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Caso seja levantada uma série de antecedentes da representação dos contrastes da sociedade brasileira na literatura, seríamos remetidos a manifestações literárias ainda anteriores ao processo de formação nacional brasileira. Na colônia, a estrutura dual da representação, que mantém, portanto, com manifestações posteriores, uma identidade formal, está no dilema básico do intelectual da época: uma comparação constante entre a situação real

da pátria – considerando esta como local de nascimento – e a norma da civilização ligada ao modelo europeu. Assim, seja nos sonetos de Gregório de Matos, no século XVII baiano, ou nos poemas de Cláudio Manuel da Costa, nas Minas Gerais do século XVIII, o que vemos é uma comparação interessante em que uma consciência ―nativista‖ (2007, p. 28), para usar o termo de Antônio Candido, se coloca em diferença à norma da civilização europeia, modelo inescapável de cultura em uma colônia, o único possível em seu exíguo círculo intelectual.

Nos sonetos do trovador baiano e do poeta mineiro, as questões do viver de uma elite desterrada na colônia que, não obstante, é sua própria casa, parecem transcender sua razão histórica para encontrar o viver ressentido de nossa formação social incompleta no país em formação. Nas ―Crônicas do viver baiano seiscentista‖, editadas na Obra Poética de Gregório de Matos, o soneto inicial nos fala do plano social da época, no qual, por meio de uma poesia que quer ―das culteranias / hoje o hábito enforcar‖ (MATOS, 1990, p. 31), estabelece uma visão ácida, de tonalidade popular, dos hábitos destas partes da colônia (MATOS, 1990, p. 33):

A cada canto um grande conselheiro, Que nos quer governar a cabana, e vinha, Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro. Em cada porta um frequentado olheiro, Que a vida do vizinho, e da vizinha Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, Para a levar à Praça, e ao Terreiro. Muitos Mulatos desavergonhados, Trazidos pelos pés os homens nobres, Posta nas palmas toda picardia. Estupendas usuras nos mercados, Todos, os que não furtam, muito pobres. E eis aqui a cidade da Bahia.

No mesmo sentido, mas em outra dicção, o soneto de Cláudio Manuel da Costa (1996, p. 51- 52):

Leia a posteridade, ó pátrio Rio, Em meus versos teu nome celebrado; Por que vejas uma hora despertado O sono vil do esquecimento frio: Não vês nas tuas margens o sombrio, Fresco assento de um álamo copado; Não vês ninfa cantar, pastar o gado Na tarde clara de calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias Nas porções do riquíssimo tesouro O vasto campo da ambição recreias. Que de seus raios o Planeta louro Enriquecendo o influxo em tuas veias, Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Evidentemente, não planejamos realizar uma leitura anacrônica, dizendo que seriam poesias preocupadas com um projeto nacional, como a literatura de que vamos nos ocupar. No entanto, a identidade temática e estrutural com o problema que perseguimos é evidente, uma espécie de matriz de nossa cultura – agora nacional – dividida entre a metrópole e a dissonância local da pátria, uma dialética entre afirmação e negação que marca nossa cultura e compõe parte de nossas dicotomias formais, a partir do momento em que estabelece a relação problemática que toma o externo como princípio. Uma relação, por assim dizer, não especular, dividida entre a norma e sua violação, que frutificará, depois, em nossos paradoxos sempre chamados à mente inquieta do intelectual brasileiro. Nesse sentido, a primeira relação que traçamos para a representação dicotômica do Brasil na literatura e no pensamento social é a inescapável visão a partir de fora, isto é, a necessária relação que se estabelece entre a norma civilizacional ocidental e a prática local, oposta em dilemas de incompletude, desvio, dissonância. O que, no pensamento social e na literatura após a formação do Estado nacional se traduziria na questão entre adesão ao pensamento estrangeiro e a exigência de originalidade. Em ensaio sobre Gregório de Matos, ressalvando os pendores nativistas contra Portugal – que seriam devidos a uma decadência econômica de uma família proprietária –, Adriano Espínola afirma que Gregório de Matos

(...) se apresenta como o nosso primeiro grande intérprete; o tradutor cômico-poético das mazelas particulares e sociais, da mestiçagem mística e erótica, dos desejos, tormentos e prazeres da patuléia luso-tropical. De

nossas contradições, enfim.

