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Esta concepção, forjada por um dos maiores expoentes do romantismo brasileiro, será continuada no naturalismo, relevada a nova ênfase científica. A continuidade se deve, pensamos, tanto à semelhante posição destes intelectuais na estrutura social – todos os escritores em questão ou eram de ―classe média‖, ou funcionários públicos, ou de alguma forma dependentes ou integrados ao aparato estatal, mais ou menos ligados, portanto, a uma elite política de importância e de interesse na formação nacional –,25 quanto pela continuação do problema pelo qual se debatem, isto é, a formação de uma civilização brasileira, o estabelecimento do caráter nacional, em relação intrínseca com o atraso do país, que os inquieta. A posição social aparece aqui, no entanto, menos como um impulsionador das mudanças de ordem estética e ideológica que como fator esclarecedor do compromisso de ordem política com o conjunto da nação que esta camada apresenta, compromisso que encontrou vazão tanto na literatura romântica quanto na naturalista. Neste sentido, os diferentes matizes ideológicos que reconhecemos entre, por exemplo, Alencar e Sílvio Romero, pouco significam se relacionados exclusivamente à estrutura social, mas são diferenças que se localizam no mesmo empenho do intelectual de contribuir para a modernização do país, tendo como paradigma as modernas sociedades europeias. A imagem de nação referendada pelo romantismo em quase nada mudará no naturalismo, senão apenas

24 Ainda no campo romântico, poderíamos citar a concepção semelhante que apresenta da literatura brasileira o

austríaco Ferdinand Wolf, em Le Brésil littéraire, feita sob encomenda do imperador D. Pedro II (CÉSAR, 1978, p. 141-180). Também fala da questão da integração das raças como fator distintivo de formação do caráter nacional brasileiro o texto do alemão Karl Friedrich Phillip von Martius, que vence concurso do IHGB com o tema ―Como se deve escrever a história do Brasil‖ (MARTIUS, 1845, p. 381-403).

25 Tinhorão (1966. p. 34-35) e Sodré (1992. p. 201-202) falam do naturalismo como um período de ―ascensão da

classe média‖. Este ponto, pensamos, talvez não interfira tanto na cosmovisão destes autores sobre a questão nacional, embora possam ser significativos para uma mudança de alianças e de afinidades políticas neste período de transição da monarquia para a república.

em sua valoração, antes positiva, agora em grande parte negativa. A adequação do pensamento de Taine para a crítica literária brasileira, portanto, não significa apenas a adoção de uma metodologia moderna para a análise da sociedade e da literatura, mas de um novo meio para solucionar um velho problema; a própria transformação das categorias deterministas de análise taineanas – meio, raça, momento – para uma chave nacionalista é simbólica para esta questão.26

Na crítica de inspiração naturalista, Araripe Júnior será um dos que mais bem representaram essa continuidade. Sua ―Carta sobre a literatura brasílica‖ (1869) revela uma inspiração claramente alencariana, tanto na descrição do estado do país quanto na concepção de uma inovação formal advinda de fatores deterministas locais. Araripe afirma que ―não será desprezando o que de mais belo e inspirador existem em nossos climas que havemos de sacudir com o jugo das impressões importadas do velho continente‖; assim, ―[a] poesia (...) não pode deixar de ceder, ou mais cedo, ou mais tarde, à influência do clima, do aspecto do país ou da índole de seus primitivos habitantes‖ (ARARIPE JÚNIOR, 1958, p. 25). Nestes trechos, pode-se perceber a continuidade que Araripe Júnior representa com relação à tradição romântica brasileira, já em transição para o naturalismo. Além da semelhança apontada, Araripe, ao contrário de Sílvio Romero, vê na temática indianista uma vertente de fecundo aproveitamento pelos escritores brasileiros, e cita elogiosamente José de Alencar, que nivela a Chateaubriand e Fenimore Cooper (1958, p. 30). Porém, a contribuição original de Araripe Júnior, exposta no texto ―Literatura Brasileira‖ (1887), foi a sistematização da ideia romântica de que a literatura europeia, transposta ao Brasil, não ficaria imune às influências do meio local, aspecto que o crítico chama de ―obnubilação brasílica‖. Esta se constituiria, nas palavras do autor, no

(...) desbaratamento estético e moral por que passaram os portugueses e espanhóis, transpondo o oceano e procurando um novo habitat na América do Sul (...).

