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A literatura brasileira e a representação nacional: seus pressupostos e a forma dual

forma dual, faz-se mister lançar mão de alguns textos que se preocuparam, em primeiro lugar,

em pensar a forma específica da cultura de países cuja formação permanece problemática – o Terceiro Mundo, o subdesenvolvimento – no âmbito mais geral, e da cultura brasileira, em específico. Além disso, é também possível resgatar alguns modelos de análise literária, primeiramente no âmbito metodológico, mas também outros que identificaram na literatura brasileira os impasses contrastantes da formação nacional como molas formais para a própria constituição da obra. Assim, poderemos pensar a possibilidade de identificar esta constante formal da literatura brasileira a partir de uma tradição já constituída na crítica literária, cujas questões concernentes à abordagem, interpretação e delimitação formal dos dilemas brasileiros são percebidas nas próprias obras literárias. Trata-se, pois, de construir nosso modelo e delimitar esta tradição formal. Para ilustrar a questão, faremos referência também a algumas questões presentes na literatura brasileira, a saber, o uso que esta faz de dados estéticos e formas estrangeiras, de modo a suprir as lacunas da formação nacional com símbolos próprios, em uma confluência recorrente entre a utilização daqueles dados e a projeção de uma utopia nacional de emancipação e construção civilizatória.

Um ensaio muito instigante, que não trata da forma literária em específico, mas diz respeito à nossa produção cinematográfica, possui algumas colocações de amplo interesse para este problema. Publicado primeiramente na revista Argumento em 1973, e posteriormente em livro de mesmo nome, ―Cinema: trajetória no subdesenvolvimento‖, de Paulo Emílio Salles Gomes, formula categorias que lançam luz não apenas sobre a produção cinematográfica em nosso país, mas sobre todo nosso processo cultural, sobretudo aquele

vinculado claramente com um projeto nacional. Ao lembrar, fazendo relação direta com a teoria do subdesenvolvimento que, ―[em cinema] o subdesenvolvimento não é uma etapa, um estágio, mas um estado (...)‖ (1980, p. 85), o autor compreende que a produção cultural em países economicamente retardatários possui peculiaridades que devem ser entendidas em seus próprios termos, isto é, não como uma etapa ou má formação frente a um modelo central, mas um tipo de princípio formal que estabelece relações múltiplas entre a forma estrangeira e a prática local, restando particularidades que devem ser levadas em consideração para o correto entendimento dessa cultura, dessa ―(...) incompetência criativa em copiar‖ (1980, p. 88).15

Segundo ainda o ensaio de Paulo Emílio, temos uma relação entre ―ocupante‖ e ―ocupado‖ no plano da cultura, isto é, uma relação que se estabelece entre a produção nacional pretensamente autônoma e a importação de formas advindas dos grandes centros (GOMES, 1980, p. 87-88). Diz Paulo Emílio, em passagem lapidar:

Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não-ser e o ser outro (1980, p. 88).

A relação estabelecida, pois, entre essa cultura original, peculiar, não se dá em sua disparidade de realização frente ao influxo formal estrangeiro: se dá, ao contrário, em relação tensa com ele, seja, sobretudo, neste plano formal, seja mesmo nos meios de sua realização enquanto um produto cultural em um mercado interno adverso. Nesse sentido, a própria representação do país, que é o que nos interessa neste texto, não pode deixar de passar através da ótica do sistema internacional, não pode deixar, assim, de responder às demandas da modernização. As ciências sociais e a literatura, a nosso ver, dependem e guardam identidade neste pressuposto: a representação ou a análise da situação do país, embora evidentemente originais no sentido de uma nova experiência na prática literária ou científica, são tributárias de uma necessidade de integração frente ao modelo civilizacional, de uma construção nacional que, portanto, interfere na própria forma do produto cultural. As constantes apostas pela literatura nacional, ―descolonização‖, ―poesia de exportação‖ ou ainda pela cura através