(...) [É] possível acreditar que Gregório de Matos teria sido o primeiro poeta a exprimir, entre os brasileiros do século XVII, afeição à pátria, chegando a defendê-la em sua sátira. Da mesma maneira, podemos pensar que, longe disso, mostrou-se um antinativista convicto, um indivíduo que detestava o ‗Brasil empestado‘ e seu ‗povo maldito‘ (2003, p. 457, grifo nosso).

As contradições entre a afeição a uma materialidade existencial e a própria dicção dos contrários, barroquizante, são uma espécie de preâmbulo do chamado ‗bovarismo‘ de nossas elites, a relação problemática com o externo que uma camada superior possui, quando alheia a uma vida local que não lhe corresponde e uma idêntica separação em relação à camada majoritária da população. Gregório de Matos, nativista ou não, parece inaugurar uma leitura

dicotômica do Brasil que terá largo fôlego. Aliás, a relação com o estrangeiro, seja como objeto de desejo da camada superior, seja como elemento obsedante de recusa para a emancipação mental, terá, de qualquer modo, ainda que signifiquem posturas opostas, a mesma raiz centrada no imperativo civilizatório. Não será incomum, aliás, a combinação das duas posturas no mesmo intelectual.

No circuito interno da série literária, a abordagem dos contrastes brasileiros se dá sobretudo pela questão da prioridade do nacional segundo determinada cosmovisão ou, então, relacionada a esta, por meio da postulação de uma representação de maior ou menor autenticidade. Para pensar a série literária, tendo como pano de fundo a constituição das dicotomias brasileiras enquanto forma de representação, o melhor guia se encontra no capítulo sobre ―As letras e as artes‖, de Brasil: terra de contrastes, de Roger Bastide. Seguindo o argumento do professor francês, o Brasil, dada sua extensão geográfica e diversidade social interna, se constitui em um ―(...) arquipélago de ‗ilhas culturais‘ dessemelhantes, embora banhadas pelas mesmas ondas e coroadas pelas mesmas estrelas‖ (1969, p. 209). Deste modo, a literatura acompanharia esta forma diversificada da nação, constituindo, em sua série, variadas respostas para dar conta dos contrastes locais. O romantismo, como primeiro estilo de época em consonância com a construção nacional, vista a necessidade de construir uma unidade, tenta forjar uma mitologia nacional, constituindo símbolos que permanecerão na prática cultural posterior. Sobre José de Alencar, um dos fautores principais desta unidade na diversidade na produção em prosa, Bastide afirma:

Compreendeu José de Alencar, à medida que envelhecia, que a verdadeira afirmação do Brasil era a diversidade na unidade e da unidade na diversidade. Começando, como todos os românticos, pelo indianismo, escreveu mais tarde uma sucessão de romances históricos e regionais, que formam como que o inventário literário da riqueza cultural do Brasil (1969, p. 210).

Esta figuração simultaneamente diversa, mas com foco na unidade nacional, é a estrutura básica do romance O guarani, a ser estudado em capítulo posterior. Nesse romance, José de Alencar parece tentar construir uma história brasileira, tendo por base a passagem da colônia ao processo de constituição de uma sociedade independente. A partir da figura do indígena Peri, Alencar constrói o arquétipo de um tipo nacional que passará a controlar o meio que lhe pertence, juntando a seu natural pendor para dominar a terra de que é senhor os requisitos civilizatórios legados pelo português, antigo dominador da terra, figurado em D. Antônio de Mariz. Ambos os personagens nos parecem se relacionar em um processo alegórico, no qual é realizada a passagem entre a estrutura colonial, sob o comando português, para outra,

propriamente nacional, na qual a figura autóctone absorve as possibilidades civilizatórias, necessárias para a construção da nova nação.