[Neste fenômeno,] (...) adelgaçaram-se, atenuaram-se todas as camadas de hábitos que subordinavam o homem à civilização, abriu-se uma fenda na estratificação da natureza civilizada, para dar passagem à poderosa influência do ambiente primitivo (...) (1958, p. 497).

A obnubilação constituiria, pois, uma forma de adaptação do europeu aos trópicos, o que, em uma chave científica cara à época, significaria uma perda dos traços civilizados em virtude do

26 Em passagem sobre Araripe Júnior e Sílvio Romero, Roberto Ventura afirma que ―[ambos] aplicaram à

literatura os princípios de Hippolyte Taine e de Herbert Spencer, acrescidos da ideologia nacionalista, em que a

nação é concebida como o resultado da progressiva transformação das matrizes européias pela ação do meio ou

meio local diferenciado. Araripe diz que esta seria a forma ideal de estudar a história brasileira no século XVI, primeiro século da colonização. Depois disso, afirma, há também que se considerar os dados históricos – o ―momento‖ taineano – que se desenvolvem a partir daquela obnubilação, revelando ligação com ela a partir da constituição de uma sociedade diferente da metrópole.

A questão da modificação da norma europeia em ambiente tropical será retomada no texto ―Aluísio Azevedo, o romance no Brasil‖ (1888), quando afirma que a língua portuguesa brasileira, assim como o afirmara Alencar, não pode, pesadas as peculiaridades locais, assemelhar-se à matriz lusitana. O argumento faz lembrar as respostas de Alencar às polêmicas lançadas sobre a suposta incorreção do estilo nos seus romances, levadas a cabo por críticos portugueses.27 Araripe diz que ―(...) forças mais amplas e irresistíveis fazem com

que a correção seja um fenômeno quase impossível no Brasil. E devem, certamente, existir razões de ordem climatérica e fisiológica que determinem fato tão esquisito‖ (1960, p. 68). No texto que dá continuidade a este artigo, ―Estilo tropical‖, Araripe delimita melhor o fato a que se refere, lembrando que o fenômeno da obnubilação ―(...) não se eliminou de todo‖:

Incorreção do estilo brasileiro ligada à contextura do espírito da terra! A asserção parece, à primeira vista, um dislate da ordem dos que a crítica tem vulgarizado por aí. Contudo, eu penso que o fato é perfeitamente

verdadeiro, e que a incorreção, nestas condições, converte-se numa eminente qualidade (1960, p. 68, grifo nosso).

Atenção intermitente, clima entorpecedor, passam por fatores de formação de uma distinção anômala, embora de reconhecida recorrência nas representações nacionais: ―[o] tropical não pode ser correto. A correção é o fruto da paciência e dos países frios (...)‖ (1960, p. 70). Ora, este tipo de representação de Araripe Júnior sobre as letras pátrias não nos lembraria outro grande artista de nossos contrastes, na tentativa de fundar uma literatura moderna por estas plagas, Oswald de Andrade? Como afirma o modernista, no manifesto pau-brasil, ―[a] língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos‖ (ANDRADE, 1970, p. 6).

O tom entusiástico é incomum na feição mais conhecida do naturalismo, em que o problema da nacionalidade, filtrado pelas teorias da época, não poderia se apresentar senão com as tintas da inferioridade racial e do meio embrutecedor. No entanto, aparentemente já denotando uma visão positiva de nossa discrepância frente às civilizações europeias que seria moeda corrente no modernismo de 1922, recuperando muito do romantismo e em contradição

com a teoria mais negativista de, por exemplo, Sílvio Romero, Araripe Júnior perfaz uma imagem do Brasil enquanto território possível de construção de uma civilização, sendo que seus contrastes, anomalias e dissonâncias comporiam parte de um todo que convinha elevar a traço identitário. Quando fala da diferença entre Émile Zola e Aluísio Azevedo, considerando a diferença do meio, Araripe diz que

[a] concepção do mestre [Zola], os seus métodos de expectação, os seus processos experimentalistas, tiveram em vista uma sociedade decadente, de natural tristonha, que decresce, míngua dentro de suas próprias riquezas, perante sua antiguidade, cansada, exausta, senão condenada a perecer. No Brasil, o espetáculo seria muito outro, – o de uma sociedade que nasce, que cresce, que se aparelha, como a criança, para a luta (1960, p. 71).

