nacional brasileiro. Já de volta ao Brasil, após a Revolução de 1930, Lobato passou a empreender campanhas de mobilização do interesse público e incitamento à ação do Estado na expansão do setor (Ibidem, p. 07). A trajetória e o papel de Monteiro Lobato na mobilização em torno do tema do petróleo podem ser apreendidos com maiores detalhes em ALMEIDA, 2008.

campos do Brasil (LOBATO, 1936, p. 15 apud ALMEIDA, Op. Cit., p. 07).

A chegada de Vargas ao poder na mesma década, e a progressiva nacionalização e intervenção estatal nas atividades petrolíferas, gerou atritos também com as grandes empresas internacionais que já atuavam no Brasil. Um importante exemplo foi o bloqueio inflexível por parte do CNP das propostas da Standard Oil para a construção de uma refinaria em Niterói. Já esta empresa empenhava-se em bloquear quaisquer esforços de industriais brasileiros em conseguir financiamentos nos Estados Unidos para a construção de refinarias, e pressionava o governo, oferecendo-se para construir as refinarias caso a legislação nacionalista fosse abandonada (DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 82). Em um episódio emblemático, Horta Barbosa determinou o desmantelamento de uma falsa refinaria que a Standard Oil montava em São Paulo, certamente com o objetivo de garantir, após a nacionalização do refino, seus direitos adquiridos (Ibidem, p. 87). Na década de 1940, também a Texaco, Atlantic e a Anglo-Mexican (Shell) propuseram a construção de refinarias no território brasileiro, bloqueadas pelo CNP (ANP, Op. Cit., p. 74).

A Segunda Guerra Mundial, ao elevar as atividades da guerra e o problema do desabastecimento como prioridades na pauta das discussões nacionais, colocou o debate entre as teses nacionalistas e liberais no segundo plano das preocupações nacionais. Em 1942, em meio à aproximação do Brasil aos Estados Unidos, Horta Barbosa deixa a presidência do CNP69, que foi assumida pelo Coronel João Carlos Barreto (além do mais, o vice, Fleury da Rocha, também se desligou em 1944). João Carlos Barreto traz consigo as ideias de “colaboração hemisférica”, defendidas pelo governo norte-americano para os planos econômico e militar, e reflete uma mudança no posicionamento

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Horta Barbosa se viu impossibilitado de levar adiante seu projeto de construção de uma refinaria estatal, tanto pela oposição interna no governo às atividades estatais no setor, como pelas dificuldades da guerra; as demais perspectivas de aumento da exploração e produção de petróleo também