O guarani, portanto, é um romance que põe em questão a formação brasileira em seus

necessários embates entre a civilização que chega de navio e a constituição local por um agente autóctone, nacional, que passa a usar a cultura a ele legada pelo colonizador, caracterizando, pois, um elemento simbólico da construção da civilização tropical. Assim, as contradições presentes entre os personagens, a hierarquia entre eles, a relação entre os elementos de cultura e de barbárie, a natureza e a construção social, figurados no cenário, são as principais realizações formais duais deste romance. Para a construção de nosso argumento, pensamos ser necessário um deslocamento de foco frente ao que a crítica costuma notar neste romance de Alencar: em vez de colocar o foco apenas na reprodução formal do indianismo do

bon sauvage, como sói realizar as leituras recorrentes deste romance, notando em Peri apenas

um ser submetido ao mando português e a seus dispositivos de domínio, pensamos ser necessário estabelecer a passagem entre a formação colonial presente na narrativa e figurada em termos de espaço, linguagem e da hierarquia dos personagens, para a constituição final do romance, onde aquelas construções são retrabalhadas no sentido de atribuir a Peri o papel central na construção da nova nação. Desse modo, é possível também perceber as diferenças entre o indianismo alencariano e as formas estrangeiras das quais se apropriou – em Cooper e Chateaubriand, sobretudo –, notando a construção de um discurso local pelo uso destas mesmas formas. Alencar, portanto, ao intentar construir um novo modelo de civilização, o faz por uma maneira que conserva a contradição premente no romance, entre colonizador e colonizado, mas elevando-a ao nível de uma construção unificada, na qual a contribuição externa permanece e é posta em novo nível pelo protagonista romanesco. A possibilidade de uma resposta local à formação nacional é, pois, o foco do entrecho e da questão formal, representando as dualidades da construção brasileira, entre a civilização e suas possibilidades autóctones.

Essa unidade perde-se na medida em que o projeto de constituição de uma sociedade coesa parece deixar sua premência romântica, desenvolvendo, com base em outras questões, agora vinculadas a uma análise pretensamente mais objetiva da realidade nacional, uma necessidade de reavaliação da sociedade brasileira a partir de uma representação literária pautada por temas científicos, caso do naturalismo. Segundo a sugestão de Bastide, o naturalismo, como pretendia explicar o ―(...) homem pela hereditariedade e pelo meio que o modela‖, não poderia deixar de figurar em suas obras ―a estrutura de arquipélago das civilizações brasileiras‖ (1969, p. 211). Assim, o naturalismo se faz expressar em obras como

A fome: cenas da seca no Ceará (1890), de Rodolfo Teófilo, que apresenta, já no século XIX,

o drama dos retirantes nordestinos fugidos da seca, a partir de uma dicção crítica e de inspiração científica, e cujo tema será retomado posteriormente no romance da década de 1930 – ou, mais precisamente, a partir de A bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. No entanto, na obra a que nos dedicaremos, O cortiço, a representação brasileira parece tomar a forma de alegoria: os ―arquipélagos culturais‖ parecem aqui atingir a diversidade social – e racial, tal qual o estilo preconizava – convivendo em espaços contíguos, porém separados pelo abismo existente entre as raças ou classes superiores e inferiores. O naturalismo parece ser uma das primeiras notas críticas à unidade nacional romântica, embora não a desconheça, erigindo como nota distintiva nacional uma dificultosa conciliação entre a necessidade civilizatória e os elementos sociais que não poderiam lhe dar sustentação. Há, pois, uma nota negativa na representação dos contrastes brasileiros, configurando uma cosmovisão que se pode aproximar em muito da representação dos contrastes brasileiros tal qual figurados no pensamento social. Aliás, as fontes inspiradoras de parte do pensamento social da passagem do século XIX para o XX, e o naturalismo literário, eram sabidamente as mesmas, como veremos.