15 A caracterização do subdesenvolvimento não como uma etapa, mas como estado de coisas, vai na direção da

abordagem clássica do subdesenvolvimento realizada por Gunder Frank. Através do esquema básico metrópole- satélite, correspondendo respectivamente aos centros mais dinâmicos da economia e às periferias que a estes centros estão relacionadas como economias subsidiárias, Gunder Frank afirma que o subdesenvolvimento ―não é um estado de relações original ou tradicional; tampouco é um estágio histórico de crescimento econômico pelo qual passaram os países atualmente desenvolvidos. Ao contrário, (...) [o subdesenvolvimento é] nada menos que o desenvolvimento econômico em si mesmo, tornado ao longo dos séculos um produto necessário do processo plenamente contraditório do desenvolvimento capitalista‖ (1967, p. 3, tradução nossa).

da Antropofagia oswaldiana, em nossas artes, dizem respeito a este problema central de nossa cultura.

Os problemas, pois, de adaptação da forma literária às possibilidades e demandas internas, já colocam a questão primeira do pensamento brasileiro nacionalista: a necessidade de descolonizar a produção cultural, a partir da qual as respostas estéticas duais centradas nos desajustes sociais brasileiros podem tomar forma. Nesse sentido, para compreender e buscar formulações que deem conta de situar esta forma dual que aparece recorrentemente na literatura brasileira, a noção de ―homologia‖ entre forma literária e estrutura social, proposta por Lucien Goldmann (1990), nos parece ser um interessante caminho de leitura. Para Goldmann, que se baseia, sobretudo, na Teoria do romance e em História e consciência de

classe, de Georg Lukács, a estrutura do romance seria homóloga aos aspectos da vida social,

nomeadamente da vida ―na sociedade individualista nascida da produção para o mercado‖ (1990, p. 16), mediada não exatamente pelo romancista, mas pela consciência possível do grupo social, consciência que não pressupõe isonomia com a realidade, mas uma construção, uma representação que possui por base, em última instância, a relação material. A teoria de Goldmann se adapta perfeitamente ao romance europeu, sobretudo na visada proposta por Lukács na Teoria do romance; porém, para o caso da literatura de representação da nacionalidade brasileira, a questão do embate do indivíduo contra a sociedade reificada não parece ser o fulcro da questão, ainda que dela faça parte: a organização da sociedade brasileira não reflete, em outro meio e tempo, a constituição das sociedades europeias; antes, certos grupos sociais nos países subdesenvolvidos sofrem um embate com a própria noção de um atraso, aspecto de sua consciência possível, ou de um desvio à norma frente àqueles grandes centros, consciência esta que constitui a fonte específica da forma dual do romance e revela um tipo de problema constante – vinculado a estes grupos que constituem uma pequena elite nestes países e aos quais pertencem os intelectuais –, que é a questão obsedante do nacional. Não se trata apenas, porém, como questão principal, de identificar o grupo social que realiza a obra literária, e com isto dar cabo da análise: a solução formal encontrada nas obras literárias, centro de nosso interesse, parece encontrar correlação homóloga com uma consciência ou representação do país, em termos de um projeto nacional a ser encaminhado. Para esse caso da literatura brasileira, portanto, o que se dá não é exatamente uma crítica à modernização capitalista; antes, se sugere a necessidade de superação dos desníveis do progresso local, em virtude de um projeto de país pensado e repensado em distintas formas.

Para falar com a tradição da literatura brasileira que passaremos a lidar, a discrepância entre este tipo de política nacional, as diferentes preocupações existentes entre as literaturas

do ―Primeiro Mundo‖ e ―Terceiro Mundo‖, que reparamos em relação à teoria de Goldmann, foi proposta por Fredric Jameson em termos de uma separação, na consciência social nos países desenvolvidos, entre as vidas privada e pública, entre o poético e o político (1986, p. 69). No Terceiro Mundo, estes problemas viriam de mãos dadas: Jameson fala de uma

alegoria nacional nos textos destes países, ―até mesmo, ou (...) particularmente quando suas

formas desenvolvem-se de mecanismos predominantemente ocidentais de representação, como o romance‖ (1986, p. 69, tradução nossa). Além disso, o intelectual nessas sociedades é entendido como, de uma maneira ou de outra, ―um intelectual político‖ (1986, p. 74). Essas questões se ligam sobremaneira ao que vimos tentando expor: o papel político do intelectual,

