• Nenhum resultado encontrado

A GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA DO PETRÓLEO Apesar das apreensões de muitos, o mundo provavelmente não

1.5 PETRÓLEO E HEGEMONIA, SOB A ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

1.5.5 Financeirização do Petróleo

No início de 2004, temendo que houvesse uma nova queda de preços como a que sucedeu o encontro de Jacarta, a OPEP decidiu por uma redução substancial na produção de petróleo. Com o corte na produção, os preços subiram; porém, ao contrário do que previam as expectativas, eles continuaram aumentando, e o motivo não era óbvio (YERGIN, 2014, p. 172). Conforme tratado anteriormente, em 2004 o choque de demanda, associado à ruptura agregada na oferta, ocasionou novamente o medo do esgotamento do petróleo no mundo, levando a uma alta imprevisível nos preços.

No século XXI, a demanda passou a se descentralizar dos mercados que dominaram durante décadas o consumo: os países em desenvolvimento começaram a ser responsáveis por grande parte do consumo mundial de energia, participando do mecanismo de oferta e demanda responsável pelo ordenamento dos preços do petróleo. O crescimento rápido da China exigia não um corte, mais um aumento na produção de petróleo. Porém, outra variável passou a fazer parte deste processo: em 1983, juntamente com o impulso da financeirização econômica, começou-se a vender contratos futuros de petróleo, e ao longo do tempo as expectativas do mercado financeiro passaram a exercer cada vez um papel mais proeminente na determinação dos preços do petróleo no mercado internacional. (Ibidem, p. 170). Agora, somando os mecanismos de oferta e demanda ao novo mercado de futuros, pode-se compreender o papel das moedas nesta nova dinâmica:

41

“Isso gerou controvérsia. Os críticos acusam a China de estar colonizando a África e usando mão de obra chinesa, e não local. Os chineses respondem que estão se esforçando para criar mercados para as exportações de commodities africanas e que a receita da exportação é melhor do que ajuda estrangeira, além de contribuir muito mais para estimular o crescimento e econômico duradouro” (YERGIN, 2014, p. 215).

Havia também a questão das moedas; em especial, a dança entre o petróleo e o dólar. Nesse período, os preços da commodity, no jargão dos economistas, “acompanhavam negativamente a taxa de câmbio do dólar norte-americano”. Simplificando, isso significava que, quando o dólar caía, o preço do petróleo subia. Esse preço é definido em dólares. Durante parte desse período, o dólar estava fraco, perdendo valor em relação a outras moedas. Tradicionalmente, durante os períodos de turbulência e incerteza política, as pessoas “correm para o dólar” em busca de segurança. No entanto, durante esse período de turbulência da moeda americana, a corrida foi por commodities, principalmente petróleo e ouro. O petróleo era uma forma de proteção contra o dólar mais fraco e os riscos de inflação. Assim, enquanto o “preço” do dólar caía em relação a outras moedas, em particular o euro, o do petróleo subia (TANG; XIONG, 2011 apud YERGIN, Op. Cit., p. 175).

A especulação em torno do mercado de petróleo é apenas parte do quadro que tomou forma no século XXI; o petróleo se tornava cada vez mais não só uma commodity física, mas um ativo financeiro, processo que se desenvolveu ao longo do tempo e é denominado a “financeirização” do petróleo (SULLIVAN, 2009 apud YERGIN, Op. Cit., p. 175).

Sendo o petróleo a mais importante e politizada commodity negociada nos mercados mundiais, seu preço é diretamente afetado, além das condições econômicas de oferta e demanda, pela conjuntura política em seu entorno; boicotes, embargos, problemas ambientais e a situação financeira das grandes companhias possuem impacto no mercado (FALOLA; GENOVA, 2005, p. 15). O petróleo é vendido por barris e precificado em termos de dólares americanos; todo o sistema é baseado na língua inglesa, devido ao fato de que as companhias norte- americanas e britânicas lançaram e controlaram o mercado de petróleo durante muitos anos (Idem). Falola e Genova (Op. Cit.) classificam o controle dos preços do petróleo em três fases: do fim de 1800 até a criação da OPEP, em 1960, os preços eram estabelecidos e publicados pelas oito grandes companhias de petróleo, que, interconectadas, funcionavam nos campos cruciais do Oriente Médio através de uma complexa rede de joint ventures, e em meados do século XX

controlavam aproximadamente todos os aspectos da indústria em praticamente todos os campos fora da América do Norte, União Soviética e China (FALOLA; GENOVA, 2005, p. 15) Eram elas a Anglo-Persian Oil Company (posteriormente, a British Petrolem), Gulf Oil, Standard Oil of California (SOCAL, posteriormente a Chevron), Texaco, Royal Dutch Shell, Standard Oil of New Jersey (Esso/Exxon), Standard Oil Company of New York (Socony, posteriormente a Mobil) e Compagnie Française des Pétroles (CFP). As sete primeiras faziam parte do grupo denominado Sete Irmãs.