Em O cortiço, portanto, a construção da forma dual está submetida a dois domínios, a saber, a aclimatação do romance naturalista ao Brasil e a continuidade do interesse pelo nacional em outro registro. Assim, os problemas próprios à estética naturalista – o determinismo, que deveria figurar como âncora ―científica‖ na apreensão da realidade pelo narrador – recebem no contexto brasileiro outro tratamento, já que o imperativo da ―hereditariedade‖ e do ―meio‖ na constituição da ação dos personagens e no desenho do espaço ganham os atributos de ―raça‖ e ―ambiente tropical‖, redundando nas conhecidas interpretações oitocentistas, já presentes na crítica de um Sílvio Romero, de uma depreciação do espaço e da sociedade locais em nome da exatidão da representação. Aluísio não se limita, portanto, a copiar o modelo francês: a apreensão do romance moldado por Émile Zola viria servir de instrumento para a reflexão sobre a sociedade brasileira, ainda que não haja, no naturalismo, um interesse prévio nacionalista no sentido de uma construção local autônoma, tal como no romantismo. Ao contrário, o romance naturalista aparece como uma espécie de negação dúbia de qualquer possibilidade de uma constituição coesa da sociedade brasileira, decantada no referido embate entre as raças e na corrupção do meio. O naturalismo no Brasil, porém, se foi, por um lado, a antítese do romantismo na negatividade que atribuía às possibilidades brasileiras, por outro lhe deu continuidade, ao pensar a realidade local através de alegorias que permitem uma expansão da situação narrada para uma abrangência que tem

por foco narrar os impasses formativos da nação brasileira. Localizamos estes impasses na questão da permanência da escravidão como característica nacional, nos termos de Joaquim Nabuco, que possibilitam o entendimento e pesagem, na estrutura do romance, dos esteios cientificistas em que se escora.

A literatura brasileira continuaria trabalhando com a questão da identidade nacional na passagem do século XIX para o XX. Nesse período, viria a eclosão do regionalismo, com figuras como Coelho Neto e Simões Lopes Neto. Porém, a grande narrativa regionalista apareceria na década de 1930, já após a virada modernista de 1922. De fato, após a reavaliação estética da literatura brasileira, também se vislumbra uma nova possibilidade de representação, desta vez possibilitando uma adequação formal da linguagem literária ao interesse popular e nacional que as pesquisas do modernismo representavam. Assim, o romance de 30 encontra seu caminho já pavimentado pelas incursões modernistas, perfazendo o que Roger Bastide nota, como movimentos ―ao mesmo tempo opostos e complementares‖ (1969, p. 213). Revelando sentidos diferentes, mas tendo como ponto de fuga pensar a nação em suas características talvez insuspeitadas – mas já estilizadas na rigidez teórico-científica do naturalismo, e expostas em dilaceramento pela pena de Euclides –, modernismo e regionalismo representam outra etapa da reflexão dicotômica da realidade brasileira, perfazendo uma busca pela autenticidade, originalidade, representatividade dos variados setores contraditórios nacionais, para a imagem do país.

O romance de 30 e o modernismo que o antecedeu seriam, a nosso ver, os momentos nos quais ocorre a consolidação da representação do Brasil através de seus contrastes. Daqui, até o grande romance de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, a evolução formal será qualitativa, mas as portas para a pesquisa estética e para o olhar vincado pelas dicotomias nacionais já estará formado nos momentos citados. Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, Jorge Amado lançarão, cada um a seu modo, as sementes para a consolidação das contradições como mote principal da reflexão sobre a questão nacional brasileira. Oswald, e seu romance cíclico inacabado Marco Zero – A revolução melancólica e

Chão foram as únicas obras publicadas – nos aparece, como uma espécie de síntese deste

momento, entre a linguagem modernista da geração heroica e o interesse social derivado da radicalização à esquerda, típica da década de 1930. Oswald representa as dicotomias dos núcleos mais desenvolvidos do país, centrados no espaço do Estado de São Paulo, em um momento de consolidação da tradição literária de refletir sobre a nacionalidade e sobre a história brasileira, bem como uma renovada e mais revolucionária inquirição da identidade, seguindo o rumo da modernização e urbanização que começam a dar o ar contraditório de sua

graça após a Revolução de 1930. Ainda que a crítica perceba o romance como uma espécie de síntese problemática da obra oswaldiana (CANDIDO, 2004, p. 21-26), pensamos que o ciclo

