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A constelação dos personagens em O guarani nos aparenta um verdadeiro complexo de alegorias nacionais. A construção simbólica da nação, assim, parece se valer daquele recurso estético como forma de figurar a função, a relação e a formação de um povo brasileiro, baseado no caldeamento do índio e do branco. Nesse sentido, considerando grande parte dos estudos sobre a formação do povo brasileiro, desde Martius até, pelo menos, nos anos 1930, a análise de Gilberto Freyre, o negro, elemento essencial e constitutivo do povo

57 ―Felizmente passou esta quadra de tristes conseqüências para o país, e chegamos a uma época de

adormecimento das paixões políticas, de inércia dos partidos, de calma nos espíritos, que, bem dirigida, pode ser aproveitada em grandes melhoramentos de que o país necessita, em excelentes reformas da legislação e de muitos outros ramos da administração‖ (ALENCAR, 1960, p. 747).

brasileiro, fica de fora do romance alencariano, ao menos enquanto presença estrita, no plano da composição dos personagens. A escravidão africana, em O guarani, aparece, como veremos, de forma latente, sem que haja a nomeação ou a representação de qualquer ente ficcional que figure, diretamente, esta presença. Antonio Candido já notara, em ―Literatura de dois gumes‖, que a evocação do índio era cômoda – à parte sua figura já construída pela tradição precedente como elemento local – justamente por não tocar na questão da mão de obra servil (2006a, p. 209). Às alegorias nacionais efetivamente presentes, nesse sentido, deve-se somar um elemento da representação do povo brasileiro, que se pode depreender da organização formal da totalidade da obra, através da qual será sugerida a possibilidade de leitura no sentido da identificação da escravidão enquanto sistema social sugerido no entrecho.

Pensamos aqui os personagens como ―alegorias‖, a partir de uma sugestão do sentido atribuído a esta categoria por Walter Benjamin: dentro de um dado contexto cultural, e dentro da organização formal da obra, a alegoria se constitui como um elemento cujo sentido só é apreensível para além de sua materialidade imediata, se imersa em uma convenção e em relação com os outros elementos do texto. Nesse sentido, ―[cada] personagem, cada coisa, cada relação pode significar qualquer outra coisa‖ (BENJAMIN, 2011, p. 186). Evidentemente, o complexo contextual do romance histórico nacionalista já se insere em uma tradição que remonta a Ferdinand Denis, ou seja, as figuras do índio e do português enquanto

elementos formativos da população brasileira eram algo já conhecido. A alegoria entraria

aqui, portanto, em dois níveis: o primeiro, especificamente dedicado à formação do povo brasileiro, travada no conúbio entre português e indígena; e, em segundo lugar, a alegoria política, que nos parece fazer referência ao plano político social da construção do Estado- nação brasileiro nos oitocentos, figurando uma hierarquia. Termo controverso, a alegoria aqui deve ser entendida menos em sua estrita fidelidade à caracterização benjaminiana – que teorizara sobre o drama trágico alemão – que a uma sugestão, baseada nesta análise realizada pelo filósofo alemão. Ismail Xavier, em posfácio a seu Alegorias do subdesenvolvimento (2012), discutindo as diversas concepções de alegoria, provê uma definição mais clara para o conceito, calcada em sua funcionalidade, noção, aliás, trabalhada por ele com relação ao cinema pós-64, cujos filmes fazem referência à falência do projeto nacional brasileiro (vê-se, pois, que as alegorias em O guarani operam justamente no polo oposto, o da fundação nacional):

(...) [a alegoria] é utilizada para caracterizar determinadas estratégias dos artistas – formas de construção e de montagem – e determinadas relações

entre obra e contexto social. A estratégia alegórica é então abordada em dois aspectos: o da descrição da textura e estrutura da obra e o da discussão da postura do artista diante da sociedade (2012, p. 445).