No período, não havia um mercado mundial de petróleo para a comercialização dos barris; a maior parte do comércio global acontecia dentro das empresas de petróleo integradas verticalmente, entre suas unidades operacionais (YERGIN, Op. Cit, p. 175). Conforme ressaltado anteriormente, todo o processo de produção e comercialização do petróleo acontecia dentro dos limites destas empresas. Posteriormente, com a criação da OPEP, e nos anos iniciais do funcionamento do cartel, o controle dos preços do petróleo mudou de lócus, justamente o objetivo inicial do grupo; os preços eram determinados pelo controle dos países membros da quantidade de petróleo produzida todo ano (FALOLA; GENOVA, Op. Cit., p. 15).

Na década de 1970, os países exportadores de petróleo nacionalizaram as concessões das empresas, consideradas por eles remanescentes de uma era mais colonial. Depois da nacionalização, as empresas deixaram de ter a propriedade do petróleo no solo. Os elos de integração foram rompidos. Quantidades significativas de petróleo foram vendidas por meio de contratos de longo prazo. O petróleo também se tornou uma commodity cada vez mais negociada, vendida em um mercado mundial de petróleo diversificado e em expansão. Essas transações, por sua vez, eram realizadas tanto por áreas de trading recém- estabelecidas nas tradicionais companhias de petróleo quanto por grupos novos e independentes de traders de commodities (YERGIN, Op. Cit., pp. 175-176).

A partir da década de 1980, conforme destacado anteriormente, a OPEP perde seu poder de determinação dos preços internacionais do petróleo devido ao aumento substancial da concorrência no setor e as dificuldades internas dos países da organização, além da falta de cooperação entre os mesmos. A concorrência internacional que emergiu das novas áreas de produção desenvolvidas na década de 1970 torna mais difícil que a OPEP utilize-se da diminuição da sua produção para aumentar os preços internacionais do petróleo sem perder sua parcela do mercado. (LINDE, 2000, p. 25).

A partir de 1990, no período em que aqui denominamos de expansão financeira da hegemonia norte-americana, o controle dos preços do petróleo passou a ser determinado nos trading floors42 (FALOLA; GENOVA, Op. Cit., p. 15), onde a maioria do petróleo e gás natural é hoje comercializada. Os mais importantes deles são o New York Mercantile Exchange (NYMEX), baseado nos Estados Unidos, e o International Petroleum Exchange (IPE), posteriormente denominada a bolsa de valores Intercontinental Exchange (ICE), baseada em Londres (Ibidem, p. 16). O primeiro negocia contratos futuros de WTI (West Texas Intermediate, que corresponde ao petróleo bruto leve e doce43 armazenado nos tanques de Cushing, em Oklahoma, Estados Unidos); já Londres negocia a corrente de petróleo do mar do Norte, o Brent. Estes se tornaram os padrões globais de petróleo e serviriam de benchmark para o petróleo bruto (YERGIN, Op. Cit., pp. 178-179). Interessante destacar que os maiores mercados de petróleo são também os maiores centros financeiros da conjuntura atual, juntamente com Frankfurt e Tóquio (HARVEY, 2004, p. 62).

O impulso ao negócio de trading de petróleo foi dado pela estratégia de eliminação progressiva, pelo presidente Jimmy Carter, nos Estados Unidos, em 1979, dos controles dos preços de petróleo que haviam sido estabelecidos no início da década de 1970 a fim de combater a inflação – objetivo que se mostrou fracassado (YERGIN, Op. Cit., p. 176). Quando o presidente Ronald Reagan assumiu a presidência em 1981, ele estabeleceu imediatamente o fim do controle de preços de petróleo como seu primeiro ato executivo (Idem). “Agora, o petróleo se tornava ‘apenas outra commodity’. Embora ainda tentasse

42

Trading Floors são os lugares onde são realizadas as atividades de transações financeiras.

43

Os detalhes da classificação dos tipos de petróleo serão apresentados no próximo capítulo.

gerenciar os preços, a OPEP agora tinha um novo concorrente: o mercado global” (Idem). Era o início da era dos “barris de papel” (Ibidem, p. 177), em que o petróleo passou a ser “definido pela interação das operações de pregão no Nymex com outros negociantes, hedgers e especuladores no mundo inteiro” (Idem), e à medida que avançava a tecnologia, isso se daria em questão de segundos, evoluindo para os “barris eletrônicos” (Ibidem, p. 170).