Marco Zero retoma também algumas preocupações já propostas no modernismo, como a

questão da releitura da nacionalidade em um tonalidade mais compreensiva em relação às discrepâncias nacionais, o que já estava na proposta do ―Manifesto da Poesia Pau-Brasil‖, bem como recoloca o problema presente no ―Manifesto Antropófago‖, isto é, a possibilidade de, pela consciência da particularidade colonial brasileira no sentido da absorção da cultura ocidental, fundar-se uma nova civilização em outras bases, pelas quais o influxo modernizador fosse recolocado nos interesses da civilização brasileira; o que faz com que estética e política sejam dois elementos ligados também em Oswald de Andrade, como se vê. A releitura da história brasileira, como já esboçada na Revista de Antropofagia (1928-1929), será também realizada em outros termos, marcando preocupações diversas em relação ao movimento modernista.

Os romances de Oswald, portanto, nos parecem retomar, por um lado, novamente a questão nacional, agora executando o que pareceria ser uma síntese dos elementos anteriores: a visada crítica da prosa naturalista, mantida em boa parte do romance da década de 1930 brasileira, aparece aliada a uma reafirmação da condição nacional, característica do romantismo, a qual teria por fuga a reconstrução da civilização em novas bases – agora pela filiação de Oswald ao Partido Comunista. Para além, portanto, da irreverência modernista, a possibilidade de reavaliação da cultura e sociedade brasileiras, aberta pelo movimento, encontra eco tanto na literatura quanto no ensaísmo; cabe lembrar que são contemporâneos destes romances a revisão da interpretação do Brasil, realizada por intelectuais como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Marco Zero, nesse sentido, parece ser a ponte, na obra oswaldiana, entre a esteticamente radical produção literária dos anos 1920 e a radicalização política da década de 1930, lançando as bases para uma reinterpretação da cultura brasileira e de suas possibilidades civilizacionais distintas que desaguariam em sua tese A crise da filosofia messiânica (1950) e na série filosófica A marcha das utopias (1953), quando retoma definitivamente a questão da Antropofagia. A figuração alegórica dos contrastes, já realizada na poesia Pau-Brasil, pois, reencontra na Antropofagia e no combustível político do romance social que Oswald retrabalha, um teor crítico de reexame das perspectivas nacionais num viés crítico à dependência e à desigualdade social brasileiras – aspecto já desenvolvido, também, em suas peças da década de 1930, como em O rei da vela (1937). Marco Zero, pois, nos parece um momento de síntese, embora problemática, no qual a

perspectiva de representação dualista do Brasil encontra forças para a perspectiva da fundação de uma nova sociedade brasileira, que permanece, de certo modo, no horizonte.

A tradição de representação do Brasil através da forma dual, pois, nos parece consolidada já em Oswald de Andrade. Posteriormente, uma grande obra como Grande

Sertão: veredas se reapropriaria dessa tradição, já em nível esteticamente mais alto. Em

ensaio sobre este romance, ―Os processos de transculturação na narrativa latino-americana‖, de Ángel Rama, Guimarães Rosa é considerado como um dos fautores, na América Latina, de uma solução formal para o dilema da separação entre a cultura popular local e os influxos estéticos externos. Assim, afirma Rama

Na área lingüística brasileira, a obra monumental de João Guimarães Rosa representa a aprimorada elaboração das contribuições dialetais, elevadas a unidades de uma estruturação que é minuciosamente regida por princípios de composição artística (2001, p. 219).

Considerando esta solução encontrada por Guimarães Rosa, assim Rama a caracteriza, dentro da tradição literária latino-americana:

À suposta unidade da cultura modernizadora opõe-se, por outro lado, a pluralidade das culturas regionais, às quais pertenceram os diversos escritores do processo: isso nos dotou de uma série equivalente de soluções que, embora manifestando-se em um esquema conflituoso semelhante, também responderam às singularidades que justamente tentavam salvaguardar. A variedade dos resultados corrobora o triunfo da luta travada, visto que nos repôs a característica variedade do mapa cultural latino- americano em um novo nível e em uma nova instância de sua incorporação à estrutura ocidental (2001, p. 226).

Trata-se, neste viés, de uma resposta estética específica ao que chamamos os contrastes brasileiros, agora elevada a uma plana mais integradora, no interesse pela contribuição