que se incomoda com o atraso e a desigualdade brasileira, constitui a base do ímpeto criador da forma dual no romance brasileiro, guardando, a partir de sua consciência enquanto

pertencente a um grupo social, uma relação entre esta e a estrutura romanesca, que se traduz numa forma alegórico-nacional, nos termos de Jameson, ou ainda em uma forma dual, para nos referirmos especificamente ao nosso problema. Esta noção alegórica será manifestada mais claramente nas formulações modernistas, na literatura, e, também, na tradição cinematográfica, enquanto outro gênero que incorpora a narrativa da nação. O problema, pois, da constituição de uma forma narrativa específica em países periféricos se dá de maneira muito diversa da produção hegemônica dos países centrais. Para pensar o caso do Brasil, deve-se considerar, a um só tempo, a especificidade de sua produção e de sua relação com os elementos formais externos, bem como suas diferentes formulações estéticas, que tomarão a feição da narração de nossos impasses.

Em relação direta com o pensamento social brasileiro, e sua relação obsedante, contraditória, com o elemento exógeno para a constituição de um pensamento nacional, a literatura se constitui, no Brasil, a partir de visões de fora, sejam as adotadas internamente ou mesmo por relações tutelares, como o famoso escrito de Ferdinand Denis sobre a literatura local, do qual trataremos.16 A narração nacional, pois, se dá neste entrelugar, somada às

16 Cabe pensar, a partir dessa relação tutelar, em primeiro plano, e, posteriormente, na relação de dependência

frente à produção estética estrangeira, que algumas imagens, inclusive que serviram de base à elaboração de um projeto nacional brasileiro na literatura – e suas decorrentes utopias de construção nacional segundo um novo modelo, americano, regenerador – possuem uma dupla filiação: às necessidades locais, que respondem a demandas específicas, e à fabricação de signos para a identificação da nova terra que possuem larga penetração na história brasileira. De grande importância para a literatura brasileira é, assim, o contraste entre a visão redentora da América enquanto novo continente destinado a redimir as mazelas da velha Europa, os ―motivos edênicos‖ (HOLANDA, 2000) que se baseavam na possibilidade de uma regeneração da civilização, e a violenta prática colonial e escravista, resguardada no domínio sobre as populações locais e na escravidão dos africanos. A natureza, o silvícola, aparecem neste tipo de representação como insígnias da possibilidade de regeneração da civilização ocidental em novo ambiente, o que não apenas ecoará, mas tomará traços mais definidos e longevos

atividades de uma elite em relação contraditória com o restante da população da qual se vê separada por um abismo mais ou menos intransponível – relação de não-reciprocidade que se dará da literatura ao cinema, da formação das narrativas nacionais à atualidade dual ―pós- moderna‖ de nossas caóticas cidades, na qual o antigo nacional é uma miragem de certo modo fantasmática, mas sempre presente em negativo –, perfazendo uma constelação de projetos que alinhavam para o país uma história cujas contradições seriam o motor principal. Nesse sentido, como matéria literária – em relação direta com a matéria do pensamento social, do qual já tratamos – a nação aparece enquanto uma miríade de estruturas contraditórias, elementos ao mesmo tempo de unificação mítico-ideológica, de divisão social que exclui e integra, de uma unidade que se busca e se projeta como horizonte de uma nação moderna. A passagem de João Cezar de Castro Rocha, em texto que toma como mote o poema ―Hino nacional‖, de Carlos Drummond de Andrade, é lapidar: falando sobre o pensamento social brasileiro, que é e deve ser fonte de inspiração para olhar outras narrativas, e assim reciprocamente, diz que o Brasil se forma, nestas leituras, a partir de uma ―teologia negativa‖. Mais ou menos como a linguagem seria insuficiente para definir o conceito de Deus – podendo notá-lo, apenas, pelo que ele não é: imperfeito, incompleto, etc. –, o Brasil se constitui assim em uma

(...) melancólica descrição do que o país não foi – moderno, democrático, etc. –, do que deixou de ser – igualitário, iluminista, etc. –, do que ainda não é – país de primeiro mundo, potência mundial, etc. Daí sermos eternamente o ‗país do futuro‘, ou seja, somos tudo aquilo que um dia seremos (2003, p. 23).