Este tipo de análise, além de dar continuidade ao que já fora produzido durante o romantismo, é representativo da constituição do caráter nacional brasileiro; a imagem de país novo, a suspensão da civilização no ambiente inóspito, a mudança dos hábitos para uma forma primitiva, serão as formas encontradas pela ciência do fim do século XIX para dar conta do estado precário em que se encontra o país frente à imagem dos países civilizados. A circularidade do argumento é interessante: aspira-se chegar à civilização, mas esta é desarmada pela obnubilação, que é nosso fator distintivo; como tal, este passa a ser positivo, ainda que prescreva a fatalidade do estado de semibarbárie. Percebe-se, pois, que a intenção é ligada, novamente, à construção nacional brasileira, e partilha com os outros esforços sempre o tom contraditório, que requer o progresso para o país, mirando negativamente para o estado presente, embora este se constitua na possibilidade identitária a ser fixada pela representação literária. Esta questão da contradição encontra, pois, sua constituição não apenas no que a crítica naturalista pôde amealhar na miríade de teorias hoje desacreditadas, mas na forma de justificar a diferença frente aos países centrais por meio da valorização do próprio atraso – civilização como fato obsedante e diferença social na rabeira do progresso como aliado importante para a criação da imagem nacional. Nesse sentido, a crítica de Araripe pareceria uma espécie de antecâmara do pensamento modernista, que, no intuito de valorizar o ambiente local pela releitura da tradição nacionalista, acabaria por propor uma brasilidade em que a chave negativa se transforma no seu contrário pelo exercício de descobrir distinções e identidades frente à norma europeia. Alfredo Bosi nota com razão que Araripe cairia muito bem às vanguardas tropicalistas, que poderiam, além de Oswald, reivindicar a obra do crítico naturalista (BOSI, 1978, p. XVI). Os temas caros a esta produção modernista – a mistura de raças, o clima, a preguiça – poderiam facilmente se encaixar em qualquer texto de Araripe Júnior, sem que a presença da ciência da época fizesse grande falta.

Ainda, a conjugação entre nacionalismo e as teorias naturalistas encontra outra contradição na maneira de abordar a questão racial. Esta contradição será uma das questões da literatura naturalista e encontra-se não apenas na crítica, mas também nos romances. Ela se sustenta, novamente, nos contrastes da formação nacional brasileira, a conjugação e a dependência interna entre modernização e atraso. Como a literatura naturalista no Brasil, em continuidade ao romantismo, tem uma missão de contribuir para a civilização do país, o travo deixado pela contradição citada ocorreria na percepção de que faltam elementos internos que possam se encarregar de levar a cabo a questão nacional. Assim, ainda que Araripe não espose de maneira rígida as ciências da época, sua produção não poderia deixar de apresentar esta contradição, dado que o problema não se encontra apenas na adoção de ideologias alheias, de caráter, digamos, neocolonial, mas na própria exclusão das camadas populares da prática política, ou seja, na desigualdade e na opressão de classe. Comentando a questão do desenvolvimento do país, Araripe cita a questão da imigração:

Aí vêm, em massa, os italianos. Essa gente, que tem no sangue todas as artes e nos nervos a violência de Maquiavel, – essa gente, palpitante e frenética, chega a tempo para nos ensinar a observar com amore as nossas próprias coisas, a nos imbuirmos delas, aparelhando as máquinas

sensacionais com que serão projetadas sobre o mundo as idéias e os

sentimentos de uma região inexplorada. Aí já estão os filhos da nova raça, e, dos cruzamentos felizes, os Bernardellis e outros, a cujo influxo de amor pela terra, pela vida brasileira, já devemos um princípio de coisas grandiosas (1960, p. 72).