Nesse sentido, a construção alegórica na ficção de O guarani parece sugerir, internamente, os dados centrais para a caracterização da formação nacional, enquanto, ao mesmo tempo, opera como elemento significativo da posição ideológica do todo narrativo, fazendo menção à discussão e ao processo político desenhado ao longo do período de construção do Estado- nação brasileiro. Para nossos fins, é mister adiantar que as alegorias centradas na figuração dos diferentes personagens referem-se aos elementos formadores da sociedade brasileira. Assim, os contrastes que, nesta constelação alegórica, devem se unir para formar a coesão nacional, são parte constitutiva do que chamamos forma dual, já que ela justamente opera pela oposição básica entre os elementos díspares, os quais devem se unir no plano ficcional, de modo a figurar o caldeamento racial e o processo civilizacional formador do povo. Logo, a organização relativa e hierárquica entre os personagens e o que, cada um deles, alegoricamente representam, parece atribuir respostas à constituição nacional em formação, dando indicações sobre as respostas de um determinado ponto de vista político-ideológico às questões da constituição brasileira.

Nesse sentido, faremos a análise da constelação das alegorias baseadas nos personagens, estabelecendo as hierarquias e seu desenvolvimento ao longo do romance. Assim, cabe, primeiramente, estabelecer o papel que o índio goitacá Peri desempenha ao longo da narrativa, estabelecendo o papel dúplice entre o ícone de uma nova civilização e a filiação e continuidade das matrizes – a própria ideia de ―nova civilização‖ já exprime o papel contraditório estabelecido entre a utopia nacional e a dependência incontornável. Posteriormente, seu par ao mesmo tempo antitético e sintético: Cecília. A filha de Dom Antônio de Mariz cumpre papel essencial em sua relação com o indígena, no tocante à figuração da nova forma social emergente. Cecília, além disso, precisa ser relacionada à sua meio-irmã Isabel, levando em conta o contraste, enfatizado pelo narrador, entre a branca e a mestiça. Cabe também entrar, assim, no que chamaremos as primitivas ―cadeias de comando‖ dessa constelação social. A figura de Dom Antônio de Mariz, em sua relação com os demais personagens e, sobretudo, com os aventureiros, compõe, a nosso ver, uma representação da formação dos núcleos de poder e de sua organização na sociedade nacional nascente, bem como o caráter que este tipo de dominação exprime, ao mesmo tempo respondendo e propagando valores estabelecidos por grande parte da tradição de leituras do Brasil. Considerando estes personagens centrais da narrativa, outros elementos da composição de seu

personagens responderá a um dos aspectos, nesta obra, do que chamamos forma dual, dado que a concepção contraditória na formação de uma nova sociedade, engendrada por atores sociais figurados nas alegorias, divididos entre a constituição de uma nova identidade e a replicação do idêntico em relação ao mundo ―civilizado‖, entre outras questões dicotômicas como sua função e sua fatura textual, darão a tônica das explanações.

A constituição do personagem indígena ao longo da tradição nacionalista da literatura brasileira representa, alegoricamente, um complexo de problemas postos pela própria constituição do povo brasileiro enquanto entidade autônoma. Nesse sentido, a figuração heroica do indígena – pré-cabralino ou em integração com o branco nos diferentes enredos – responde a uma constituição representativa não apenas de uma imagem simbólica que se gostaria de erigir para o Brasil, mas é também significativa a ponto de rememorar um processo de constituição de uma civilização diferenciada, ainda que sob o jugo colonial ou neocolonial, na formação de uma elite política autóctone e na representação da gênese de um povo, uma sociedade política autônoma. Assim, obviamente, a representação do indígena vale pelo que representa, não pelo seu valor de face: se tomarmos a representação do indígena de um ponto de vista estritamente antropológico, talvez chegássemos apenas a ver a sua figuração dada com maior rigor naturalista somente quando da literatura brasileira do período contemporâneo, em romances como Quarup (1967), de Antônio Callado, ou Maíra (1976), de Darcy Ribeiro. Mesmo nestes, a construção do personagem indígena diz respeito também a

um dos aspectos de constituição da sociedade brasileira como um todo, a partir do momento

em que se valem da figuração naturalista para expor dramas de integração e desagregação cultural, dentro do espectro político da época. No índio romântico, porém, esse valor naturalista é todo subjugado a uma construção intelectual que, se pouco de indígena apresenta, vale por indicar uma série de questões postas no debate para que a literatura possa nomear a nascente sociedade brasileira autônoma, em um jogo no qual estética e política caminham lado a lado.