Há diversos métodos para a compra e venda de produtos de petróleo, incluindo contratos tradicionais, à vista ou pelo mercado de futuros (FALOLA; GENOVA, Op. Cit., p. 16). O mercado de futuros representa uma forma de gerir riscos associados aos preços do petróleo, tanto para compradores quanto para vendedores: por exemplo, uma empresa aérea compraria contratos de futuros de petróleo a fim de se proteger contra a possibilidade de aumentos de preços da commodity física, assim como produtores os venderiam dessa forma para se proteger de quedas abruptas no preço (YERGIN, Op. Cit., pp. 177-178). Quem faz esta intermediação para os hedgers (hedge são as operações com tal finalidade de proteção) são os especuladores. O mercado de futuros de petróleo em 2004 era 30 vezes maior do que em 1984, quando a bolsa começou efetivamente as operações (Idem).

No processo de transformação do petróleo em ativo financeiro, a própria compra desta commodity muitas vezes não tem sequer a finalidade de consumo, e sim de instrumento para diversificação de investimentos. A financeirização e o avanço da tecnologia trouxeram ainda mais volatilidade para o sistema capitalista moderno, propiciando a formação de bolhas como a imobiliária de 2008, à qual o comportamento dos preços do petróleo de 2004 assemelha-se explicitamente: quanto mais os preços do petróleo subiam, mais dinheiro era aplicado no mercado. “Havia método em todo esse ritmo, um sistema de crenças bem articulado que explicava o aumento de preços. Ou os racionalizava” (Ibidem, p. 182). A própria hipótese de que a produção do petróleo estaria alcançando o seu pico potencializava a crença no aumento dos preços, que aquecia ainda mais os investimentos. Em agosto de 2004, as diretrizes do preço do petróleo no longo prazo estavam em torno de 20 dólares; em 2005, a faixa de preço de 20 a 28 dólares já havia sido superada; em 2008, já havia ultrapassado a fronteira dos 100 dólares (Ibidem, p. 173; 184). Mesmo o aumento da capacidade de produção da Arábia Saudita não aliviou a ascensão dos preços – em julho de 2008, os preços alcançaram seu pico de 147,27 dólares (Ibidem, p. 189). “E então a febre se instalou. A demanda de petróleo diminuía em resposta aos preços altos. E, agora, caía também

por outro motivo. O ritmo da economia mundial estava nitidamente começando a desacelerar” (Ibidem, p. 194). Após o colapso do maior banco de investimento dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, em setembro de 2008, “o preço do WTI caiu bastante, chegando a 32 dólares o barril. Embora os preços tenham se recuperado em seguida, o feitiço tinha sido quebrado” (Ibidem, p. 195).

Em suma, nesta nova fase de expansão financeira do sistema- mundo capitalista, os mecanismos de oferta e demanda na determinação dos preços do petróleo ainda são essenciais, como ilustra a reação ao aumento e queda da demanda mundial no início e no fim da bolha que se formou em torno dos preços desta commodity. Porém, sendo o capitalismo dotado de flexibilidade e adaptação, os mecanismos pelos quais os agentes buscam a acumulação interminável de capital variam ao longo do tempo. O petróleo tornou-se, além de uma fonte de energia para a indústria e a sociedade moderna, um ativo financeiro, por meio do qual os agentes diversificam seus investimentos, buscam lucratividade e procuram evitar riscos. Além do mais, conforme apontado, o preço ainda é altamente influenciado pelas questões geopolíticas e as relações entre Estados, principalmente devido à importância do petróleo para a economia internacional.

Vale destacar, ainda, que capitalismo financeiro compreende um período em que as crises são mais frequentes e abruptas. As expectativas dos agentes tornam-se mais importantes no processo de acumulação financeira, e o capital investido no setor financeiro é muito mais facilmente removível e transferido do que o capital físico investido em indústrias, por exemplo. Deste modo, “no nível internacional, o capital financeiro mostrou-se cada vez mais volátil e predatório” (HARVEY, Op. Cit., p. 61).

Apesar de o sistema estar centrado principalmente no eixo Wall Street - Tesouro norte-americano, os centros financeiros de Londres, Tóquio e Frankfurt, por exemplo, eram importantes nódulos da rede de financeirização que se espalhava pelo mundo, “concentrando-se num conjunto hierarquicamente organizado de centros financeiros e numa elite transnacional de banqueiros, corretores de ações e financistas” (Ibidem, p. 62). Os principais centros de compra e venda de petróleo retornam ao seu lócus inicial: os centros de Nova Iorque e Londres.