Aqui, percebe-se o alcance do interesse do que consideramos a forma dual: parte integrante do jogo cultural de edificação da nação nos seus diversos empreendimentos teóricos ou literários, ela encena uma não-constituição, uma integração que se toma por alvo, sempre freada a meio caminho. Entre a unidade nacional almejada nas narrativas fundacionais, passando por sua negação em chave melancólica no naturalismo, para o repensar de uma nova

enquanto ideologia nacional a partir da independência. Este aspecto, chamado por Marilena Chauí de ―sagração da natureza‖ (2000, p. 58), nutre a ideologia da colonização e posteriormente a nacionalista, erigindo as matas e a uberdade natural da terra em características positivas e distintivas. Estes elementos entram como símbolos da nova civilização à medida que passam a ser incorporados continuamente entre as representações do país. Nesse sentido, a partir de um senso da natureza mais concreto, no arcadismo – ainda que dado por um critério de rusticidade que divide o intelectual entre a civilização e o primitivismo local (CANDIDO, 2007, p. 64) –, a sagração da natureza local, no romantismo, somado ainda à discussão da integração de contrastes culturais e raciais, passarão a ser ponto de recorrência da literatura brasileira, organizando um ponto de vista de construção civilizacional a partir de motivos mitificados em forma de identidade. O romance e a poesia brasileiros, a partir do momento de construção do Estado nacional e da tentativa de erigir uma literatura própria ao país, tendo como referências uma noção de caráter nacional à la Herder e uma imposição civilizacional à moda iluminista francesa, tentam pensar a nação a partir deste tipo de elemento distintivo.

atitude perante os retalhos locais no modernismo, o caráter de contraste, dualidade, dissonância é presente. E é mais que mero cacoete, como se verá: constitui a forma cultural da nação em negativo, em relação tensa com sua própria constituição social.

Partindo da análise destes desníveis, em texto de uma conferência, Ángel Rama trabalha com a possibilidade de cercar uma possível contribuição original para a literatura, advinda da América Latina. Seguindo uma dialética notadamente semelhante à de Antonio Candido – entre localismo e cosmopolitismo, que, de resto, será correlato a seu conceito de ―transculturação‖ –,17 Rama nota a dualidade de culturas presentes na América Latina, tendo

como ator cindido em sua produção o intelectual, membro das elites locais. Rama afirma que há

[de] um lado, uma cultura que chamaríamos de tipo tradicional, muito rica e que compreende a maior parte da população do continente. Conservam-se nela os mais puros ingredientes das diferentes culturas que constituíram o tronco latino-americano, embora ocorra também a aculturação através da inserção ibérica. (...)

A outra cultura é a que chamaríamos de tipo urbano, de tendência cosmopolita, que usa preferencialmente uma língua disciplinada pelo estudo, que aspira com maior fervor à originalidade e a novidade e que, por isto mesmo, estabelece os seus modelos a partir de exemplos estrangeiros que são repassados para um idioma diferente, ou para situações novas. Esta cultura, normalmente chamada de cultura e nada mais, desfruta de um raio de ação muito reduzido (...) (1982, p. 63-65).

A contribuição original, porém, que Rama apenas sugere, parece surgir desta relação entre o inevitável influxo estrangeiro – que é parte formadora da sociedade local, não apenas justaposição – e a base local autóctone, que nota. No caso brasileiro, no qual a cultura especificamente indígena não nos pareceu ser legada nos mesmos termos de outros países da América Latina, a relação com uma temática ―popular‖, significando, ao mesmo tempo, uma prática cultural desligada de maiores restrições quanto à dialética de cosmopolitismo e localismo, mas tendo como centro este último aspecto, dado que o primeiro pertenceria sobretudo às camadas letradas, com acesso mais franqueado ao saber. No fim das contas, o problema parece semelhante ao da cultura popular no Brasil, assumindo o lugar daquela autóctone notada por Rama. Este é o mesmo sentido relacional analisado por Paulo Emílio, na forma ―subdesenvolvida‖ da produção cinematográfica; assim, o imperativo civilizacional,