Nesse sentido, colocamos de parte a análise da construção do índio como elemento simbólico nacional, o que já foi por nós comentado nas reflexões sobre a crítica-programa romântica brasileiras, e é ponto pacífico do sem número de reflexões existentes sobre a literatura indianista. O processo desta construção, sua caracterização, portanto, nos parece de maior relevância, e é por este detalhamento que imaginamos poder chegar a uma imagem mais clara do que este personagem, como alegoria, pode significar dentro da constelação geral dos personagens do romance. Primeiramente, é preciso postular duas indicações para o desenvolvimento da análise: Peri, à primeira vista, representaria uma integração subordinada

do autóctone dentro da constituição do povo brasileiro, já que sua aceitação total, por parte da ―cadeia de comando‖ do livro, só se dá a partir de uma comparação de suas características nobres às derivadas da civilização ocidental, isto é, a noção de nobreza indígena como justificativa para uma possível incorporação à sociedade brasileira (BOSI, 2001, p. 189; SOMMER, 2004, p. 190; IVO, 1995, p. 339). Assim, a própria conversão do protagonista ao catolicismo, ao final do romance, seria um ponto importante a ser tomado em conta. Segundo: seu papel como indígena, no romance, é temperado por outras indicações que retiram daquela qualificação suas determinações de marginalidade – numa perspectiva ―naturalista‖ sobre seu papel na sociedade, o selvagem, o bárbaro, despreparado para a civilização –, transformando- o em elemento somatório da constituição do brasileiro, na linha de Martius. Essas duas indicações, já sabidas, são interessantes e verdadeiras dentro da dinâmica formal do livro. No entanto, sem serem aprofundadas, nos parece, ficam aquém de expor um intuito alegórico que o narrador parece instilar sobre o índio.

Uma afirmação de David Treece, no tocante à utilização das figuras indígenas para a constituição de um imaginário nacional, pode servir como motivo para delinear a figura que, a nosso ver, Peri representa no romance:

A literatura indianista dos séculos dezoito e dezenove resta como monumento a uma instigante ironia: enquanto protagonista heróico de inúmeros romances, poemas, peças teatrais, pinturas e estudos etnográficos, lamentado ou celebrado, como exilado, aliado ou rebelde, o índio veio a corporificar aquele mesmo nacionalismo que se empenhava em levar a cabo sua própria aniquilação (2008, p. 14).

Haveria, portanto, um intuito de propagar valores civilizatórios na identificação entre o nacional e o indígena, no tocante à função que a imagem deste exerceria enquanto símbolo nacional. Isto posto, é possível pensarmos que, se a identificação entre o nacional – enquanto uma construção de realização da civilização ocidental – e o indígena é direta, o próprio indígena representado não poderia deixar de representar esses mesmos valores ocidentais, isto é, seu âmbito não é apenas o da passagem de uma marginalidade primeva, selvagem, para a integração junto à sociedade, por assim dizer, civilizada. Mais: seu papel dentro deste romance, dado que central, é a figuração de um tipo ideal de uma nova possibilidade para a organização social local, ainda que filiada às normas civilizatórias europeias. Neste entrelugar de Peri, indígena-civilizado, temos uma alegoria dúplice, que envolve, de um lado, os valores que o romance advoga para a constituição nacional e, em consonância com este, a formação de uma elite local, que representaria uma troca da ―cadeia de comando‖, interna ao romance, com possibilidades de ser estendida a uma alegoria do processo político brasileiro. Assim,

