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Expansão Material e o Domínio das Sete Irmãs

A GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA DO PETRÓLEO Apesar das apreensões de muitos, o mundo provavelmente não

1.5 PETRÓLEO E HEGEMONIA, SOB A ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

1.5.2 Expansão Material e o Domínio das Sete Irmãs

Assim como a indústria monopolista dividiu o mercado mundial, o capitalismo assumiu a forma de o imperialismo impulsionando a divisão do mundo entre as grandes potências coloniais, e a busca por riquezas e mercados desembocou no grande conflito armado que foi a Primeira Guerra Mundial. A constante dialética entre cooperação e competição, entre Estados e entre empresas, assume sua forma mais elevada, à medida que a crescente concentração de capitais exacerba as lutas por uma partilha mais vantajosa dos recursos e mercados da periferia.

Em face à ascensão do poder dos Estados Unidos, concomitante a uma ascensão também da Alemanha com base em uma indústria de

integração horizontal (LANDES, 1966 apud ARRIGHI, 1996, p. 296), o poder do Reino Unido de exercer as funções de governo do sistema interestatal foi afetado, conduzindo a uma nova fase de lutas pela supremacia mundial. Os Estados Unidos, porém, se encontravam em melhor posição que a Alemanha30, e se tornaram hegemônicos ao conduzir o sistema interestatal a um novo estado de ordem após as duas grandes Guerras Mundiais, reestruturando os princípios, normas e regras do Sistema de Vestfália e em seguida reformulando o sistema interestatal que haviam restabelecido (ARRIGHI, 1996, p. 65).

A hegemonia norte-americana, por meio da ideologia do american way of life, buscou a elevação do bem-estar dos cidadãos do mundo através de um “consumo em massa” em alto grau, tornando-se este o objetivo fundamental a ser perseguido pelos membros do sistema interestatal (Ibidem, p. 66)31. A defesa da descolonização somava-se aos

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No caso dos Estados Unidos, “o desenvolvimento que transformou o país no principal polo de atração de mão de obra, do capital e dos recursos empresariais da economia mundial esteve estreitamente vinculado ao âmbito continental atingido por sua economia doméstica” (ARRIGHI, 1996, p. 59). Ou seja, estavam em uma posição muito melhor do que a Alemanha, devido as suas “dimensões continentais, sua insularidade e sua dotação extremamente favorável de recursos naturais, bem como a política sistematicamente seguida por seu governo, de manter as portas do mercado interno fechada aos produtos estrangeiros, mas abertas ao capital, à mão de obra e à iniciativa do exterior” (Ibidem, p. 61). O capitalismo de corporações alemão foi “um pequeno fracasso econômico e um colossal fracasso político e social. Não obstante, seu desenvolvimento teve como efeito precipitar a crise terminal do regime de acumulação britânico, dando início à transição para o regime norte-americano” (Ibidem, p. 276).

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As estratégias do Estado no âmbito interno de manutenção da estabilidade e da ordem social por meio de uma contínua expansão da acumulação do capital e do consumo domésticos, a fim de garantir a paz, a prosperidade e a tranquilidade internas (HARVEY, 2004, p. 51), materializaram-se em um Estado desenvolvimentista, embasado em princípios keynesianos de gastos de governo e em um pacto entre capital e trabalho, que primava pelo bem-estar social e pela busca do pleno emprego (Ibidem, p. 54). No plano externo, alavancou-se um “keynesianismo social e militar” (ARRIGHI, 2008, p. 162), ou seja, buscava-se o pleno emprego, o elevado consumo de massa no Norte ocidental e o “desenvolvimento” no Sul global, por um lado, e por outro os enormes gastos com o rearmamento dos Estados Unidos e aliados e a configuração de uma rede de bases militares quase permanentes (Idem). O desenvolvimento desigual foi um “processo ‘de cima para baixo’ consciente e

objetivos propostos de abertura de comércio e de desenvolvimento econômico global, simbolizando também o desmantelamento dos antigos impérios e a defesa dos valores norte-americanos, retratados como defensores da liberdade (entendida basicamente em termos de livre mercado) e dos direitos à propriedade privada (HARVEY, 2004, pp. 51-52). Deste modo, não houve no período a ambição de ampliação territorial (Ibidem, p. 49).