17 O conceito de transculturação, na verdade, fora cunhado pelo estudioso cubano Francisco Ortiz, em seu

Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (1940), no sentido de uma ―mestiçagem‖ cultural; algo muito

próximo do ―equilíbrio de antagonismos‖ de que falava Gilberto Freyre sobre a formação brasileira. Rama fará uso deste mesmo termo para a compreensão da produção literária latino-americana. Ver, sobre o assunto, Roberto Fernández Retamar (2004, p. 78-79), e Rama (2001).

dado nessas literaturas por uma perseguição mais ampla do nacional, se dá num espelhamento difuso, relacional porém afirmativo, nos quais os contrastes locais são evocados ora como óbices, ora como distintivos: ―[a] América Latina, espelho da Europa, toma por completo esta imagem, devolvendo-a, de algum modo, em sua totalidade, para que possa se reconhecer nela‖ (RAMA, 1982, p. 79). A originalidade, assim, só poderia se dar completamente, como já viemos afirmando, a partir do momento em que a formação de um dado cultural se dê em correlação com uma formação, uma integração mais ampla das sociedades locais, mitigando as contradições de ordem social:

São estes movimentos [sociais] que, na própria medida em que ampliam a base popular de uma sociedade e em que se estabelecem a fecundação mútua das diferentes culturas – forçando a imbricação das elites correspondentes –, instauram a possibilidade de uma cultura original (RAMA, 1982, p. 82).

Cabe notar, entretanto, que mesmo a partir deste momento de uma integração local, o que desapareceria seria a questão imperialista, a dominação estrangeira enquanto dado político- econômico: a sociedade em contrastes, por nossa própria formação, não deixaria de se identificar ao mesmo tipo de originalidade da civilização portuguesa estabelecida nos trópicos, tal como a notou Gilberto Freyre. Assim, as dicotomias notadas neste lugar específico do (antigamente?) chamado Terceiro Mundo passariam a um novo patamar, com uma significação diversa da que vislumbramos aqui, em nossa tradição.

Em outro ensaio de Rama, podemos situar mais claramente os fundamentos da noção de forma dual para pensar a representação brasileira na relação problemática entre a literatura e seu sentido de intervenção no projeto de modernização nacional. No texto ―Sistema social e sistema literário na América Latina‖, o autor discute a necessidade de, para entender a especificidade da produção estética no subcontinente, trabalhar com instrumentos teóricos próprios, ainda que em diálogo profícuo com as contribuições externas. Assim, nota o autor que a literatura local não constitui mera réplica da produzida na Europa, ainda que não haja possibilidade de se evitar as soluções e as referências formais produzidas externamente, mas se estabelece internamente no processo social interno, que responde às condições materiais da sociedade local. Desse modo, a partir da produção literária, é possível vislumbrar como ela se integra e como representa um determinado ponto de vista local, sempre em uma relação de mão dupla com o tecido social: ―[a] literatura produz um discurso sobre o mundo, porém esse discurso não passa a integrar o mundo, mas a cultura da sociedade, tornando-se parte da vasta malha simbólica mediante a qual os homens conhecem e operam sobre o mundo‖ (RAMA, 2008, p. 121). Assim, a tradição literária não reflete uma condição dada da sociedade, mas

constrói sobre ela um discurso, o qual passa a ser incorporado pela sociedade enquanto prática cultural, ainda que, num primeiro momento, esta prática esteja relacionada sobretudo a uma questão de formação nacional, dada sob a égide do Estado. Retomando o que havíamos dito sobre a produção literária a partir do ponto de vista do grupo social, segundo Goldmann, uma reflexão de Rama sobre este autor permite situar melhor esta questão:

De forma similar [à da literatura compor um discurso, que passa a ser incorporado pela sociedade], uma classe ou um setor social, além de viver