considerando e reiterando seu papel central na narrativa, Peri não nos parece, nas palavras de Treece, representar a ―(...) identidade de marginal a habitar o limbo entre a civilização e a natureza‖ (2008, p. 256, grifo nosso); ao contrário, a marginalidade é tudo o que Peri não

representa no romance, sendo este papel relegado aos aventureiros e aos aimorés. Peri é,

portanto, nessa relação natureza-civilização, elemento central e determinante para a fatura, sem o qual a elevação da raça a elemento constitutivo da formação da sociedade nacional, bem como seu papel representativo de uma troca da ―cadeia de comando‖, permaneceria incompreensível. Sua pretensa marginalidade, portanto, não é meramente fruto da subordinação ao branco português: ela o é apenas enquanto a alegoria da hierarquia interna do romance não se dissolve, isto é, até o capítulo XI da quarta parte da obra, quando Peri e Ceci se encontram sozinhos em meio à selva. Sua centralidade, porém, é constituída paulatinamente no romance, o que relativiza o seu caráter de cão de guarda do elemento português.

A dualidade a construir a figura de Peri origina-se na qualificação dicotômica, entre ―senhor‖ e ―escravo‖. Essa duplicidade, explorada ao longo do romance, dá a justificativa e a explicação central para a figuração do índio como elemento de importância na forja da unidade final do romance, quando apenas aquele primeiro elemento prevalece. Acompanhando o narrador na descrição do indígena protagonista, nos deparamos com sua primeira aparição, durante a caçada de uma onça que aquele empreendia:

Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a um velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade.

Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada à cintura por uma faixa de penas escarlates, caía-lhe dos ombros até o meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem.

Sobre a altura diáfana do algodão, a sua pele, cor de cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra, móbil, cintilante. A boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência. (...) Era de alta estatura; tinha as mãos delicadas. A perna ágil e nervosa, ornada com uma axorca de frutos amarelos, apoiava-se sobre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz na corrida. Segurava o arco e as flechas com a mão direita caída, e com a esquerda mantinha verticalmente diante de si um longo forcado de pau enegrecido pelo fogo. Perto dele estava atirada ao chão uma clavina tauxiada, uma pequena bolsa de couro que devia conter munições, e uma rica faca flamenga, cujo uso foi depois proibido em Portugal e no Brasil (ALENCAR, 1964, p. 37-38).

A descrição inicial de Peri – ainda não nomeado, exceto pela referência ao ―junco selvagem‖, de onde o narrador, em nota, diz ter retirado seu nome –58 apresenta uma constante que será

retomada durante todo o livro: as alusões à sua grandeza pessoal, associada aos estereótipos românticos – mãos e pés delicados em convivência com a força – e o caráter selvagem do índio, manifestado na relação com suas duas armas, o arco e a clavina. A clavina, ao chão, não parece ter serventia para o índio, que dará cabo da captura onça, ao fim da cena, sem sua ajuda.

Assim, a composição do cenário e da figura indígena, na primeira cena em que Peri é apresentado, contém a duplicidade entre a filiação à técnica selvagem e à europeia, com relativo prejuízo para esta, em ligação com a composição de um perfil heroico que perdurará ao longo do livro. O narrador, ainda, adiciona uma nota, sugerindo suas fontes para a descrição:

UM ÍNDIO. O tipo que descrevemos é inteiramente copiado das observações que se encontram em todos os cronistas. Em um ponto porém variam os escritores; uns dão aos nossos selvagens uma estatura abaixo da regular; outros uma estatura alta. Neste ponto preferi guiar-me por Gabriel Soares, que escreveu em 1580, e que nesse tempo devia conhecer a raça indígena em todo o seu vigor, e não degenerada como se tornou depois (ALENCAR, 1964, p. 276).