Fato significativo, o texto em questão precede em menos de dois meses a abolição da escravatura,28 momento em que o debate sobre a imigração estava em voga no país. Além

desta questão, a ideia de que a imigração traria elementos raciais ―para nos ensinar‖ não seria uma falha do ponto de vista nacionalista – que em outras obras românticas e naturalistas margeia a xenofobia –, mas parte constituinte de uma ideia comum à época, que tende a eliminar da imagem da nação os grupos que não condizem com o pretendido progresso. Da exaltação da mescla de raças para a injúria de classe o passo não é muito grande, o que não deixa, porém, de ser esclarecedor de como a representação nacional se estriba em contradições tanto de fundo social e ideológico, quanto numa própria tradição de representação que advém do romantismo – isso, considerando as várias trocas de sinal, de positivo para negativo e vice-versa. Encontram-se aqui, pois, a contradição entre a valorização do meio local, fundada numa imagem de distinção do país baseada na exceção à norma

moderna, numa valorização do próprio atraso, com a tentativa de designar o caráter brasileiro fundado na mescla racial que tacitamente reconhece a inferioridade do local. Como ser branco parece ser não apenas questão de cor, mas de posição social, é evidente o caráter de classe da literatura brasileira oitocentista que, para postular a mudança social, tende a apagar a figura do negro e idealizar a do índio, sucedâneo da falta de elementos dinâmicos internos na construção da sociedade nacional. A contradição que notamos, entre a aspiração à civilização e a negação desta pelos elementos raciais locais, ou ainda a valorização do status, indicam uma preocupação constante com a representação dos contrastes brasileiros na prática literária, aspecto que guarda homologia perfeita com a questão da conjugação entre atraso e modernidade no Brasil no plano histórico-social.

O autor naturalista, no qual este aspecto talvez esteja mais bem representado, é Sílvio Romero. É bem sabida e debatida a questão sobre as contradições presentes neste autor, que se escoram de um lado em um liberalismo radical, de outro em um autoritarismo contaminado por teorias raciológicas. Sílvio Romero ora propunha medidas muito progressistas – criticava as oligarquias, a concentração da propriedade, etc. –, ora anatemizava a mistura de raças, que gerariam uma inorganicidade nacional, a ser superada pelo branqueamento e por mudanças radicais advindas de uma necessária modernização. Esta dimensão encalacrada do intelectual nacional, fatalmente contraditória, não deve advir senão da imensa disparidade nacional frente às sociedades modernas, no plano econômico e social; Sílvio Romero vive, neste sentido, em sua própria pele, os aflitivos contrastes brasileiros, que parecem sempre requerer uma nova solução. As contradições locais o levam a uma alternativa adesão ou recusa das soluções modernizadoras – sempre com vistas a como ele, da mesma maneira que outros intelectuais, dialogou com a questão da ―importação‖ de ideias –, ou então uma ligação das medidas modernizadoras a certas camadas da população que seriam capazes de levá-las a cabo. Além disso, há que se computar a desigualdade de classes, aliada àquela disparidade econômica e identificada, à moda da época, pelas teorias raciológicas, na questão da desigualdade entre raças. A obra de Sílvio Romero talvez seja o laboratório mais completo de nossa dissonância modernizante, do compromisso e do desespero com a nação, da sintonia e do descompasso com o seu tempo. Sílvio Romero, assim como outros intelectuais que parecem ter sentido de maneira mais forte o compromisso nacional – José de Alencar, Euclides da Cunha, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Glauber Rocha e muitos outros –, encarna em sua produção as próprias contradições brasileiras.

Sílvio Romero, ao contrário de Araripe Júnior, atribuía maior valor à mestiçagem que ao meio na definição do caráter nacional. Assim, embora proponha em certas análises a

questão do meio brasileiro como embrutecedor e empecilho para a civilização, Romero julga ser necessário deslocar esta questão para a dimensão que mais bem caberia para a formação do povo brasileiro: a mistura de raças. Deste modo, embora considere, por exemplo, as análises de Buckle sobre o Brasil ―(...) palavras duras, porém no fundo exatas (...)‖ (1960, p. 70), contraria o argumento deste de que as grandes maravilhas da natureza brasileira exerceriam fator deletério, devido à profusão de bens naturais que determinaria a mediocridade do pensamento e a falta de necessidade de trabalhar. Sílvio Romero diz que Buckle se deixa levar pelas visões construídas pelo romantismo – a exuberância da natureza, do clima, etc. – e considera que o que este faz é deslocar a análise positiva antes proposta pelos românticos no tocante ao caráter nacional para uma chave negativa:

O que se nos apresenta agora como um defeito, nossos românticos, embriagados de prodígios, sempre nos apresentavam como uma excepcional vantagem! (...)