O acordo de Bretton Woods32 criou o arcabouço internacional de comércio e desenvolvimento econômico que visava à estabilização do sistema financeiro; e, de fato, durante o período de expansão material da hegemonia norte-americana, “não há dúvida de que [...] o ritmo de expansão da economia mundial capitalista como um todo foi excepcional, segundo os padrões históricos” (ARRIGHI, Op. Cit., p. 307). Apesar de o crescimento econômico ser característica de todas as fases de expansão material da economia-mundo capitalista, nas quais o capital excedente é reinvestido no comércio e na produção de mercadorias, “em escala suficientemente maciça para criar condições de uma cooperação e uma divisão do trabalho renovadas, dentro e entre as distintas organizações governamentais e empresariais”, (Ibidem, p. 308), no ciclo norte-americano isso ocorreu em maior velocidade, escala e alcance do que nos ciclos anteriores (Idem). O sistema capitalista desenvolveu-se como um todo, apresentando-se como um processo de desenvolvimento desigual com relação às suas partes.

O desenvolvimento econômico e a defesa do consumo em massa difundida pela hegemonia norte-americana no período de expansão material, altamente baseados no uso do petróleo como fonte ativamente encorajado pelo Estado da guerra e do bem-estar social generalizante norte-americano” (Ibidem, p. 163).

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O acordo de Bretton Woods, de 1944, tinha como objetivo criar uma nova ordem econômica mundial – claramente liderado pelos Estados Unidos. As duas instituições criadas, o Banco Mundial (“Banco Internacional paa Reconstrução e Desenvolvimento”) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), iriam promover o investimento internacional e manter a estabilidade do câmbio, além de tratar de problemas de balanças de pagamento (HOBSBAWM, 1995, p. 269). Outros pontos do programa não desembocaram na criação de instituições específicas, ou foram implementados de maneira incompleta (Idem); a proposta da criação da Organização do Comércio Internacional tornou-se mais modesta, gerando apenas o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), uma estrutura com objetivo de reduzir barreiras comerciais por meio de barganhas periódicas (Idem).

energética, geraram uma situação na qual “a nossa sociedade se tornou uma ‘Sociedade do Hidrocarboneto’, e nós, na linguagem dos antropólogos, ‘o Homem do Hidrocarboneto’” (YERGIN, 2010, p. 14). Se em sua primeira atuação como “querosene” o petróleo já propiciou a extensão do dia de trabalho para a noite, o desenvolvimento da máquina de combustão interna movida pela gasolina inaugurou o início de uma nova civilização; suplementado pelo gás natural, o petróleo desbancou o carvão como fonte de energia para a indústria moderna e transformou a paisagem e o modo de vida contemporâneo (Ibidem, pp. 14-15). E, apesar dos problemas ambientais gerados pelo padrão de consumo atual e pela queima de combustíveis fósseis, o “homem do hidrocarboneto” não apresenta disposição de abrir mão de seu padrão de vida e consumo (Ibidem, p. 15).

Segundo Hobsbawm (1995), os “Anos Dourados” do pós-guerra viram uma expansão e uma “explosão” do que já vinha acontecendo na economia dos Estados Unidos no pré-1945 – o que pode ser notado pela mundialização da “Era do Automóvel”:

a era do automóvel há muito chegara à América do norte, mas depois da guerra atingiu a Europa e mais tarde, mais modestamente, o mundo socialista e as classes médias latino-americanas enquanto o combustível barato fazia do caminhão e do ônibus o grande meio de transporte na maior parte do globo. Se se pode medir o aumento da riqueza na sociedade ocidental pelo número de carros particulares – dos 750 mil da Itália em 1938 para os 15 milhões, no mesmo país, em 1975 (Rostow, 1978, p. 212; UN Statistical Yearbook, 1982, tabela 175, p. 960) -, podia-se reconhecer o desenvolvimento econômico de muitos países do Terceiro Mundo pelo aumento do número de caminhões (HOBSBAWM, 1995, p. 259). Deste modo, para Hobsbawm, muito do grande boom mundial do pós-guerra teria sido “um alcançar, ou no caso dos Estados Unidos, um continuar de velhas tendências” (Idem. Grifos nossos). Em outras palavras, as estruturas e os agentes criados nos Estados Unidos no período de expansão financeira britânica alçaram maturidade e passaram a liderar o ciclo de acumulação seguinte, sob a hegemonia dos Estados

Unidos. Isto implicou, na prática, na expansão do modelo fordista33 de produção – tanto para as indústrias de outros países, quanto para outros setores dentro do país hegemônico -, criando um mercado de massa, o que só foi possível devido ao baixo preço do petróleo durante todo o período de 1950 a 1973 (Ibidem, p. 258). A hegemonia dos Estados Unidos propiciou um período de estabilidade tanto no sistema internacional, quanto nos preços do petróleo.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos “herdaram” o controle do Oriente Médio, até então de responsabilidade inglesa. Conforme citado anteriormente, a preferência dos Estados Unidos foi inicialmente pelo envolvimento indireto no Oriente Médio, pois “os envolvimentos externos não deveriam interferir no consumismo doméstico” (HARVEY, Op. Cit., p. 51). Até a década de 1970, dois arranjos institucionais proporcionaram estabilidade ao mercado o petróleo: o primeiro foram os acordos firmados na década de 1940 pelas grandes empresas (as Sete Irmãs), que estabeleceram as regras de operação conjunta no Oriente Médio, e o segundo foram os contratos de concessão, firmados entre as grandes empresas e os países da região, que se mostraram robustos até meados da década de 1950 (TORRES FILHO, 2004, p. 190).

Além do controle da região por meio do capital transnacional, a supremacia militar incontestável dos Estados Unidos solidificou o controle do Oriente Médio através de transferências de armamentos para países-chave: a Arábia Saudita e o Irã, maiores produtores de petróleo e potências regionais dominantes, passaram a depender dos Estados Unidos para a sua segurança militar (BROMLEY, Op. Cit., p. 83). Deste modo, para a consolidação da hegemonia dos Estados Unidos, foi fundamental o controle do Oriente Médio e de suas reservas petrolíferas:

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Bastante resumidamente, o modelo fordista, criado pelo empresário norte- americano Henry Ford, era baseado na fabricação em massa e tinha como principal objetivo a redução dos custos de produção e o barateamento dos produtos – que poderiam ser vendidos para o maior número possível de consumidores.

[era fundamental] o controle do Oriente Médio, considerado parte do antigo Império Britânico, e absolutamente essencial para o controle econômico, militar e político do globo – não sendo o motivo menos importante o fato de ser ele o repositório da maioria das reservas de petróleo comprovadas do mundo. Os Estados Unidos iniciaram então uma longa série de operações declaradas e encobertas na região durante a década de 1950, tendo a principal sido a derrubada em 1953 do governo iraniano democraticamente eleito de Mossadegh, que nacionalizara companhias de petróleo de propriedade estrangeira. O sucesso das iniciativas norte-americanas foi claro. Entre 1940 e 1967, empresas dos Estados Unidos aumentaram seu controle das reservas de petróleo do Oriente Médio de 10% a algo próximo de 60%, ao mesmo tempo em que as reservas sob o controle britânico caíram de 72% em 1940 para 30% em 1967 (MONTHLY REVIEW, 2002 apud HARVEY, 2004, p. 26).