A utilização dessa nota, porém, vai além da já citada atenção aos cronistas como forma de justificar historicamente a escritura do romance, autenticando-o frente a uma exatidão factual, plenamente explicável em um romance que visa erigir uma memória nacional. A figura do índio deriva toda da visão europeia a ele posta pelos cronistas – a ―estatura regular‖ do europeu, o tipo ―não degenerado‖ racialmente etc. –, em cuja possibilidade de composição não se poderia fugir das comparações com o conhecido, isto é, com o branco. Assim, a soma dos estereótipos românticos às possibilidades efetivamente postas de representar a figura indígena se dá em uma reconstrução, com evidente valor positivo para o lado nacional, no qual o índio poderia ser considerado um ―senhor selvagem‖ de seu ambiente e seu território: ―[assim], estes dois selvagens [índio e onça] das matas do Brasil, cada um com suas armas, cada um com a consciência de sua força e de sua coragem, consideravam-se mutuamente como vítimas que iam ser imoladas‖ (ALENCAR, 1964, p. 40). A convivência, na mesma figura, entre a grandeza do guerreiro e a qualificação ―selvagem‖, restará ao longo do romance, porém em diferentes medidas de convivência: se, neste primeiro momento, a

diferença do selvagem é minorada por sua parecença com o branco, posteriormente sua

identidade com o branco é relativizada pela sua posição central de mando local, de

assenhoreamento total sobre o território, sem nunca, porém, abdicar da herança civilizada – antes, porém, utilizando esta para adequar-se, a seu modo, à nova posição.

Nesse sentido, a primeira qualificação mais clara, advinda da ideia de ressalvar a

diferença, parte, significativamente, de quem ocupa a posição central na ―cadeia de comando‖

da maior parte da narrativa, antes da desagregação e projeção da reconstrução final: D. Antônio de Mariz. Em conversa com Álvaro, diz o senhor português:

– É para mim uma das coisas mais admiráveis que tenho visto nesta terra, o caráter desse índio. Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e heroísmo. Crede- me, Álvaro, é um cavalheiro português no corpo de um selvagem! (1964, p. 53-54).

A comparação final, entre o índio e o elemento de uma instituição feudal europeia – o cavalheiro, com todas as suas conotações de nobreza e proximidade com a civilização cristã – é a medida maior, presente neste romance, da diminuição da diferença pela semelhança com o branco; a admiração de D. Antônio, além disso, denota a projeção dos valores postos na hierarquia dos personagens, pela adequação do índio ao processo civilizatório de matriz europeia. Ainda veremos outras projeções dentro desta mesma escala de valores feudais, que parecem compor esta primeira hierarquia do romance; no entanto, cabe afirmar que, neste momento, a diferença é apenas diminuída pela comparação, mas ainda não ganha foros de importância por ela mesma. Isso só ocorrerá, contraditoriamente, a partir do momento em que o índio, no epílogo, ganha foros apenas de senhor do meio local, mantendo, como elementos necessários para esta condição, os de extração civilizada. Assim, perceberemos que,

primeiramente, Peri é justificado em sua grandeza pela semelhança; no segundo, a diferença é que justifica a porção de grandeza. Em outras palavras, há a manutenção dos valores

civilizatórios cristãos nos dois momentos; no entanto, num primeiro momento a diferença está subordinada à semelhança ao branco, enquanto, no segundo, é a semelhança ao branco – a adesão, a conversão etc. – que nos parece subordinada à diferença, como forma de justificar a nova senhoria sobre o território. Naquele primeiro momento, porém, são mais frequentes as alusões a Peri como escravo, não como senhor, o que reitera a qualificação, feita pelo alto, por D. Antônio de Mariz.

A qualificação de Peri como escravo, submisso às necessidades do branco, se dá de uma maneira bastante interessante. Não nos parece, primeiramente, que a representação deste tipo de escravidão faça alguma referência à instituição da escravidão brasileira como se daria no plano histórico. A escravidão em questão se realiza na submissão e na fidelidade em

relação a Cecília (SANTIAGO, 1982, p. 106) – e, por extensão, a seu pai, D. Antônio –, alegorizando não tanto a submissão pessoal ao português quanto a uma série de valores de origem europeia, bem como aos poderes políticos que deles emanam, dentro do que chamamos de uma primitiva ―cadeia de comando‖ do romance. Deste modo, a escravidão