O filósofo britânico iludiu-se com as narrações fantásticas dos viajantes, sedentos de maravilhas e despropósitos (1960, p. 85).

Aqui se apresenta o dilema de que falamos anteriormente, isto é, do constante deslocamento entre o sentido negativo ou positivo que se atribui aos fatores determinantes do caráter nacional. Este deslocamento se deve a uma resposta ao atraso, mas guarda importantes consequências no plano literário. Formalmente, a literatura brasileira nacionalista, tendo por pressuposto essa valorização ou condenação do caráter brasileiro por ela construído ou reforçado, oscila entre um e outro polo, às vezes independentemente da ênfase que indica a intenção do texto – Aluísio Azevedo seria, por exemplo, um desses casos. Assim, em Sílvio Romero vemos a valorização da mestiçagem como elemento distintivo da nação, mas ao mesmo tempo o crítico nela encontra razões para desacreditar a própria intenção modernizante que propugna – nada mais próximo, aliás, de Euclides da Cunha. Do mesmo modo, em Alencar vemos o índio, o sertanejo, o pobre em geral – mesclando representações sociais com raciais – em estreita dependência frente ao rico, ariano, empreendedor possível do progresso brasileiro à sombra do europeu, ainda que o elemento positivo, o indígena, seja o foco da representação nacional. Estes contrastes, a nosso ver, constituem o fulcro da literatura nacionalista oitocentista, aparecendo também, em outras chaves de leitura, no século XX. Trata-se, neste sentido, de uma incorporação, contraditória ou não, das discrepâncias presentes na sociedade brasileira, que mostram ora a situação de aporia do desenvolvimento brasileiro, ora o entusiasmo rumo à mudança social, ou ainda a formulação estética destas contradições de forma a revelar falhas na universalidade da norma moderna, sem a ênfase negativa mediada pela questão nacional.

Ainda dialogando com Buckle, Romero nota que o britânico é ―(...) verdadeiro na pintura que faz de nosso atraso, não na determinação dos seus fatores‖. Assim, estes fatores seriam, para Romero, ―(...) primários ou naturais, secundários ou étnicos e terciários ou morais‖ (1960, p. 87). Os fatores residiriam, portanto, como primeira influência sobre a sociedade brasileira, no clima e nos problemas que este causa; na mistura entre raças, ou ainda na ―(...) incapacidade relativa das três raças que constituíram a população do país‖ (1960, p. 87); nos fatores históricos como política, legislação, usos, costumes, etc. Neste percurso, Romero nos faz lembrar as teorias evolucionistas da época, que postulam o progresso da civilização desde o estado natural, de maneira linear, na passagem da natureza à constituição da nação e do Estado, mas também guardam em si certa dose da noção romântico-alemã de história. O clima constituirá geralmente em Romero aspecto menos abordado, embora não deixe de utilizá-lo como categoria de análise; afeito à questão da formação do caráter nacional, Romero utilizará principalmente o dado da mestiçagem, sendo esta para ele o apanágio por excelência da nação. Desse modo, Renato Ortiz afirma que ―o mestiço é, para os pensadores do século XIX, mais do que uma realidade concreta, ele representa uma categoria através da qual se exprime uma necessidade social – a elaboração de uma identidade nacional‖ (ORTIZ, 2006, p. 20-21).

Neste sentido, sempre aliadas à valorização da mestiçagem como valor distintivo, não tarda a aparecer a utilização das teorias raciológicas. Esta contradição, a nosso ver, menos tem a ver com o caráter de ideologia importada, de cunho neocolonial, mas à própria