Porém, dois eventos marcaram uma ruptura na estabilidade do mercado mundial de petróleo após a década de 1950: o primeiro foi a entrada de concorrentes, excluídas dos acordos anteriores, como, por exemplo, a estatal italiana Ente Nazionale Idrocarburi (ENI), e posteriormente empresas japonesas e norte-americanas independentes; e o segundo foi o retorno da União Soviética ao mercado internacional como exportadora (TORRES FILHO, Op. Cit., p. 193). Diante do excesso de oferta, os preços começaram a ceder, criando o ambiente para a formação da OPEP na década de 1960. Pode-se notar um ponto de inflexão com relação à história, pois, apesar de o processo de cartelização sempre ter sido predominante na indústria do petróleo, a diferença foi que, agora, o cartel foi estabelecido pelos Estados produtores; e a novidade na história do mundo foi que estes Estados eram os em desenvolvimento (LINDE, 2000, p. 03)

Além disso, o surgimento da OPEP teve como pano de fundo as contradições próprias da hegemonia norte-americana, neste caso as tensões entre a defesa da descolonização e da liberdade, por um lado, e a crescente intervenção nos assuntos domésticos dos demais países, por outro. A derrubada do regime de Mossadegh no Irã retrata a preferência pela manutenção da ordem e da estabilidade sobre a democracia, apesar

da retórica norte-americana em defesa da liberdade: “logo, o país passou da posição de patrono dos movimentos de libertação nacional a opressor de todo movimento democrático ou populista que buscasse mesmo um caminho suavemente não-capitalista [...]” (HARVEY, Op. Cit., p. 56).

O nacionalismo, somado à imagem de Estado desenvolvimentista dos próprios Estados Unidos no período após a Segunda Guerra Mundial, incentivou uma série de reorganizações na indústria do petróleo mundial. A propriedade do Estado sobre setores estratégicos, segundo Linde (2000, p. 03), era uma característica aceita na estrutura de economia mista que se instalou no período de expansão material. Além disso, havia o próprio processo de emulação das vias de desenvolvimento dos Estados Unidos, pois estes, em posição hegemônica, haviam adotado diversas estratégias de Estado desenvolvimentista em seus âmbitos interno e externo.

The grounds for the state's dominant role in the economy must also be found in the dominant post-war economic thought, the approach to development strategies and the political and economic order in the world. The role of the state in the economy in the post-1945 period was relatively large compared to other periods in modern economic history, and continued to grow until the late 1970s (Ibidem, p. 26).

A preferência pelo Estado na posse e operação dos recursos naturais era particularmente forte na América Latina, no norte da África e no Oriente Médio, devido à fraqueza do setor privado, aos objetivos sociais e de desenvolvimento dos governos, e talvez à crença no papel benevolente do Estado (LINDE, 2000, p. 04). Até mesmo em países do centro capitalista, como a Noruega e o Reino Unido, foram dadas prioridades aos setores estatais na produção do mar do Norte (Ibidem, p. 06) e o Estado passou a intervir na busca pela internalização de uma indústria de petróleo competitiva em seus domínios.

Em suma, principalmente a partir da década de 1970 o controle da economia do petróleo pelas Sete Irmãs começou a erodir pelo aumento da competição e pela nacionalização da indústria pelos países da OPEP. Ou seja, houve a quebra parcial da integração vertical em algumas regiões, nas quais a produção foi nacionalizada, e uma dissolução do monopólio que dominou a indústria por décadas.

Also the governments of the producing countries tried to increase their control over the industry. They tried to (re)negotiate concessions, royalty payments, taxation of company profits, and wanted to increase their control over production and pricing. In the 1960s, the oil companies, large and small, found themselves increasingly in the middle of a contest between producer and consumer governments, which were trying to cream off their economic rents (LINDE, 1991, p. 144).

O descontrole da indústria do petróleo foi um dos sintomas de uma crise maior, de produtividade, credibilidade e descontrole monetário da hegemonia norte-americana, que viria a configurar, a partir da década de 1970, a fase de expansão financeira do quarto ciclo sistêmico de acumulação da economia-mundo capitalista.